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Janamô, a artista que criou escapes culturais para o stress da pandemia

Para devolver ao mundo a força que encontrou para se manter sã e em pé durante o isolamento, a mineira lançou o programa Afrikafé com as Pretas

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
19 jan 2021, 18h00
A multiartista Janamô
A multiartista Janamô une sustentabilidade e ancestralidade como filosofia de vida (Márvila Araújo/CLAUDIA)
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“O brasileiro acorda, toma um café e lê uma notícia ruim”, dizia o tuíte que viralizou nas redes sociais, refletindo o desconforto coletivo e potencializado em 2020. A arte, que é não só profissão, mas motivação vital, foi a proteção de Janamô para essa enxurrada de problemas desencadeados pela pandemia e por desencontros internos.

“Passei muita dificuldade financeira, porque minha reserva de dinheiro me sustentou nos três primeiros meses; no quarto, eu já estava enlouquecida, uma vez que as contas não paravam de chegar. Ainda tinha as ações solidárias. Sou uma ativista, então, todo filho do mundo é um pouco filho meu. O ímpeto de ajudar e estar junto foi constante”, diz. Artista desde os 7 anos, a mineira é formada em circo, artes visuais, educação artística e música. “Ser multidisciplinar me ajudou no processo de reinvenção na pandemia”, lembra.

Para devolver ao mundo a força que encontrou para se manter sã e em pé durante o isolamento, lançou o podcast e programa no Instagram, Afrikafé com as Pretas, que vai ao ar nas manhãs de segunda, quarta e sexta-feira no perfil homônimo (@afrikafecomaspretas). Ao lado da filósofa Katiuscia Ribeiro e convidados, Janamô proporciona aos seguidores um escape para o drama do tuíte citado anteriormente, com análises de temas diversos, como amor, cultura, problemas sociais e comportamento, mas com uma perspectiva de filosofias, principalmente a africana, e de manifestações artísticas.

“A arte pra mim nesse processo foi marcial, minha ferramenta de luta”

O nome já mostra a proposta de Janamô e Katiuscia em buscar alento no pensamento africano, já que o café tem sua origem na Etiópia, país da África, com grande diversidade de tipos de grãos e formas de consumo. “Irmãos e irmãs em diáspora começaram a nos falar sobre o programa: ‘Que bom que você deu voz para aquilo que eu não sabia nem que sentia’ e ‘Que bom que eu tenho uma parceira para poder me dizer que eu não estou ficando louca sozinha’. Eram pensamentos que eu contemplava só, mas que passei a dividir com aliados”, diz sobre o projeto, que contou com a participação da escritora e roteirista Kenia Maria no início.

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Em paralelo ao Afrikafé, nasceu Código #R, um álbum manifesto com temáticas que vão de sustentabilidade à espiritualidade e canções entoadas em português, iorubá e criolo. A mistura de elementos expressa também a ancestralidade indígena e negra de Janamô.

“Comecei a aplicar a filosofia africana nas composições a partir da ideia dos 5 Rs da sustentabilidade: reduzir, recriar, recusar, reutilizar e reciclar. O resultado é a mensagem de que o futuro é retorno, ou seja, nossos passos e conquistas não são de agora, elas começaram lá atrás. Assim, me coloco em um lugar de emancipação muito poderosa, porque dou um salto de uma condição de ascendência escravizada para uma ascendência potente”, afirma a artista, que produziu sete canções.

O número não foi escolhido aleatoriamente, mas por influência religiosa de um mestre especial para o seu caminhar na arte. “Sete é o número de Exu, que representa o movimento. Essa ideia de transformação também é inspirada nos três álbuns do grande babalorixá, que é o Gilberto Gil e a sua trilogia de Realce, Refavela e o Refazenda”, comenta Janamô.

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A multiartista Janamô
(Márvila Araújo/CLAUDIA)

O resgate da sua origem ainda se encontra com o trabalho de outros expoentes, como o ambientalista e filósofo Ailton Krenak e a professora e escritora Sobonfu Somé, de Burkina Faso, que lhe desenharam um novo caminho. ”Sou neta de uma indígena Pataxó e não tive a oportunidade de ligação com essa tradição, uma vez que a minha avó foi aculturada e não tinha mais a lucidez dessa bagagem familiar. Me reaproximar dos meus antepassados me dá um conforto que não tinha antes, mesmo fazendo psicanálise”, aponta.

Outra lacuna preenchida com a produção intelectual racializada foi a da existência como mulher. “Me sentia muito insatisfeita com alguns modelos de representação feminina. Os recortes já não me contemplavam mais; o feminismo deixava questões a serem respondidas. Mesmo respeitando muito o movimento, que é aliado para a nossa emancipação, eu não me sentia representada.”

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O respiro veio com a aproximação com o mulherismo africano, termo usado pela primeira vez por Clenora Hudson-Weems no fim da década de 1980, que reflete essa busca pela própria existência e de retorno aos valores da África. “Criar critérios próprios das mulheres africanas para avaliar suas realidades tanto no pensamento quanto nas ações”, define a autora e acadêmica norte-americana.

Para Janamô, pouco adianta fazer essa travessia sozinha, como já tinham alertado seus mestres originários Ailton Krenak e Davi Kopenawa. “Essa sociedade não vai passar por uma transformação se não houver um despertar coletivo, porque embora meu corpo seja preto e eu sofra os atravessamentos do racismo, a minha subjetividade opera dentro do mecanismo da branquitude. Necessitamos de um exército esperto, de uma diáspora lúcida, plena e ciente de suas habilidades”, afirma ela, que aposta no black money e no senso de comunidade para atingir esse modus operandi horizontalizado. Hoje, as publicidades feitas em seus perfis nas redes sociais garantem uma segurança para dar continuidade às demandas artísticas.

Com o contato interpessoal quase como uma condição de sobrevivência, esse senso de coletividade foi adaptado para o virtual durante a pandemia. Um aplicativo de troca de habilidades e serviços garantiu mais sustentabilidade nas contas, mas principalmente na qualidade do que passou a consumir.

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“Sou libriana e extremamente sociável, então preciso do outro para existir. Na tentativa de me adaptar, conheci novas tecnologias, como essa rede que opera em uma política de capital que gira a partir de confiabilidade. Comecei a dar aulas de canto em troca de produtos orgânicos, por exemplo”, explica sobre o app que ainda reúne seguidores que meditam, são voluntários, andam de bicicleta e fazem outras práticas benéficas para a vida em sociedade.

“Há um despertar para as novas políticas, porque o que está acontecendo com a gente, esse modelo de se relacionar com o capital, não está dando conta das nossas demandas”, alerta Janamô. Ela já dá o exemplo com mudanças práticas na rotina, mas também com a poesia de seu jeito de fazer arte.

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