‘Crimes do Futuro’: body horror faz uma crítica aos padrões de beleza
Longe de ser chocante sem motivo, Cronenberg traz uma reflexão sobre plásticas, evolução humana e arte
Está em exibição nos cinemas brasileiros, com sessões de pré-estreia, o novo filme do diretor David Cronenberg, Crimes of the Future. O longa chega oficialmente ao circuito dos cinemas na quinta-feira, dia 14. Estrelada por Viggo Mortensen, Léa Seydoux e Kristen Stewart, a produção é uma mistura de ficção-científica e terror, com boas críticas ao futuro na humanidade em relação às plásticas excessivas, até onde vamos pela beleza e ao que ingerimos.
Os mais criteriosos podem dizer que Crimes of the Future é uma reciclagem do cineasta canadense, pois ele apresenta um conglomerado de ideias de suas outras obras. O roteiro foi escrito há cerca de 20 anos enquanto ele produzia Crash: Estranhos Prazeres, que tem uma similaridade com a produção por se tratar da relação de prazer, beleza e máquinas.
Entretanto, isso não chega a ser um demérito, já que Cronenberg consegue trazer reflexões atuais. O filme, situado no futuro, discorre sobre uma humanidade onde é possível criar evoluções biológicas no corpo (natural e artificialmente), e comer derivados de plástico. As mutilações no corpo são a nova forma de ficar íntimo de alguém sexualmente falando.
Na trama, Saul (Viggo Mortensen) e Caprice (Léa Seydoux) são artistas performáticos que realizam cirurgias ao público para a retirada de tumores — gerados pelo corpo evoluído de um deles. O governo não vê com bons olhos essa produção de novos órgãos e os dois se tornam alvos de funcionários públicos, interpretados por Kristen Stewart e Don McKellar.
Neste contexto, as pessoas são inerentes a dor e doenças, o que se tornou um item prazeroso e estético. Trazendo isso para nossa realidade, nos deparamos com padrões de beleza cada dia mais inatingíveis que, de fato, estão no filme. Lacerações faciais são vistas como arte e tendência de moda, ou, outro exemplo, ter múltiplas orelhas.
Enquanto o sintético passa a ser nova tendência, entra em voga a relação entre arte, tecnologia e, até mesmo, o desejo. Será que, em algum momento, vamos nos tornar tão obcecados por nossos próprios corpos que a intimidade e o toque com outro ser humano se tornarão fora do comum? Essa é uma das discussões do filme de Cronenberg, onde a máquina é o que existe de mais próximo da humanidade.
Um concurso de beleza interior – onde pessoas capazes de gerarem órgãos competem para ver quem é o mais belo, literalmente, internamente. – também surge na trama. Essa sátira é a forma mais crua de debater sobre qual o limite das intervenções corporais e se é preciso ir tão longe em prol da arte — que se mostra como grande mote das alterações biológicas.
De fato, não chegamos nesse nível, mas a crítica nos é apresentada em sua forma mais exagerada e grotesca. Atualmente, é possível fazer praticamente tudo com cirurgias plásticas – desde modificar o nariz ou aumentar os seios, até criar um abdômen malhado. E, de certa forma, esses procedimentos mostram um tipo de “evolução” humana, pois quem se submete está em busca de uma melhoria na aparência imposta pelos padrões de beleza da sociedade.
David Cronenberg, que não dirigia um filme desde Mapas para as Estrelas, de 2014, pode não ter feito seu retorno mais impactante aos cinemas, mas consegue te fazer pensar sobre a nossa própria evolução. Com uma linguagem que pode não agradar muita gente, o cineasta traz um filme esteticamente bem feito e que choca o espectador.
Mesmo que ainda superficialmente, Crimes of the Future abre a mente para debates sobre liberdade artística, males causados pelo excesso de alimentos processados que ingerimos, beleza interior e a necessidade de mudar a aparência por pressão social. A produção já está em cartaz em alguns cinemas selecionados, com sessões de pré-estreias, como citamos acima, e chega oficialmente às salas de exibições a partir da quinta-feira, dia 14. Caso você queira ver em casa, o longa também estará disponível no streaming da MUBI no dia 29 de julho.