O necessário ato de perdoar: ‘O Livro do Perdão’
Quando perdoamos verdadeiramente, nos tornamos livres para tocar em frente, com a vida futura desatrelada do passado
Durante o fim do ano li uma obra que me tocou bastante: O Livro do Perdão – Para Curarmos a Nós Mesmos e o Nosso Mundo, escrito pelo Nobel da Paz Desmond Tutu e sua filha Mpho Tutu. Diversos trechos conversaram diretamente comigo, me fazendo refletir muito sobre o quanto o perdão é poderoso e necessário não só para consolidar nossas relações e tornar o mundo melhor, mas também compreender que cada um de nós é inerentemente bom e imperfeito.
Nossa humanidade nos torna suscetíveis a falhas. Não há um único ser humano que não tenha sido vítima ou algoz em algum momento da vida. Somos seres frágeis, nossa imperfeição nos faz cometer atos de forma inconsequente e cruel. Adoro quando Desmond Tutu escreve que ao nosso próprio modo somos todos neuróticos. Devido a essas neuroses, ferimos uns aos outros. E o perdão é a jornada que empreendemos em direção à cura das neuroses.
O perdão não é rapido. Ele exige várias jornadas de ciclos de recordação e dor até se poder verdadeiramente perdoar e ser livre. Sendo assim, é fato que precisamos perdoar quem nos fez mal e pedir perdão se fizemos algo que machucou outra pessoa. Ao mesmo tempo, nosso orgulho, arrogância ou até mesmo a vergonha se tornam barreiras que nos travam na hora de dar ou pedir perdão.
É neste ponto que o livro fez toda diferença para mim. Além dos ensinamentos profundos, ele traz ao final de cada capítulo dicas de exercícios e uma sugestão de meditação para o leitor ir aos poucos preparando o coração e a mente para perdoar.
Revidar não alivia a dor
Quando somos magoados ou ofendidos por alguém, nossa tendência é revidar. O primeiro impulso nos faz acreditar que dar o troco vai nos trazer algum alento e por isso entramos no que o livro chama de Ciclo da Vingança, que é quando optamos por fazer o mal a quem nos machucou e com isso causamos mais mal e mágoa para todos os envolvidos.
O que o livro sugere é que, como seres racionais, somos capazes de optar por um caminho diferente, chamado pelos autores de Ciclo do Perdão, que nada mais é do que escolher superar a dor e perdoar. Para chegar ao perdão, o livro ensina quatro passos:
- Contar a história – é o modo como começamos a recuperar o que nos foi tomado, e a compreender e extrair sentido de nossa ferida. Quando contamos o mal e a perda que sofremos, diminuímos o poder que eles tem sobre nós. Eu, particularmente, dependendo da dor por mim mesma provocada, sinto a necessidade de contar a história várias vezes, para muitas pessoas, como forma de ir assimilando, empatizando e perdoando.
- Dar vazão à mágoa – isso nos ajuda a compreender como o que aconteceu nos afetou. Cada um de nós se sente ferido de uma maneira muito pessoal. Cada um sente de um jeito, dependendo de nossas histórias e traumas. Quando ignoramos a nossa dor, ela cresce cada vez mais e um dia explode. Penso que eu poderia ter conduzido muito melhor algumas situações de dor e frustração, conversando sobre meus medos e compartilhado meus sentimentos.
Ninguém sabe o que se passa em nossa cabeça. Muitas vezes, um nem imagina que o outro está magoado ou que seu ato poderia ter tal consequência. Como nem sempre temos o vocabulário para expressar nossos sentimentos, vamos protelando ou evitando a conversa.
- Conceder o perdão – como diz Desmond Tutu, neste passo saímos do papel de vítima e nos tornamos heróis de nossa jornada. Uma vitima está em posição de fraqueza sujeita aos caprichos dos outros. Heróis determinam o seu destino e futuro. Não escolhemos passar pela dor, mas o que fazemos em seguida, isso sim é escolha nossa.
- Renovar ou abrir mão do relacionamento – aqui é uma escolha nossa. Se optamos por seguir em contato com a pessoa que nos magoou, precisamos estar cientes de que uma nova relação deve ser criada. Aquela que resultou em dor não vai existir mais.
Só depende de nós
Diferentemente do que imaginamos, o ato de perdoar está totalmente em nossas mãos. É claro que é muito mais fácil desculpar alguém sabendo que esta pessoa tem algum remorso pelo que fez, mas não podemos exigir nada para isso. A remissão tem que ser incondicional.
Pode parecer difícil, mas só temos a ganhar com isso. Está cientificamente comprovado: o perdão reduz a depressão, aumenta a esperança, diminui a raiva, melhora a conexão espiritual e aumenta a autoconfiança emocional. As pessoas que perdoam mais têm menos problemas físicos e mentais e menos estresse.
Perdoar, segundo o livro, é a única maneira de encontrar a liberdade e a paz. Mas antes de perdoar, precisamos olhar para dentro e reconhecer a causa das nossas feridas e os sentimentos que foram despertados por elas. Perdoar não é fingir que nada aconteceu ou que nossos ferimentos são menos doloridos. Tampouco é esquecer o que nos foi feito. Quando ignoramos a dor, ela cresce cada vez mais. Ao contrário, quando contamos a verdade sobre o mal e a perda que sofremos, diminuímos o poder que eles têm sobre nós.
Ao ler o livro fui me dando conta de que se eu tivesse dado vazão às minhas mágoas e conversado com as pessoas à minha volta sobre os meus medos, eu teria poupado muito sofrimento a mim mesma. Em suma, precisamos sentir. Ainda que isso exponha nossas fraquezas e vulnerabilidades.
Quando não conseguimos admitir nossas próprias feridas, não conseguimos ver o outro como alguém que também foi ferido e nos fez mal por ignorância ou dor. A pessoa que nos feriu também tem uma história. Ela nos feriu porque ficou presa nessa história.
Perdoar também exige um pouco de empatia para nos colocarmos no lugar de quem nos feriu. Nenhum vilão jamais achou que era um vilão. Reconhecer isso nos ajuda a não guardar rancor pelo que nos fizeram e nos ajuda a ter paz. A única maneira de encontrar liberdade e paz é perdoando. Ao perdoar estamos livres para tocar em frente. O futuro fica desatrelado do passado.
O passo final é decidir: vamos renovar nossos laços com nosso algoz, cientes de que tudo será diferente, ou se vamos abrir mão do relacionamento? Se ficarmos com a segunda opção, o caminho só estará completo se o escolhermos sem desejar mal à pessoa e sem que ela continue ocupando espaço na nossa cabeça ou coração.
Sei que o caminho do perdão não é fácil. É um processo longo, onde fico muitas vezes refém e não consigo avançar como gostaria. É passar por sentimentos de ódio, revolta, depressão e dor que nos corroem por dentro, até conseguimos chegar na aceitação que é também o perdão. Ninguém tem o direito de dizer ao outro a velocidade com a qual tem que trilhar este caminho.
De uma coisa eu tenho certeza: quando perdoamos, retomamos o controle de nosso destino e de nossos sentimentos. Sem perdão de fato, que exige superar uma dura jornada, ficamos presos na amargura e aprisionados pelo outro que nos fez mal. Não perdoamos para ajudar o outro. Perdoamos por nós mesmos e deixamos de ser vítimas. Para que nossas feridas cicatrizem.
E por último, mas confesso aqui que é o mais difícil para mim, não podemos esquecer de perdoarmos a nós mesmos. Quando nos perdoamos, nos libertamos de um ciclo de punição e retaliação voltado contra nós mesmos. É um peso enorme, que suga a energia e tem consequências emocionais e até físicas.
Sempre busco dizer a mim mesma, “fiz o melhor que pude naquela ocasião, com as ferramentas que conhecia até então”. Mas confesso que não é fácil escapar do meu próprio julgamento.