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Marianne Peretti: a artista por trás dos icônicos vitrais de Brasília

Ela desenhou os vitrais da Catedral de Brasília e tem obras espalhadas por diversos prédios emblemáticos da capital.

Por Júlia Warken, thiagoabril, Guta Nascimento
Atualizado em 7 Maio 2020, 15h17 - Publicado em 21 abr 2020, 10h00
Os vitrais da Catedral de Brasília e Marianne Peretti em uma fotografia dos anos 1980 (Renato Araujo/Agência Brasília/Isabella Peretti/Arquivo pessoal)
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Quem conhece Brasília certamente já contemplou alguma obra de Marianne Peretti, mas muita gente não conhece seu legado. Ela é a artista responsável pelos mais icônicos vitrais da cidade – incluindo os da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, a Catedral de Brasília. Esse é maior trabalho de sua carreira, mas Marianne também assinou obras importantes do Congresso Nacional e de outros importantes prédios da Capital.

A artista nasceu em Paris, no dia 13 de dezembro de 1927. Lá estudou na Académie de la Grande Chaumière, escola por onde passaram artistas como Modigliani e Picasso. Veio ao Brasil pela primeira vez durante a adolescência, mas só passou a morar aqui nos anos 1950. No início, trabalhava como pintora e morou em São Paulo e no Rio de Janeiro durante muitos anos. Foi no Brasil que se apaixonou pelos vitrais. Atualmente, aos 92 anos, ela vive em Olinda, Pernambuco.

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Marianne aos 92 anos, em Olinda, onde mora há mais de duas décadas (Isabella Peretti/Arquivo pessoal)

Marianne concedeu entrevista a CLAUDIA por intermédio de sua filha, Isabella Peretti, e nos contou um pouco a respeito dos desafios e das alegrias que Brasília lhe trouxe. Fundada em 21 de abril de 1960, a capital encantou a artista já em seus primeiros anos de existência.

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Em 1963, Marianne visitou amigos que moravam na cidade e ficou fascinada pelas obras de Oscar Niemeyer. “Fui eu que tive a vontade de conhecer o Oscar Niemeyer. Fui vê-lo no Rio de Janeiro e mostrei meu entusiasmo frente ao trabalho dele. Oscar me deu uma enorme folha de papel e pediu que eu desenhasse um painel”, recorda. Esse viria a ser o pontapé inicial da parceria entre a artista e o arquiteto.

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Detalhe do painel “Araguaia”, uma das primeiras obras de Marianne em Brasília (Lúcio Bernardo Jr/Agência Brasília/Reprodução)

Em Brasília, Marianne começou a trabalhar no final dos anos 1970. Sua primeira grande obra na capital foi um painel escultural de vidro, destinado à sala de visitas do Palácio do Jaburu, a residência oficial do vice-presidente. Logo depois, começou a fazer painéis para o Congresso Nacional. “Os meus painéis eram novidade. Oscar gostou muito, pois eles não fechavam o espaço e deixavam passar luz, o que é ótimo na arquitetura”.

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No Congresso, a obra “Alumbramento” está hoje exposta na entrada principal, enquanto a “Araguaia” fica no hall. No Salão Nobre da Câmara de Deputados está o painel “Pasiphae”. O vitral da da capela da Câmara também é de sua autoria.

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“Alumbramento” é mais um dos painéis feitos para o Congresso Nacional (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Na sequência, coube a Marianne fazer um painel para o Memorial JK. Trata-se de uma obra suspensa sobre o túmulo de Jucelino Kubitschek, feita em vidro vermelho, laranja e roxo. Também levam sua a faixada do Supremo Tribunal de Justiça e a obra “A Mão de Deus”, que fica no Pleno do STJ. Outro trabalho importante da artista é a escultura “O Pássaro”, exposta no hall do Teatro Nacional Cláudio Santoro – feita de bronze polido, ela tem cerca de 800 quilos.

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Antes de encarar o desafio da Catedral, Marianne fez o vitral da capela do Jaburu e outro para o Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves. Esse último foi bastante trabalhoso, pelas dimensões e por estar numa faixada diagonal. “Logo que o vitral do Panteão acabou, Oscar falou sobre a possibilidade de eu fazer o vitral da catedral”.

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O vitral do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves (Renato Araujo/Agência Brasília/Reprodução)

Antes disso, no entanto, uma característica importante da catedral já havia sido modificada por causa de Marianne. Anteriormente, a construção era marrom – “com grandes lágrimas de ferrugem”, segundo a artista – e tinha vitrais também amarronzados. Ela sugeriu que Oscar pintasse as colunas de branco, a fim de valorizar os vitrais já existentes. “Ele gostou tanto dessa ideia que mandou pintar também o interior. A catedral ficou maior, mais clara, mais alegre e dinâmica”, recorda.

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Logo após, a artista deu outra ideia: a de colocar vidros transparentes para valorizar o céu de Brasília. Niemeyer não gostou dessa sugestão, mas convidou Marianne para desenhar novos vitrais. “Entrar nesse projeto era como se jogar no mar, num mar imenso. O trabalho era enorme, 16 vitrais de 30 metros de altura com base de 10 metros. Não havia dinheiro e as importações dos vidros estavam proibidas. Além disso, era uma enorme responsabilidade diante do mundo”. Ao todo, a catedral tem 2.240 metros quadrados.

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Por influência de Marianne, Niemeyer mandou pintar a catedral de branco e, mais tarde, ele a convidou para criar novos vitrais (Francisco Aragao/Getty Images)

Esse foi o maior desafio da carreira de Marianne e levou três anos para que a obra ficasse pronta – de 1986 a 1989. Ela precisou desenhar o projeto em tamanho real e foi difícil achar um espaço físico para tanto. Por fim, o Ginásio Nilson Nelson foi disponibilizado para o trabalho. A artista precisava desenhar deitada sobre as folhas de papel e isso fez com que lesionasse as costas de maneira irrecuperável.

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Marianne foi a única artista mulher na equipe de Niemeyer, mas ela faz questão de citar sua maior colaboradora: a arquiteta e paisagista Aurora Gomes, que é prima de Burle Marx. As duas se conheceram através do marido de Aurora, o arquiteto Nilo Aragão, que já havia trabalhado com Marianne. Aurora foi o braço direito da artista durante a criação dos vitrais de Brasília e a ajudou tanto na parte administrativa quanto nos desenhos. As duas são melhores amigas até hoje.

Quando questionada a respeito do fato de ser a única mulher no time de Niemeyer, Marianne diz que isso não a incomodava e que jamais se sentiu diminuída. “Eu não pensava ‘sou a única mulher’. Os desafios eram os mesmos para todos. A construção de Brasília foi uma grande aventura”. Mesmo assim, segundo a filha Isabella, ela e a mãe dividem da opinião de que “o reconhecimento das mulheres artistas, em qualquer época, é mais difícil do que o reconhecimento dos homens”.

Catedral de Brasília
(Dircinha Welter/Getty Images)

Ao final, a maior obra de Marianne é também uma das mais emblemáticas de Brasília. É difícil imaginar a catedral sem os vitrais em verde e azul, que criam reflexos fluidos e ampliam a magnitude do espaço. Vê-lo finalmente pronto é recordação mais feliz que a artista tem dos anos em que se dedicou à capital.

Até hoje a artista tem um carinho pela cidade que ajudou a transformar em patrimônio cultural. Para além da singularidade arquitetônica e artística, ela sempre fala com carinho de outros aspectos de Brasília. “Minha mãe sempre gostou muito das árvores de lá. Plantaram milhares de árvores e, ao longo do tempo, elas cresceram e deixaram a cidade ainda mais bonita. E ela sempre diz que a luz do céu de Brasília é muito bela. Sempre falou que é lindo o quanto é possível ver o céu, diferente de outras cidades. É uma cidade ao ar livre, que dá uma sensação de liberdade”.

E o encantamento pelo céu do Planalto Central acabou por servir de inspiração para a obra prima de Marianne. De um jeito poético, ela resume a maneira como vê sua criação: “Nossa catedral tem no vitral o céu maravilhoso de Brasília sempre presente. As horizontais do vitral, as ondas, sublimam a paisagem celeste”.

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