A arte de viajar por São Paulo
O fotógrafo Alexandre Furcolin assina mais um capítulo da série de livros 'Fashion Eye', da Louis Vuitton, com seu olhar espirituoso
“São Paulo é uma cidade tão múltipla, com tantas culturas e pessoas de diversos países habitando no mesmo lugar. Acho que fazia sentido um livro que tivesse uma paleta cromática bastante forte e alta.” Foi o que Alexandre Furcolin me contou sobre a construção do seu olhar para a sua versão de São Paulo para a coleção de livros Fashion Eye, da Louis Vuitton. Em um primeiro momento, a estética voluptuosa e as tonalidades neon me chamaram a atenção. O tom de pink da capa grita, é diferente da versão do rosa de Saul Leiter sobre Nova York, mas a foto pequena escolhida para ficar abaixo do título traz uma sensação de calma. São Paulo faz esse contraste o tempo todo.
O fotógrafo viajou anos sob esse olhar da capital paulista para poder entregar essa conexão de forma genuína em uma publicação que celebra os destinos, sejam eles cidades, países ou regiões. “Grande parte das fotografias era parte do meu arquivo autoral, do que fotografei ao longos dos 15 anos que vivo em São Paulo“, disse ele que, a partir de uma participação do lançamento de um de seus livros de fotos na França, o Tangerina, chamou a atenção dos editores responsáveis pelas criações de cada livro da série. Ele, que traz uma visão mais artística da moda e do cotidiano, juntou seu nome à lista de outros grandes olhares da moda.
Monte Carlo teve as lentes de Helmut Newton, assim como Berlin ganhou a interpretação de Peter Lindbergh. Esses dois são alguns dos responsáveis por assinar a seleção de imagens da coleção. Mas tem Cecil Beaton, Sarah Moon e Cocó Capitan, a última que lançou a versão do Transsiberian em março deste ano. A Fashion Eye representa exatamente a essência de origem da maison francesa e vai muito além da imagem da roupa em si. Afinal, aquele monograma com a composição clássica do LV está mais relacionado às produções de baús e malas no período da sua criação, em 1854, do que às passarelas de prêt-à-porter que acompanhamos hoje. Lembro que, em 2017, fui acompanhar a produção de trunks (“baús”, em inglês) e malas da Louis Vuitton, no ateliê de Asnière, na região norte de Paris. Além do espaço ser original, e construído na época de seu fundador, Louis Vuitton, cada etapa de construção de uma peça tão emblemática na sua história é hipnotizante. Digo isso porque trunks e malas são a origem de tudo na grife – e, a partir deles, a marca determinou a “Arte de viajar” como um dos seus principais pilares. Ou seja, antes da moda de passarela e da sua série de it-bags já consolidadas, a Louis Vuitton é uma marca com foco em celebrar destinos de diferentes formas e ir além da viagem de maneira literal. Digo, para eles, você também pode viajar com os olhos. E os livros significam exatamente a maneira como é possível espremer o máximo possível da essência de cada lugar. Mas como contar sobre um destino apenas com fotografias?
Sendo São Paulo, Alexandre Furcolin conseguiu dar vida às imagens saturadas que poderiam ter sido exploradas numa cartela acinzentada. Sabemos que a cidade tem essa fama de ser “cinza”, mas, para ele, essas cores têm uma relação com essa potência cultural e um lifestyle plural. Ao longo das 100 páginas, Furcolin construiu uma narrativa com liberdade, que representa muito da vibração e o contraste caótico paulistano. Ele, que nasceu em Campinas em 1988, traz vistas a partir dos arranha-céus, recortes de detalhes das construções, cenas do agito noturno, das pessoas e da pluralidade das vizinhanças, muitas vezes aleatórias, que ganharam representação na construção de linguagem híbrida, com fotografia, pintura, escrita e desenho. E esse trabalho, que reúne tantas técnicas artísticas (pense em uma mistura de referências visuais de Vincent Delbrouck, Cy Twombly, Jean-Michel Basquiat, Antoni Tàpies) é o que torna possível representar o espírito de uma cidade incansável em uma espécie de diário que abrange a metamorfose e a beleza de novas linguagens. Há contrastes de heterogeneidade e obviedade. Como representar algo vivo com cenas estáticas? “Vejo que as imagens são menos importantes sozinhas. O importante é o conjunto e as suas sequências. As imagens são como palavras, mas o que importa são as frases que você pode montar com essas palavras”, diz o fotógrafo. Quando você folhear o livro, é exatamente essa sensação que dá. Você, tendo visitado São Paulo ou não, cria uma intimidade com a energia da cidade, quer fazer parte disso e entende o quanto a arte de viajar com os olhos pode ser tão interessante quanto entrar em um avião.