Crises existem para serem superadas
Quando o pessimismo vira uma onda grande demais em nossas vidas é preciso contê-lo. Histórias inspiradoras são um dos mais potentes remédios contra esse sentimento
Não sou economista, apenas filha de um. Não me especializei em jornalismo econômico. Só sei que alguns índices sobre a saúde do nosso bolso não estão nada salutares porque acompanho o noticiário. E sei da minha vida: tá cara. Ando tensa sobre como a minha conta vai chegar até o fim do ano. Mas o pior, na verdade o muito pior para mim – pior até do que o medo de ver a conta secar –, é o pessimismo.
E esse parece que se instalou oficialmente em todas as conversas, de todas as mesas, de todos os botecos, de todas as cidades desse Brasil. Virou mantra: “com essa crise”, “por causa da crise”, “nunca vi o país desse jeito”. Essa última frase ouvi algumas vezes e foi ela, a mais pessimista de todas as observações sobre o momento, que me fez, como diz uma amiga, “colocar a cabeça para fora do buraco e respirar”.
Se não entendo de economês, de uma coisa eu sei: tenho tempo suficiente de vida para perceber que, sim, já estivemos pior. Inflação de 80% ao mês, taxa de desemprego em 25% ao ano, ditadura militar etc. E, para coroar, em 1998 fomos literalmente à falência, pois não havia reservas para o país pagar suas dívidas no exterior – atualmente nossa “poupança” está na casa dos 385 bilhões de dólares. “Isso nos deixa menos vulneráveis, minha filha”, disse meu pai, numa tentativa didática de sofisticar minha noção de economia e ao mesmo tempo frear a ansiedade causada pelo novo mantra nacional.
Hoje, vivemos numa democracia (o que, entre outras inúmeras coisas melhores do que numa ditadura, me permite escrever esse texto e você lê-lo); o desemprego está em 8% (aumento significativo em relação ao ano passado, quando chegamos a 5%), a previsão de inflação até o fim do ano é de 9% (mais alta do que a taxa também de 5%, atingida há não muito tempo).
Então a conclusão que posso chegar é: sim, já estivemos melhores, mas também já fomos bem piores. O fato de já termos tido melhor desempenho em dois indicadores econômicos fundamentais é mais do que suficiente para nos preocuparmos. É mais do que suficiente para cobrarmos veementemente o governo. Mas para cobrar é preciso saber o que cobrar – e se não sabemos o tamanho do problema, não sabemos o que exigir para solucioná-lo.
De que adianta criarmos uma histeria coletiva fazendo do Brasil um lugar onde o pessimismo leva todo mundo para o mesmo buraco do medo? Repetir frases como “o país nunca esteve tão mal” além de não ajudar, atrapalha. Primeiro porque não é verdade. Segundo porque você está passando pra frente uma informação errada que, acredite, se propaga. Assim nascem os boatos e as especulações que repercutem nas pequenas e grandes ações de milhões de pessoas.
Há um tempo circulou na internet uma tímida campanha pela responsabilidade sobre a informação. Dizia: “Não seja um propagador de mentiras, antes de compartilhar algo, pesquise, leia, informe-se”. Isso vale para o mundo online e offline. Não sejamos propagadores de mentiras, não sejamos disseminadores de pessimismo. Uma crise pede coragem e não o contrário.
Para terminar esse pequeno manifesto pelo otimismo, vou recorrer à técnica que uso quando sinto pontadas de pessimismo e de derrotismo: histórias inspiradoras. Real ou de ficção, uma boa história tem metáforas poderosas e um incrível poder restaurador. Aqui listo quatro das heroínas que conheci nas telas ou nos livros. Elas já me ajudaram muito. Que inspirem a você também.
Scarlett O´Hara
Personagem do romance Gone With Wind, escrito em 1936 por Margaret Mitchell, foi levado ao cinema em 1939 com Vivien Leigh no papel da heroína. No início da história, Scarlett é a típica menina mimada do sul dos Estados unidos do século 19 – bonita, rica e caprichosa. Sua única preocupação é conquistar o vizinho. No decorrer do livro, a vida dela muda quando o aristocrático universo ao qual pertencia desmorona devido à guerra civil. Surpreendentemente, Scarlett usa as dificuldades a seu favor. Após passar fome, ela volta ao seu meio como uma próspera comerciante – sem pudores em fazer dinheiro com as mesmas pessoas que a deixaram na miséria – e assume o papel de provedora tanto da família quanto dos amigos. A menininha mimada virou uma mulher poderosa e, aos olhos daquela época, muito feminista.
Virginia Johnson
Imagina falar de sexo nos anos 50? Pois imagine pior: usar o sexo como objeto de estudo nos anos 50. No início daquela década, aos 30 anos, Virginia Johnson já quebrara alguns tabus: era mãe divorciada e trabalhava fora para sustentar os filhos. Mas, apesar dos códigos sociais da época, ela queria bem mais: estudar. Essa era sua grande ambição. Assim, foi em busca de um trabalho no hospital de St. Louis, onde conseguiu a vaga de assistente do Dr. William Masters, importante obstetra da época. Confiante e interessada, ela se tornou assistente dele nos estudos sobre sexualidade humana. A importância de Virginia na condução da pesquisa foi tão grande que eles publicaram vários livros juntos e tornaram-se pioneiros nessa área. Derrubaram inclusive mitos sobre o comportamento sexual feminino, que até então tinham a chancela de pensadores como Freud. Virgínia morreu em 2013. A vida da dupla é retratada no ótimo Masters of Sex, da HBO.
Samantha
A personagem do filme de Spike Jonze é na verdade apenas uma voz. Samantha é um dos sistemas operacionais criados para se relacionar com pessoas reais no âmbito que eles desejarem: companhia, amizade, namoro, sexo… Com o tempo, no entanto, ela vai se tornando muito mais que isso. Ao se relacionar com o personagem de Joaquin Phoenix, que a “adquire” numa loja online especializada, Samantha de algum jeito expande a consciência e capta o significado de emoções que, até então, pareciam exclusivos dos humanos. Amor, compaixão, ciúme, generosidade e, talvez mais importante, individualidade. Ela começa a se relacionar com outros sistemas, aprende com eles, torna-se curiosa pelo mundo e descobre ser capaz de se apaixonar por muitas “personalidades”, já que cada uma delas a completa de forma de diferente.
Alice
A Alice do filme de Tim Burton (2010) protagoniza uma jornada sobre crescer e aparecer na própria vida. No início do filme, a moça está num momento crucial para uma mulher de sua época – a segunda metade do século 19: o casamento (com um pretendente que nada tem a ver com ela). O destino a faz chegar ao tal País das Maravilhas e é aí que tem início uma grande viagem, durante a qual ela é perseguida pelos inimigos por ser a Alice e acusada pelos amigos de não ser a Alice. Num determinado momento, chega até a ser chamada de “quase Alice”. A verdade é que ela nunca cabe nas expectativas alheias. Então algo realmente maravilhoso acontece: Alice descobre o fio da própria meada. Decide não se casar ao mesmo tempo em que consegue um trabalho – ou seja, em vez de ceder a um casamento forçado, ela conquista um trabalho que a faz feliz.