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Diretora transforma escola de Manaus e vence Prêmio Educador Nota 10

Confira como Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos, diretora de uma escola em Manaus, conseguiu deixar o ensino bem mais inclusivo

Por Esmeralda Santos
Atualizado em 22 out 2020, 13h20 - Publicado em 13 set 2020, 10h00

Em São José de Mipibu, no Rio Grande do Norte, uma jovem menina começava a estudar e, a partir da literatura, começou a alfabetizar as crianças e adolescentes do seu entorno.

“Minha mãe não queria que eu estudasse porque ela achava que era perda de tempo. Ela achava que se eu estudasse ia atrapalhar os serviços da casa. Combinei com ela que eu acordaria de madrugada para fazer comida para os meus irmãos levarem para o canavial”, conta Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos, 54 anos, que é diretora da escola EM. Profº. Waldir Garcia, em Manaus.

O seu desejo de estudar convenceu sua mãe, e sua matrícula na escola foi feita por uma professora. “Naquela época professores não tinham faculdade, mas eu sonhava mesmo sendo muito distante pra mim. Eu queria uma vida diferente da que os meus irmãos levavam. Quem me levou a sonhar foram as leituras, me faziam viajar em países, lugares e profissões. Fui sonhando e me encantando em me formar, ser professora”, conta.

O ímpeto transformador se apropriava dela cada dia e ficou mais evidente quando Lúcia encarou a realidade das escolas públicas de Manaus. A tradição educacional ultrapassada a fez perceber no quão excludente uma escola pode se transformar.

“Quando eles não conseguem acompanhar os estudos, ficam desanimados e assim, são reprovados. Com isso, a autoestima cai, eles se sentem incapazes e não avançam nos estudos. É por causa das desigualdades sociais que isso acontece”, explica a diretora.

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Um dos principais desafios da diretora é justamente competir com o que a “rua” oferece para as crianças. A escola com um ensino rígido e, por vezes excludente, pode empurrar essas crianças para outros em espaços em busca de sustento rápido para casa. “O cenário em que eu estou tem um tráfico intenso de drogas, e as crianças se envolvem com a promessa de dinheiro fácil, acreditam que não precisam estudar pra mudar de vida”, conta Lúcia.

A falta de incentivo dos pais também é um obstáculo, já que a dificuldade financeira encarada por eles os impede de enxergar a escola como um objetivo para os seus filhos. “A escola é excludente, se o jovem passa a madrugada na rua guardando carro, vendendo droga, quando vai para aula de manhã atrasado e não estiver uniformizado ele volta, se cochilar na aula é colocado pra fora, às vezes o suspendem”, explica. “ O ensino tradicional não vê essas diferenças, não oferece oportunidade para que o aluno aprenda, não conhece suas experiências, seus saberes de território”.

A diferença da rua e da escola é notada pelas crianças. Enquanto o ensino tradicional oferece um sistema em que o aluno tem horário de entrada e saída, precisa estar uniformizado e seguir alguns padrões, na rua ele tem total liberdade para fazer o que quiser. “Temos hoje uma escola do século 19, professores do século 20 e alunos do século 21, e a escola conteudista não é contemporânea, é meritocrática, seletiva, não é a cara do aluno, então ele sai. Daí vem a evasão tão grande”, diz a diretora.

Transformando o tradicional em algo inovador

Na região da escola onde ela atua, as crianças moram em casa de palafitas e quando o rio sobe, sofrem com enchentes. Quando a água baixa, precisam lidar com a seca e incêndios. “A criança não tem segurança, saúde, e passa fome. Além disso, tenho crianças com deficiências, estrangeiras e de faixas etárias mais altas. Essas escolas tradicionais se fecham para elas”, conta Lúcia.

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Ela então percebeu que, em um cenário com alto nível de desigualdade social, ela não teria bons resultados em suas escolas. A mudança precisaria começar por ela. “A disciplina era rígida na escola, então eu tive que me transformar primeiro, precisava desconstruir essa Lúcia ditadora, com essa escola tradicional inflexível, que reprovava, transferia seus alunos, que fechava a escola pra eles”.

(Foto: Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos/Arquivo pessoal)

Não satisfeita com o cenário que encarava, ela começou uma intensa pesquisa e leitura de novos métodos de ensino. “Eu e mais 22 professores fomos até São Paulo para conhecer escolas que já utilizam métodos inovadores. Quando vi tudo isso em São Paulo, vi que tinha uma educação diferente, e eu me encantei porque eu sonhava em fazer algo bom para ajudar aquelas pessoas. Eu queria que meus alunos percebessem que a educação faria a diferença na vida deles”, explica Lúcia.

Tudo o que antes era um problema se tornou oportunidade para a diretora e os docentes da escola. Parcerias com os comércios e hospitais foram feitas e os pais dos alunos foram mais envolvidos no ensino. Uma assembleia foi criada pela diretora, onde os alunos pautavam os problemas que estavam enfrentando, e debatiam as soluções.

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Uma horta foi criada pelos alunos, e também é cuidada por eles. As crianças também têm as aulas ministradas fora dos espaços da escola, como parques, praças e na beira do rio. “

A horta foi construída pelos alunos e também é cuidada por eles (Foto: Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos/Arquivo pessoal)

“Criamos roteiros de estudos para trabalhar de forma personalizada e individual, respeitando o ritmo e tempo de cada criança. Em uma sala existem vários roteiros, e vimos a necessidade de cada aluno ter seu tutor, que são funcionários e pessoas da comunidade que se dispõem a irem na escola uma vez por semana para acompanhar a criança, conhecer seus problemas e a frequência”.

O ensino agora democrático criado pela diretora tem o objetivo de colocar o aluno como personagem central, e isso só poderia acontecer se eles fossem de fato ouvidos, e os docentes entendessem suas necessidades. “O aluno consegue se abrir e criar relações de confiança, vínculos afetivos quando esses espaços de fala são criados”, afirma ela.

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Além das aulas comuns, os alunos contam com oficinas de dança e música (Foto: Lúcia Cristina Cortez de Barros Santos/Arquivo pessoal)

Um projeto de vida também foi criado para cada um dos alunos. Em um diário eles escrevem seus objetivos, o que gostam e o que não gostam, seus planos para o futuro e o que precisam fazer para realizá-los, a fim de mostrar a eles que a educação é o caminho.

“Já recebemos vários relatos através das redes sociais de ex-alunos dizendo como a escola fez a diferença na vida deles, que os professores foram agentes transformadores em suas vidas”, revela Lúcia.  Além de toda mudança promovida na escola, o currículo escolar também é mais diversificado e inclui aulas de dança, literatura, teatro, iniciação científica, tecnologia e língua inglesa.

“O projeto reacendeu essa esperança que eu tinha quando menina, de acreditar nessa transformação, que é possível mudar a escola e transformar vidas. Não podemos deixar de lutar, fazer diferente e acreditar. Tenho orgulho de ser professora de dizer minhas origens, de onde eu vim, porque eu sei pra onde eu vou”, conta ela, emocionada.

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A mudança foi reconhecida pelo Prêmio Educador Nota 10, a maior e mais importante premiação da educação básica brasileira, que visa reconhecer o trabalho dos educadores, e Lúcia ficou entre os 10 vencedores. “A educação não muda o mundo, muda as pessoas. As pessoas mudam o mundo. Queremos que os alunos percebam que são um agente de transformação. Se queremos uma sociedade diferente, precisamos fazer diferente”, argumenta a diretora.

Conversando sobre notícias ruins com as crianças

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