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Você conhece Adele, a mulher que é considerada a Mona Lisa do século 20?

Aos 82 anos, Maria Altman decidiu acertar a última conta pendente com o seu passado: recuperar o quadro "Retrato de Adele Bloch-Bauer I", de Gustav Klimt, roubado de sua família

Por Ludmila Vilar (colunista)
Atualizado em 21 jan 2020, 19h39 - Publicado em 20 ago 2015, 13h42
Divulgação (/)
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“Por que você não deixa o passado no passado”?, perguntou um rapaz um tanto raivoso. Quando ouviu essa pergunta, Maria Altman ficou quieta e perplexa. Ela estava lutando para ter reconhecido o passado que lhe fora roubado em todos os sentidos, o literal e o existencial. Há algumas maneiras de lidar com o tempo que passou quando ele envolve uma tragédia; alguns simplesmente enterram, no sentido de “fingir” que nada aconteceu; outros podem obcecar, ficarem apegados a ponto de não conseguir viver o presente; e tem quem consiga superar, o que nesse caso significa enfrentar, transformar e seguir em frente. Acredito que Maria encaixe-se no terceiro grupo.   

A vida dela foi dilacerada pelos nazistas e depois recuperada por ela própria: Maria e o marido Fritz Altman conseguiram escapar da Áustria e chegar aos Estados Unidos, onde tiveram quatro filhos e, ao que tudo indica, uma trajetória feliz e próspera. Mas aos 82 anos ela decidiu acertar a última conta pendente com o seu passado: recuperar o quadro “Retrato de Adele Bloch- Bauer I”, pintado por Gustav Klimt e roubado de sua família, junto com muitas outras coisas, pelos soldados de Hitler.

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A história está no cinema em A Dama Dourada (o filme de 2015 é baseado no livro A Dama Dourada – Retrato de Adele Bloch-Bauer), com a excelente Helen Mirren, no papel de Maria, e Ryan Reynolds na pele do advogado que a defende nessa batalha. Acho a presença de Helen num filme motivo suficiente para assisti-lo. Nesse caso, então, são dois motivos: além de Helen, é daqueles enredos que vale conhecer. Pela grandiosidade dos eventos e também pela resiliência inspiradora da personagem, que parece conseguir exercer com seu passado brutal o equilíbrio desumano que ele exige de seu sobrevivente.

Adele Bloch-Bauer casou-se com o tio de Maria, Ferdinand Bloch-Bauer, aos 18 anos. Ele era um industrial judeu do ramo do açúcar, quase vinte anos mais velho do que ela, uma moça também vinda de família rica. Embora não tenha tido educação formal – na época isso era raro para uma mulher – Adele estudou línguas e literatura por iniciativa própria. A atmosfera da Viena do fim do século 19 era instigante para isso: a cidade fervia com a presença de artistas e intelectuais, como o compositor Gustav Mahler, o psicanalista Sigmund Freud e Klimt, autor do retrato dela.
 
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A residência do casal era um ponto de encontro para a elite cultural e financeira da cidade austríaca. Amante das artes, Ferdinand encomendou a pintura em 1903, mas ela só ficou pronta em 1907. Claro que surgiram rumores, nunca confirmados, de que o pintor e Adele tiveram um caso. Em 1912, o artista fez o segundo quadro dela – Retrato de Adele Bloch-Bauer II – o que só reforçou a fofoca: ele jamais pintou a mesma mulher duas vezes, com exceção de Adele.

Klimt morreu em 1918, aos 55 anos, solteiro e pai de 14 filhos. Nunca se casou, mas teve muitas musas e amantes. “Ele foi um hippie original”, disse Janis Sataggs ao New York Post, em reportagem sobre a mostra Gustav Klimt and Adele Bloch-Bauer: The Woman in Gold, que segue em cartaz até 7 de setembro na Neue Gallery, em Nova York, e da qual ela foi curadora. “Acho pouco provável que tenha havido um romance. Seria uma ótima história, mas eles vinham de classes sociais muito diferentes”.

(Embora a história seja famosa, daqui para frente você pode considerar esse texto spoiler)

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Adele morreu oito anos depois de Klimt. Ela tinha 43 anos e foi consumida por uma meningite. Em seu testamento deixou todas as obras de arte para o marido enquanto ele estivesse vivo – depois elas seriam expostas na Galeria Austríaca Belvedere, museu administrado pelo governo do país. Ela não podia imaginar o que aconteceria depois. Ferdinand morreu em 1945, ano em que a Segunda Guerra acabou, e fez um testamento deixando as obras para Maria. Naquelas duas décadas após morte de Adele a Europa tinha construído um mundo de horror. Para seu marido, não fazia sentido manter o testamento dela.

De alguma maneira o governo austríaco achou caminhos para desconsiderar o testamento de Ferdinand. Em 1998, Maria iniciou o processo para reaver a obra. Em vários momentos, ela pensou em desistir. Adele havia se tornado importante demais na Áustria para arrancá-la de lá – e o governo austríaco não demonstrava vontade de chegar a um acordo. A batalha só terminou em 2006, quando Maria conseguiu reaver o quadro e o levou para os Estados Unidos (hoje ele está em exposição permanente na Neue Gallery).

 Com a venda ela arrecadou 135 milhões de dólares, um dos maiores montantes já pagos por uma obra de arte, posteriormente distribuídos em doações. Maria morreu em 2011, aos 94 anos. Sua briga não foi por vingança, nem por dinheiro. O roubo do retrato de Adele dizia não só sobre o destino da família Bloch-Bauer como de milhares de pessoas que sofreram com a barbaridade nazista. Se um passado ruim tem o seu devido lugar, merece também seu devido respeito. Ignorá-lo é insistir no risco de repeti-lo. 

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