Palhaça, iludida ou emocionada?
Em terra onde o pensar é determinante para a existência, sentir parece impróprio e, quem sente, tolo
Eu tinha 8 anos e chorava por algum motivo que aprendi a categorizar como “bobo”. Meu pai entrou no quarto e perguntou se eu era feita de cristal, para estar derrubando lágrimas à toa. Eu, sociabilizada como mulher, a quem é atribuída a capacidade e o “fardo” do sentir, fui tolhida desde o comecinho da vida. Carreguei, a partir de então, uma culpa descabida cada vez em que a emoção me escapava e ficava ali, à vista.
Cresci certa de que amar como eu amava, doer como eu doía, sentir como sentia era maldição que carecia ser rompida, revertida, disfarçada. Em terra onde o pensar é determinante para a existência, sentir parece impróprio e, quem sente, tolo. Sim, tolo. Não bobo.
O tolo é aquele que tem fé. O bobo ignorância. O tolo opta por acreditar. Ao bobo não cabem escolhas. O tolo aposta, o bobo se ilude. O tolo se entrega, enquanto o bobo deixa passar. O tolo é emocionado. O bobo? Palhaço. O tolo sente porque pode. O bobo sente porque foge.
Estar entregue às relações, permitir-me apaixonar em primeiros encontros, sonhar vidas inteiras em uma cantada, nunca me fez palhaça ou boba. Mas uma tola incansável. E foi só quando entendi a diferença entre um e outro que me dei conta de que ser tola era a melhor parte de mim.
A verdade é que não se foge do amor, mas do pavor à frustração, à dor, ao sentir que não é autorizado. Fugindo do sentir, fugimos também da possibilidade de nos envolvermos, apaixonarmos e nos vinculamos. Caímos na ilusão de que não amando, não sofreremos. De que sem se entregar, não se tem a chance de sair machucada. Bobeira. Não viver o que se deseja, angustia. É dor maior, sofrimento dobrado.
Prefiro, portanto, ser aquela que sente saudade de uma ficada. Quero ser a emocionada. Porque amar é uma tolice. Mas não amar é um risco estúpido, que não estou mais disposta a correr.