As consequências da atemporalidade
Na temporada de moda masculina para o Verão 2023, diretores criativos trazem formas limpas e materiais que combinam com uma rotina "sem ocasião"
Foi na década de 1980 que a alfaiataria teve uma das suas grandes revoluções modernas. Se antes, o formato engomado e pesado era a fórmula para homens e mulheres vestirem paletós e calças, com Giorgio Armani a história mudava completamente. Com estruturas lânguidas e mais longas para os casacos, calças com pregas frontais e tecidos, entre eles a seda, na cartela de materiais para os homens, a atenção para o olhar do estilista italiano vinha de uma necessidade para deixar a moda mais usável.
Para as mulheres, que tiveram antes dele Gabrielle Chanel e Yves Saint Laurent como impulsionadores do movimento de levar peças masculinas para o estilo feminino, Sr. Armani deixou as silhuetas mais folgadas e ainda levou o veludo – um dos seus materiais preferidos – para as suas coleções femininas. Na época, a sensação não foi apenas em como as linhas entre gêneros começava a perder tanta relevância, mas, sim, em como as roupas poderiam ser mais confortáveis e fáceis de usar, ainda sendo bem feitas e com a elegância que tornou Giorgio Armani um dos maiores nomes da moda.
O movimento, que para muitos é visto como atemporal e para outros é “anti-moda”, parece ter sido o zeitgeist da temporada masculina de Verão 2023. E, como bem sabemos, isso deve respingar nas coleções de setembro, quando as marcas desfilam suas peças femininas. Há grifes que mantiveram seu estilo timeless e outras que, mesmo buscando sempre uma nova tendência para ser relevante ou destaque em uma estação, optaram pelo simples. Neste caso, o simples não está atrelado ao simplismo – ainda mais quando o termo “simples” aparece na descrição de coleções de nomes como Prada, Fendi, Zegna e Dior Men.
Na Prada, o belga Raf Simons, que divide o cargo de diretor criativo com Miuccia Prada, é, de longe, o motivo da marca ter seguido um caminho mais limpo, com linhas simples e com materiais que surgem como as estrelas dos looks. Jeans e couro, materiais que são característicos do nosso dia a dia, fazem parte de visuais completos e cada peça pode ser usada de forma independente. E não só elas. A alfaiataria apareceu no formato skinny para as calças, os shorts curtos com zíper e os suéteres canelados, por exemplo, não são peças de outro mundo – e fogem do “look de passarela” que dividia as araras das boutiques. São roupas para o dia mesmo.
Isso aconteceu também na Fendi. A diretora criativa Silvia Venturini Fendi, que já tem muita afinidade com o que o seu público nas coleções masculinas, entendeu que o movimento de modelagens amplas e confortáveis funcionava bem. O verdadeiro teste de Silvia foi durante a pandemia. Para o Inverno 2021, ela levou a sensação de conforto de estar em casa para as jaquetas e casacos-robe acolchoados, além de outras peças do dia a dia, como coletes e suéteres.
Já na Zegna, Alessandro Sartori, responsável pelo desenvolvimento das coleções, apresentou uma espécie de “uniforme” para o homem moderno, com modelagens de linhas simples e amplas – com o destaque apenas para uma cartela de cores afiada, que vai dos neutros e atinge o máximo da vibração com o amarelo. Em solo francês, Kim Jones, que comanda a Dior Men, levou para o seu jardim uma alfaiataria impecável e com uma desconstrução fácil de ser assimilada. A paleta de cores é açucarada e brinca com contrastes de tons da mesma família, mas de diferentes intensidades. E há estampas também, que trazem uma diversão, mas não limitam.
Na ala de quem nunca desiste do atemporal elegante e segue isso como filosofia de criação estão três marcas: duas em solo italiano e uma que evoca o tal “effortless” parisiense. Em Milão, Emporio Armani e Giorgio Armani dividem o mesmo criador – Sr. Armani, o responsável por mostrar aos jovens dos anos 1980 que a alfaiataria poderia ser diferente (lembra?). Para suas duas labels, toda elegância esperada, na maioria em cores sóbrias, com um ponto ou outro vibrante, mas com a alfaiataria descomplicada, em materiais leves que fazem menção às origens dessa migração para o guarda-roupa masculino. No passado, os tecidos frescos saíram da vestimenta dos pescadores do sul da Itália e das peças fluidas femininas e foram parar nos ternos, paletós sem forro e calças.
Já na Hermès, Véronique Nichanian mostrou que toda a tradição da casa francesa segue apenas em um DNA muito bem definido, mas que isso não está nem um pouco ligado à estética antiquada. Pelo contrário, a juventude é brilhante no seu verão, seja nas superfícies de materiais que lembram acabamentos envernizados, nas tonalidades ou nas estruturas. Há um mood fresco e tentador de ser usado já nas ruas – por eles ou por elas.
A conclusão do movimento é simples, assim como o conteúdo apresentado: a moda, hoje, é uma. A composição do que vemos na passarela, longe de um discurso de gênero, é sobre utilidade. São marcas conhecidas pela sua qualidade, que permitem às peças ultrapassar gerações e cortar qualquer laço com o efêmero. Aliás, a efemeridade parece não ser uma palavra que a moda vem gostando muito. Exceto no livro do filósofo francês Gilles Lipovetsky intitulado O Império do Efêmero (por favor, leia!), a moda não se baseia mais no produto com data de validade. Até as grifes que viviam da tendência se renderam a esse ritmo, seja pela sustentabilidade ou pela facilidade de entrar no guarda-roupa de um novo consumidor. A facilidade também está atrelada ao desejo: que não se limita ao homem que veste paletó Zegna. Se a mulher também quiser levar isso para o seu estilo, parece estar menos complicado. O desejo do público feminino pelos suéteres do Verão 2023 da Prada é real. Assim como as bolsas da Dior Men. Em 2022, a tendência da moda é, finalmente, ser fácil e bem feita. E parecia que alguém já tinha cantado essa bola – não é que Sr. Armani tinha razão?