Tem gente que quebra a gente
A gente não precisa sofrer para ficar mais forte e não é preciso doer para que a gente cresça
Tem gente que quebra a gente. Você está ali, seguindo sua rotina, praticando seus rituais de autocuidado, frequentando a terapia, se alimentando do que te nutre; vivendo. E, então, daquilo que parece um absoluto nada, surge a pessoa que vai quebrar um pedaço seu. Não é nenhuma surpresa. Desde o primeiro instante, no fundo, você sabe. Ela é familiar. Mas a vontade de mergulhar nessa relação, com a promessa de dor, é maior. Mergulhamos.
De um modo muito peculiar, um ser completamente desconhecido consegue alcançar as nossas zonas mais remotas. Dá uma coceira, daquelas que parecem prazerosas porque nos lembram de pedaços nossos que, na correria do dia a dia, permanecem adormecidos. E é bom voltar a senti-los.
Mas não leva muito tempo até que a coceira gostosa se transforme em agonia. Situações pesarosas do passado se repetem em uma versão repaginada. Nos vemos presas aos mesmos medos, inseguranças, angústias e desejos. E, então, nos quebramos.
Eu estou quebrada enquanto escrevo. E não há romantismo nisso. A gente não precisa sofrer para ficar mais forte. Não é preciso doer para que a gente cresça. Não. Essas são apenas máximas criadas para docilizar aqueles que padecem das mazelas do mundo. Estou quebrada e não há beleza nisso.
Mas, a verdade é que eu sabia que ela me quebraria no instante em que a vi entrar pela porta daquele bar. E não era o andar duro e desorientado, nem a comida que ela se recusou a pedir. Também não foi rispidez com que contava sobre seus afetos passados ou a declaração de que jamais se apaixonaria por mim. Foi o não dito.
Ela nunca me elogiou. Nunca. Mas deixava escapar um sorriso abobalhado das minhas piadas mais vergonhosas, me olhava com doçura enquanto me ouvir falar dos sonhos que ousava sonhar e me tocava com ternura. Foi a ternura! Foi aquele abraço que ela prometeu nunca me ofertar, mas não conseguiu. Foi a conchinha que ela fez de conta não lembrar no dia seguinte.
Ela me quebrou quando me amou sem querer amar. E foi embora, porque amar não estava nos seus planos. Nem nos meus, mas eu fiquei. Fiquei com o que nunca foi dito. Fiquei com o silêncio. Fiquei com a ausência que, essa sim, ela me assegurou desde o primeiro encontro.
Eu fiquei quebrada. Já não sei se recolho os cacos de mim ou se deixo os vãos abertos como lembrança dessa relação fugaz e arrebatadora. Não sei se quero me retalhar ou se assumo esses pedaços que faltam. Talvez eu siga quebrada e faça uma instalação de quem sou, aceitando-me inacabada, esparramada, um ser em falta.