Vestir perfumes? Grandes estilistas ajudam a criar fragrâncias icônicas
Movimento reforça valores e leva a história de suas maisons para o futuro
Ainda que seja considerado um dos principais acontecimentos na moda, o New Look, de Christian Dior, só ocorreu às 10h30 daquela quarta-feira, 12 de fevereiro de 1947, graças à finalização de um item que vai além das saias amplas e bainhas longas conhecidas por todos: o perfume Miss Dior.
Em homenagem à querida irmã Catherine, Monsieur Dior encomendou aos perfumistas Jean Carles e Paul Vacher uma fragrância para ser lançada no momento da sua estreia. Caso contrário, sem o perfume, o desfile não seria realizado.
Segundo Jean Cocteau, poeta francês e grande amigo do estilista, na época, a apresentação recebeu a importância da bomba atômica. Em uma época de miséria no período pós-guerra e do severo racionamento de tecidos, Christian Dior tinha desejo em ver suas damas vestidas tais como flores, com ombros arredondados e silhuetas marcadas, em uma atmosfera que exalasse feminilidade.
O Miss Dior, por sua vez, era a conexão perfeita entre a delicadeza e o poder que o costureiro queria resgatar em cada uma daquelas mulheres prestes a acompanhar sua passarela.
Apaixonado por flores e jardins, herança da mãe Madeleine, ao longo da vida, ele mostrou que sabia relacionar pétalas e notas olfativas às suas coleções como ninguém — e os códigos que traduziam essa conexão surgiram renovados a cada estação.
Mesmo que não tenha desenvolvido o Miss Dior com as próprias mãos, a sua aprovação estava ali, ao mesmo tempo em que carregava seus alfinetes para o ateliê de costura. Apesar de não ser habitual esse encontro entre estilistas e laboratórios químicos nos dias de hoje, a relação entre a moda e a perfumaria é de longa data — e foi importante para a consolidação de diversas etiquetas na indústria fashion.
Outro grande exemplo histórico é o Chanel Nº5 que, há mais de cem anos, é conhecido por traduzir a personalidade forte, paradoxal e misteriosa da sua co-criadora Gabrielle Chanel.
Um ano antes do seu lançamento, em 1920, a estilista conheceu Ernest Beaux, ex-perfumista da corte russa, em uma viagem a Grasse, e o convidou para a incrível missão de compor “um perfume feminino com cheiro de mulher”, como a Mademoiselle gostava de descrever.
O resultado foi uma combinação de ingredientes que conquistou o público feminino que se espelhava na imagem e atitude disruptiva de Coco Chanel — e, desde a sua criação, já ganhou diversas versões, das mais frescas às concentradas.
Antes mesmo de ter contato com as primeiras bolsas ou prêt-à-porter da maison, muitas consumidoras tinham interesse no Nº5, seja entrando em contato com o frasco na penteadeira das mulheres da família ou vendo os anúncios deslumbrantes em revistas e outdoors.
No entanto, a maioria das marcas de luxo encontrou caminhos para terceirizar a produção de fragrâncias e tratá-las como “produto acessível” para disseminar seu nome pelo mercado. Como consequência desse desprendimento, muitas vezes, a comunicação entre os dois segmentos se perde e gera dificuldade em encontrar uma sintonia entre vestuário e olfato.
Afinal, a idealização do consumidor deveria ser a mesma, certo? Mas há, sim, exceções. De um lado, existe o movimento de reinterpretar os valores da marca para uma nova geração e conquistá-la com o seu universo como um todo.
Um exemplo é a Pacollection, linha da Rabanne lançada em 2019, sob direção criativa da Julien Dossena, o estilista da casa francesa. Mesmo ao lado de cinco perfumistas, Dossena foi o responsável por conduzir o desenvolvimento das nove fragrâncias, tanto o conceito olfativo para serem compartilhados (ou seja, unissex) quanto as embalagens metalizadas inquebráveis, que estão relacionadas diretamente à ousadia e inovação da Rabanne em explorar de um jeito incomum as estruturas metálicas, característica principal do trabalho do fundador da marca, Paco Rabanne.
Já dentro da dinâmica da espanhola Loewe, Jonathan Anderson criou uma atmosfera de desejo absoluto na categoria de perfumaria (e velas também).
Ainda que a primeira fragrância tivesse sido apresentada em 1972, a L de Loewe, foi em 2016 que Anderson mostrou ao mercado que era possível atualizar os pilares da marca.
Embora denominadas “Woman” e “Man”, os dois são compartilháveis e o consumidor pode combiná-los entre si para criar “seu próprio cheiro”.
A modernidade, que é vista na passarela da Loewe, surge nos frascos minimalistas (desenhados pelo próprio Jonathan) que seguem como estética reconhecível pelos fãs.
O que muda além da combinação de notas? As cores dos vidros. O conceito “arco-íris botânico”, inspirado nos elementos da natureza, permite brincar com a experiência sensorial relacionada aos aromas e a liberdade de descobrir seu próprio perfume.
Sabe o lado lúdico que o designer gosta de explorar, com seus vestidos-antúrios e saltos fincados em ovos? É isso, só que na versão perfume, de passar no corpo ou vestir.