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Educação com respeito: porque a raiva não educa

Criar filhos hoje não é mais como foi na nossa época de criança. E, ao contrário do que se diz no senso comum, isso não é ruim

Por Carla Leonardi
Atualizado em 27 abr 2023, 10h07 - Publicado em 27 abr 2023, 10h01
educação com respeito
Se queremos que o comportamento de nossas crianças seja diferente, a primeira mudança precisa acontecer em nós. (Getty Images/Getty Images)
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“Uma palmadinha não faz mal a ninguém.” “Eu ficava de castigo e não morri por causa disso.” “Foi a rigidez da minha casa que me deu disciplina.” Você já deve ter ouvido (se é que não falou) frases como essas. Normal. Nós temos a tendência de acreditar que, se nos tornamos adultos decentes — estudamos, trabalhamos, pagamos impostos e separamos o lixo reciclável —, a educação que recebemos foi a melhor possível. Talvez ela tenha, de fato, sido a melhor possível dentro das informações e das ferramentas que nossos pais tinham na época, mas isso não quer dizer que não possa ser revista, sobretudo quando passamos a educar outras pessoas. Hoje, falamos na educação com respeito, diferente daquela que nos foi apresentada na infância.

“Não é fácil nomear o abandono emocional que vivenciamos. Pode ser conflituoso perceber que houve, sim, violência”, escreve Maya Eigenmann na apresentação de A Raiva Não Educa. A Calma Educa. Pedagoga, educadora parental e pós-graduanda em neurociências, ela explica no livro que voltar-se para o passado com um olhar crítico não significa “trair” aqueles que tanto se esforçaram para garantir comida, educação e saúde, mas entender que, hoje, temos muito mais informações sobre desenvolvimento infantil. Se queremos que o comportamento de nossas crianças seja diferente, a primeira mudança precisa acontecer em nós. Novos cenários pedem novos olhares — estudos, análises, observações — que vão muito além do “eu cresci dessa forma, então será da mesma maneira com meus filhos”.

Educação com respeito: Tudo começa no adulto

“Muitas pessoas olham para a própria infância, para a violência que passaram, e não a veem como tal, mas como algo natural, que faz parte do processo, e que graças a isso se tornaram humanos bons”, diz Maya. “Essa ótica está conectada a uma falta de autoconhecimento e, também, a todo um sistema tóxico no qual estamos inseridos.”

Falar em violência traz, de imediato, a imagem da agressão física, sua forma mais explícita. No entanto, ela não está só nas palmadas. A repressão do choro, a não aceitação do erro, o ato de invalidar emoções atribuindo tudo à chamada “birra”, as cobranças desmedidas, entre outros comportamentos que se tem com os filhos, podem gerar consequências negativas para toda a vida. Um estudo da Universidade de Münster (Alemanha), publicado em 2019, concluiu que crianças que sofrem abusos físicos e/ou emocionais na primeira fase da vida podem ter um córtex insular menor quando adultas. Essa é a área do cérebro que regula as emoções. Isso, de acordo com os cientistas, aumenta as chances de desenvolvimento de depressão, além de dificultar o tratamento da doença.

E como identificar atitudes violentas se elas foram naturalizadas desde a infância? Com autoconhecimento e informação. “Estudamos para tudo na vida. Se vamos abrir um negócio, fazemos uma pesquisa de mercado antes. Se quero virar médica, vou para a faculdade de medicina. E mesmo com cursos livres, vamos atrás de conhecimento para tudo que queremos conquistar. Mas com os filhos, não. Achamos que basta a intuição, que ela é suficiente — e obviamente não é”, pontua Maya.

A educação com respeito é muito mais do que não bater ou não colocar de castigo. A ideia principal é reconhecer que “o problema” (entre aspas mesmo) não está na criança, e, sim, em nós, adultos. “É você que está com pressa para sair de casa, não ela”, exemplifica a especialista em primeira infância Camila Menon. “Observe como uma mesma situação causa efeitos distintos em contextos diferentes”, ela sugere. Por que brinquedos espalhados irritam profundamente no fim de um dia estressante de trabalho e não tanto numa manhã ensolarada de domingo? Talvez o “problema” não esteja na bagunça da criança, mas em como nós a percebemos.

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A partir dessa perspectiva, vai ficando mais fácil lidar com os cenários desafiadores e evitar comportamentos dos quais, muitas vezes, nos arrependemos, como gritar, culpar o pequeno, fazê-lo se sentir mal por determinada atitude… Ações que podem parecer inofensivas, mas que são passíveis de gerar questões complicadas no desenvolvimento naquele momento e, depois, na vida adulta.

Birra, será?

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Lembre-se de que, para o pequeno, até mesmo entender o que está sentindo é complicado, quanto mais comunicar ao adulto. (Getty Images/Getty Images)

“As pessoas chamam de birra o que chamo de desespero. A criança muda o comportamento desesperadamente porque quer comunicar alguma coisa”, afirma Camila Menon. O termo está para lá de envelhecido, embora ainda seja a palavra que conhecemos para nomear aquele momento em que regular as próprias emoções fica tão difícil (nos primeiros anos de vida, aliás, o cérebro ainda nem está desenvolvido o suficiente para isso).

Na próxima situação desafiadora, antes de ter uma reação explosiva, Camila aconselha: “Veja se ela está com fome, com sono, entediada ou precisando de conexão. Essas são as quatro razões para a ‘birra’. É preciso entender qual é a necessidade dela e não assimilá-la como um problema”. Lembre-se de que, para o pequeno, até mesmo entender o que está sentindo é complicado, quanto mais comunicar ao adulto. Acolher é um bom primeiro passo.

Não há fórmula mágica

O processo é longo, trabalhoso e requer consistência. “Se a pessoa espera um resultado rápido, não funciona”, alerta Camila. A ideia é construir, aos poucos, uma relação baseada no respeito, e não em medo e obediência. “O problema de quando educo para a obediência é que a criança não raciocina a respeito dos processos, ela simplesmente vai e faz porque é exigido dela, não porque faz sentido”, explica Maya.

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Esse novo olhar nada tem a ver com falta de limites ou com permissividade. Imagine o seguinte: a criança quer tomar sorvete em vez de jantar. Para ela, a troca parece boa, porém, o adulto sabe que não é, e a reação dele provavelmente será dizer “não”. O importante é explicar, manter-se firme na decisão e falar de forma clara, na altura dos olhos dela. “Sorvete é gostoso, a mamãe também adora, mas não vale como jantar, porque não te ajuda a crescer forte e saudável. Vamos deixar para amanhã à tarde?”, seria um exemplo de conversa. Vai resolver o choro? Possivelmente não. E tudo bem.

educação com respeito e educação positiva
Esse novo olhar nada tem a ver com falta de limites ou com permissividade. (Getty Images/Getty Images)

A educação positiva, outra forma de chamá-la, não é sobre criar um mundo em que os filhos aceitam tudo. “A criança continua a ser criança”, lembra Maya. É trocar a bronca ou a imposição pela conversa respeitosa e substituir a repressão do choro por um espaço seguro em que eles possam se expressar. É sobre dar à criança a oportunidade de sentir, de entender os próprios sentimentos e de criar ferramentas para lidar com eles. “É fundamental provar diariamente a ela que você é confiável. Ela precisa saber que, sempre que precisar, a ajuda vai vir”, diz a educadora parental.

E essa é uma questão que impacta o futuro. Pesquisas apontam o quanto comportamentos opressores podem gerar, além dos casos de de- pressão já citados, problemas de autoestima e até uma compreensão nebulosa do que é o amor. Um estudo de 2018 da Universidade de Penn State (EUA), por exemplo, mostrou que crianças que têm uma convivência positiva com os pais são mais preparadas para buscar relações românticas saudáveis no início da vida adulta. Portanto, se queremos um mundo com pessoas mais seguras emocionalmente, que saibam respeitar os próprios limites e, consequentemente, os limites do outro, é pelo modo como enxergamos a infância que a transformação começa.

3 livros para aprender sobre educação positiva

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