O que Prada e Gucci querem comunicar neste Verão 2023?
Entre as mais aguardadas da temporada italiana, marcas levantam questionamentos que vão além da roupa
Apesar de Nova York e Londres terem um peso no circuito de moda internacional, é em Milão que a moda nos faz lembrar que há um universo criativo que leva as roupas muito além da tendência. E esse, na minha opinião, é o verdadeiro começo da temporada. Isso porque a visão de alguns criadores que apresentam suas coleções na etapa italiana sempre traz a moda como uma forma de chamar a atenção para o que acontece atualmente – diferente de Nova York, que é conhecida por priorizar estéticas mais comerciais e Londres, com o seu ar experimental. Cada capital tem sua identidade e as marcas procuram os eventos que se enquadram no seu perfil e proposta. Até aí, tudo certo! É importante a diversidade de propósitos.
No caso da Semana de Moda de Milão, a Prada sempre está na lista das mais aguardadas, seja pelos cenários desenvolvidos pelo escritório holandês OMA/AMO ou pelas criações da Sra. Prada e de Raf Simons. Mas não só pelo buzz da sua etiqueta azul. Miuccia é conhecida, há décadas (sem exagero), por propor ideias e questionamentos por trás dos seus espetáculos. Quando falamos de planos de fundo para suas apresentações, tanto seu antigo local de desfile na Via Fogazzaro quanto o atual, sala na torre da Fondazione Prada, se transformam de maneira inacreditável – e sempre com materiais simples. Das primeiras apresentações que fui às mais recentes, digo que já vi de tudo. Teve desde reproduções de quartos de meninas com camas super confortáveis para o Inverno 2017 às dunas de areia para o Verão 2015. Para o recém apresentado Verão 2023, a sala era composta por paredes de um tecido feito com papel na cor preta e telas que reproduziam uma série de curtas-metragens de Nicolas Winding Refn, explorando a vida das mulheres, o alcance da fluidez feminilidade moderna, um assunto que sempre fascinou Prada.
Na passarela, uma sequência de realidades composta por reflexões, refrações e observações. Miuccia e Raf partiram de uma inter-relação entre o cru e o sensual, entre a delicadeza e a aspereza. A coleção joga constantemente com dissimilitude e paradoxo, mudando entre visões diferentes, realidades separadas. E essas realidades se traduzem, no ponto de vista dos criadores, em humanidade. É refletido através de um sentido da mão, um toque do bruto, uma crueza que evoca uma fragilidade. E essa expressão é evidente em uma série de vestidos que são rasgados contra o corpo, assim como os detalhes, sejam elas fendas e ou franzidos, por exemplo, fossem feitos apenas com as mãos, como um rasgo ou repuxado intencional. Já os clássicos uniformes da Prada são reproduzidos em bodysuits de camisas de popeline em cores industriais, denota uma realidade, mas com o ajuste que trazem os significados de abraço e proteção – que, na realidade, estamos todos precisando, certo?
Na Gucci, o abraço da roupa foi substituído pelas mãos dadas entre os modelos na passarela, que davam boas-vindas a Twinsburg, a “cidade dos gêmeos” criada por Alessandro Michele. Ele, que no último Met Gala surgiu fazendo o duo doppelgängers com Jared Leto, manteve sua reflexão sobre identidade e alteridade como foco criativo. E a ideia da conexão genética entre gêmeos o fez levar o conceito de solidariedade e intimidade para a sua coleção, também como forma de representar a necessidade humana atualmente. Os pares de modelos usavam a mesma roupa, ou seja, ele trouxe a sua composição clássica de looks multiplicada por dois. Há roupas esportivas com estampa e muito brilho; a chinoiserie, que é tradicional na Gucci durante a “Era Michele”, assim como a alfaiataria, as referências na montaria e os vestidos dignos de tapete vermelho. Na hora do agradecimento, o diretor criativo aparece com um fundo composto por retratos espelhados, dando o entendimento de semelhança e diferença como forma complementar do ser humano.
Independente da roupa fazer parte da tendência ou não da estação, Prada e Gucci querem deixar seus questionamentos no ar. Os criativos por trás destas grifes estão acostumados a enxergar a passarela como uma oportunidade de levantar reflexões possíveis e que nos tocam. O feminismo genuíno de Miuccia Prada e a filosofia que traz o amor como centro da filosofia de Alessandro Michele são denominadores comuns com o público, consumidor ou não de marcas de luxo, entendedor ou não de moda. E isso é a moda de verdade. É quando ela transcende a roupa e se comunica com a gente – às vezes, sem a gente saber.