A violência contra mulher é física e social
Com diferentes realidades sociais, mulheres se reuniram em São Paulo neste domingo (8) para debater as opressões sofridas
“Se pudesse trocaria a frase ‘Feliz Dia da Mulher’ por ‘Fala, mulher’”, disse a psicóloga Patrícia Maria Martins, coordenadora Sidewalk Talk Conversas na Calçada, no final da roda de conversa Conhecendo Realidades de Mulheres da Reciclagem e das Artes, que aconteceu neste domingo (8) na Praça Roosevelt, em São Paulo.
Unindo os pilares de valorizar quem trabalha nas ruas com reciclagem e faz arte nesses espaços públicos, os movimentos Sidewalk Talk e Pimp My Carroça e a agência Sherlock Communications convidaram uma profissional da reciclagem e uma grafiteira para compartilhar suas experiências com outras mulheres.
“Ano passado, fizemos uma pesquisa para entender quem estávamos acessando. Com os resultados, confirmamos que as mulheres catadoras não eram tão acolhidas dentro desse mercado. Elas são maioria nas cooperativas, mas na rua não. Para entender como podemos contribuir, convidamos as profissionais para esse projeto de escuta”, explica a produtora cultural Beatriz Mansano, da Pimp My Carroça.
Há 12 anos trabalhando na rua com o processo de separação do lixo, Dilma Araújo afirma que a rotina profissional é mais segura ao lado do marido, com quem compartilha as responsabilidades dentro de casa. “Mulher não é escrava e sempre fiz questão de deixar isso com meu companheiro”, comenta.
Para a grafiteira Ana Carla, o dia a dia na rua sozinha também é perigoso. “Não me sinto segura, por isso não trabalho sozinha. O que mais sinto medo é da abordagem agressiva que recebo enquanto faço a minha arte. Com homens, acontece bem menos”, desabafa a artista, que também é líder comunitária. A violência policial é o maior medo, segundo Ana.
“Sei que mulheres de todas as classes sociais sofrem violência, mas na periferia é ainda pior”, afirma. A ativista relembra que ao sofrer abusos domésticos as vítimas não são amparadas pelas pessoas que estão ao seu redor, dificultando a decisão de registrar as denúncias.
Segundo a juíza Flávia Martins de Carvalho, que participou do evento, o tempo da pena para casos de ameaças e lesões corporais é pequeno. No caso da ameaça, o agressor pode ficar de 1 a 6 meses em detenção. Já lesão corporal, a pena varia de 3 meses a 3 anos. Em ambos as acusações, quando o acusado é réu primário, geralmente ele é condenado pelo tempo mínimo. Para os crimes de femicídio, o tempo de reclusão varia de 12 a 30 anos.
A detenção é uma sanção que o agressor terá. Porém, a juíza reforça a importância de uma mudança estrutural para solucionar problemas de violência doméstica. “Não é execrá-lo, precisa de uma rede de apoio para conscientizá-lo também”, aponta. Da mesma maneira que a vítima também deve ter um suporte em todas as esferas sociais para garantir a sua segurança e retomada de vida.
Outro ponto levantado pelas participantes foi a maternidade. Dilma procura levar os filhos para o trabalho às vezes no intuito de mostrar a realidade da família para eles. Já Ana falou da responsabilidade de criar um filho que não reproduza o machismo. “Pra mim, é muito difícil educar um menino na sociedade atual. A todo momento alguém quer interferir, reforçando pensamentos sexistas”, explica a grafiteira.
E a não vivência da maternidade também é uma das formas que a sociedade encontra para oprimir as mulheres. Realizada profissionalmente, Flavia compartilhou no evento que as conquistas femininas constantemente são questionadas. “Embora seja juíza, isso não me tira de uma sociedade que espera que eu seja mãe e esposa para ser feliz”, lamenta.
Entre um depoimento e outro, a palavra culpa foi repetida algumas vezes, permitindo uma reflexão sobre o que é ou não responsabilidade da mulher. Em relações heterossexuais, o companheiro realizar tarefas domésticas não deve ser entendido como ajuda, mas sim uma obrigação, segundo as participantes. “A gente coexiste no mesmo ambiente, por isso não tem um que seja mais responsável do que o outro”, finalizou Patrícia.
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