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Por que a menstruação ainda é um tabu em pleno 2017?

Até quando vamos ter que esconder o absorvente ao caminhar até o banheiro mais próximo?

Por Giovana Feix
Atualizado em 17 jan 2020, 17h36 - Publicado em 25 ago 2017, 14h41

Durante os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, a nadadora chinesa Fu Yuanhui impressionou o mundo inteiro por admitir publicamente, depois de ter ido mal em uma prova, que seu ciclo menstrual havia influenciado a performance no esporte. “Eu fiquei menstruada ontem à noite, e estou me sentindo bastante fraca e cansada”, ela disse na ocasião. O episódio gerou grande furor.

Durante a sexta-série, em um colégio de São Paulo, depois de abrir a bolsa de Mariana*, um garoto começou a zombá-la pelo que encontrou lá dentro: um absorvente. “Eu fiquei muito chateada, até que um amigo meu disse: ‘Se eu fosse você, ficava em pé na cadeira e falava, Gente, eu menstruo! Eu sou normal!‘”, relembra a jovem.

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Histórias como estas duas não são (nem de longe) incomuns – e para muita gente, a menstruacão segue sendo, em pleno 2017, motivo de piada ou de constrangimento. Por que será?

“A menstruação não é natural”

Muito além de engraçadinho, o fenômeno também é considerado algo estranho, fora do comum – e não só na cultura ocidental. “A literatura antropológica sugere que interdições e marcações sobre a menstruação são presentes em todas as experiências sociais conhecidas”, explica Daniela Tonelli Manica, professora de antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de “Menstruação e Corpo Feminino: uma discussão sobre alguns dos embates entre natureza e cultura”.

Famoso na década de 1990, o médico baiano Elsimar Coutinho já chegou a declarar que a menstruação não é nem ao menos um processo natural. Com seu livro “Menstruação, a Sangria Inútil”, ele defende que este fenômeno deveria ser, inclusive, abolido por completo da vida das mulheres, através do uso contínuo de pílulas anticoncepcionais. Segundo ele, isso previniria doenças como a endometriose e o câncer de mama – além de evitar as outras chateações que a tal “sangria” pode vir a causar.

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“A natureza faz a mulher ovular todos os meses para engravidar”, disse Elsimar em entrevista à Revista Superinteressante. “Quando ela menstrua, não está cumprindo o objetivo da natureza, que é ter um filho atrás do outro”.

“Essa tese sempre foi bastante controversa, inclusive entre médicos”, esclarece Daniela, que já analisou o trabalho do médico baiano no artigo “A Desnaturalização da Menstruação: hormônios contraceptivos e tecnociência“.

A professora explica, no entanto, que este argumento foi ganhando cada vez mais força – e acabou levando laboratórios farmacêuticos a começar a vender, entre o fim dos anos 1990 e o começo dos 2000, a ideia de que suprimir a menstruação seria algo libertador para as mulheres.

Mas será que ela é tão desprezível assim?

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Sangue bom – só que ao contrário

Toda mulher provavelmente já ouviu pelo menos alguma dessas “dicas” por aí.

Quando estamos menstruadas, não podemos:

  • Lavar o cabelo
  • Andar descalça ou “tomar friagem”
  • Passar remédio em ferimentos alheios – porque vai inflamar
  • Tocar na massa do pão – porque vai estragar
  • Segurar uma criança – porque senão ela não vai dormir à noite
  • Comer pimenta
  • Ferver leite – porque vai azedar
  • Comer canela
  • Andar de bicicleta

De acordo com Bárbara Murayama, ginecologista e coodernadora da Clínica da Mulher do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, todas estas crenças são falsas. “Durante o período pré-menstrual, o ideal é manter nossa rotina de exercícios físicos”, ela explica. Andar de bicicleta, portanto, seria na verdade uma ótima ideia!

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Mas então por que será que ouvimos esse tipo de conselho tantas vezes? “Talvez porque antigamente consideravam a mulher menstruada mais frágil e, para preservá-la, a afastavam de afazeres domésticos neste período”, sugere Bárbara.

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Algumas destas crenças, no entanto, deixam clara uma visão quase “tóxica” deste período – por que tocar na massa do pão, por exemplo, faria com que ela estragasse?

De acordo com Daniela, a menstruação é interpretada de forma semelhante a fluidos e substâncias corporais como as fezes, a urina e outros tipos de secreção. Ela explica que, a partir do século 20, tanto nas cidades quanto nos corpos estas substâncias começam a ficar mais escondidas – e a causar aversão. No caso específico da menstruação, no entanto, há ainda um fator agravante: o fato de ela estar relacionada ao corpo de uma mulher.

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“São corpos com útero que menstruam, e estes corpos não se enquadram no modelo universal do ser humano – que é o corpo masculino”, explica a antropóloga. “Portanto, a marcação da menstruação como um tipo de fluido corporal ‘estranho’ (porque é ‘feminino’) amplia o seu ‘perigo’, o nojo, a abjeção que a ele é atribuída”.

O termo “chico”, por exemplo, pode fazer uma forma fofa de nos referirmos a estes dias – mas, se sua origem for analisada, acaba se tornando mais uma prova do quanto este nojo da menstruação é real. De acordo com a Revista Superinteressante, “Chico”, em português de Portugal, é sinônimo de “porco” – é daí que vem, por exemplo, a palavra “chiqueiro”. Já dá para entender, infelizmente, a relação, não é?

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A chegada das redes sociais – e do “copinho”

Com as redes sociais e a mais recente onda do feminismo, no entanto, este cenário começou a mudar. Um dos maiores protagonistas desta movimentação é o “copinho”, o coletor menstrual.

De acordo com o Nexo, este apetrecho já existe desde a década de 1930 – e o fato de só ter se popularizado nos últimos tempos tem tudo a ver com o feminismo.

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Em entrevista ao jornal, Ana Flávia Pires Luca D’Oliveira, professora de medicina preventiva da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em violência de gênero e saúde da mulher, explica que, de início, o coletor foi proibido justamente porque envolvia a manipulação do corpo da mulher.

Além disso, para Daniela, a popularização atual do coletor também tem a ver com a forma como usamos a internet hoje em dia.

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“A amplitude e simultaneidade dessas experiências com a menstruação são potencializadas pela internet”, explica a antropóloga, “no sentido em que não somente várias mulheres aprendem sobre a existência e formas de uso do coletor menstrual, como também passam a compartilhar essas experiências por essa via de comunicação”.

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thank you @instagram for providing me with the exact response my work was created to critique. you deleted a photo of a woman who is fully covered and menstruating stating that it goes against community guidelines when your guidelines outline that it is nothing but acceptable. the girl is fully clothed. the photo is mine. it is not attacking a certain group. nor is it spam. and because it does not break those guidelines i will repost it again. i will not apologize for not feeding the ego and pride of misogynist society that will have my body in an underwear but not be okay with a small leak. when your pages are filled with countless photos/accounts where women (so many who are underage) are objectified. pornified. and treated less than human. thank you. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀⠀ ⠀ this image is a part of my photoseries project for my visual rhetoric course. you can view the full series at rupikaur.com the photos were shot by myself and @prabhkaur1 ⠀⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀ i bleed each month to help make humankind a possibility. my womb is home to the divine. a source of life for our species. whether i choose to create or not. but very few times it is seen that way. in older civilizations this blood was considered holy. in some it still is. but a majority of people. societies. and communities shun this natural process. some are more comfortable with the pornification of women. the sexualization of women. the violence and degradation of women than this. they cannot be bothered to express their disgust about all that. but will be angered and bothered by this. we menstruate and they see it as dirty. attention seeking. sick. a burden. as if this process is less natural than breathing. as if it is not a bridge between this universe and the last. as if this process is not love. labour. life. selfless and strikingly beautiful.

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É também nas redes sociais que artistas como a poeta Rupi Kaur têm divulgado o trabalho (e as provocações) que fazem com a menstruação. Rupi, inclusive, teve uma foto sua com um pequeno vazamento menstrual censurada do Instagram em 2015. Mais adiante, porém, o aplicativo voltou atrás e devolveu a foto ao perfil da jovem.

“Acho interessante politicamente, porque é um movimento no sentido contrário daquele da abjeção e inferiorização do corpo feminino”, opina Daniela. “Que busca valorizá-lo em sua visceralidade, como uma experiência efetivamente vivida”.

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