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Júlia Warken

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Burburinho, polêmica e reflexão. Jornalista e editora digital de CLAUDIA, Júlia Warken foca o olhar em questões contemporâneas que inquietam as mulheres.

Nudez feminina: sobre liberdade, arte, objetificação e o olhar fetichista

Como "Vou Nadar Até Você", filme de Klaus Mitteldorf com Bruna Marquezine, reascendeu em mim a reflexão sobre o tema.

Por Júlia Warken, Guta Nascimento, thiagoabril
Atualizado em 6 mar 2020, 17h30 - Publicado em 6 mar 2020, 17h30
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(Vou Nadar Até Você/Divulgação)

Quando a nudez feminina é libertadora e empoderada e quando ela apenas segue a lógica do corpo transformado em produto para ser consumido pelo olhar masculino? Quando é revolução e quando é objetificação? E quando o nu é artístico, ele trabalha em favor da desmistificação da nudez? O status de arte automaticamente anula o caráter fetichista e objetificante da nudez feminina?

É muito difícil encontrar respostas definitivas para tais perguntas e esse assunto é muito menos debatido do que deveria. Num mundo de opiniões absolutamente polarizadas – direita vs. esquerda, conservador vs. quebrador de paradigmas, cancelado vs. fada sensata – é preferível navegar por águas em que branco e preto estão bem demarcados. Só que há muitos tons de cinza – com o perdão do trocadilho involuntário – nesse tema.

Nudez feminina, censura e slut shaming

De vez em quando o assunto surge, mas ainda é território espinhoso. No debate feminista, é consenso falar sobre coerção e sobre a limitada autonomia das mulheres em campos como a afetividade, por exemplo. Sabemos que as mulheres seguem padrões de comportamento talhados pelo patriarcado – muitas vezes, sem nem perceberem.

Muito se fala sobre o que nos foi ensinado a respeito de maternidade e sexualidade. Quanta agência realmente temos sobre certas escolhas da nossa vida? Sobre o que almejamos, sobre o que entendemos a respeito de felicidade, de realização pessoal, de beleza e de prazer? Termos como maternidade compulsória e heteronormatividade já têm boa aceitação em diversas vertentes do debate feminista, mas a problematização da nudez feminina segue sendo complicada.

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Campanha de perfume masculino da grife Tom Ford, de 2007 (Tom Ford/Reprodução)

Isso porque os corpos femininos são censurados e hipersexualizados ao mesmo tempo. É uma dinâmica absolutamente capciosa e é por isso que muitas mulheres acabam acreditando que, através do fomento à hipersexualização, estão quebrando paradigmas. E mais: cria-se a ideia de que problematizar a hipersexulização é uma maneira de fortalecer a censura dos nossos corpos.

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De mãos dadas com a censura, há a cultura do slut shaming – expressão que não tem tradução em português. Slut significa puta e shaming é o ato de criticar alguém com o intuito de fazer a pessoa passar vergonha – ou seja, humilhar. O tempo todo as mulheres são atacadas e difamadas sob o pretexto de que estão agindo como putas. Com isso, muita gente confunde o movimento de combate à hipersexualização com slut shaming.

Nudez e arte

É impossível falar de história da arte sem falar de nudez. Das helenísticas estátuas gregas à arte contemporânea, passando pela “Vênus de Willendorf” e por ícones absolutos do Renascimento – como “A Criação de Adão”, de Michelangelo e “O Nascimento de Vênus”, de Botticelli. Em tempos de obscurantismo, muita gente se esquece que a nudez sempre fez parte da arte e que a reflexão sobre a nudez é inerente à dialética da filosofia e da antropologia. É importante estabelecer que a censura não pode ser tolerada.

O Nascimento De Vênus
O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli (Sandro Botticelli/Reprodução)

Frente a isso, se torna ainda mais complexo problematizar a hipersexualização do corpo feminino quando a nudez está inserida no contexto artístico. Mesmo assim, já virou piada na internet o surgimento – e a enorme proliferação – de uma classe muito particular de supostos artistas: os fotógrafos que abordam mulheres para propor ensaios sensuais “empoderados e artísticos”. Eles estão sempre em busca de modelos com corpos dentro do padrão, mas juram que a ideia é valorizar “a beleza natural” das mulheres.

Mas e quando o artista em questão é um homem consagrado como o fotógrafo Klaus Mitteldorf, podemos criticar? O premiado fotógrafo de origem brasileira e alemã lançou na última quinta-feira (5) seu mais recente trabalho: o filme “Vou Nadar Até Você” – foi esse filme que reascendeu em mim a inquietação sobre o tema abordado aqui.

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“Vou Nadar Até Você”: arte, objetificação feminina e o olhar fetichista

Antes de mais nada, gostaria de dizer o seguinte: Bruna Marquezine está ótima em seu primeiro filme como protagonista. É visível a entrega da atriz para viver a personagem, uma jovem mulher que nada de Santos a Ubatuba em busca do pai que nunca conheceu.

Há todo um trabalho físico e diversas cenas dentro da água, que são muito bem executadas.  Para além disso, o filme é muito poético – bem diferente de tudo que Bruna já fez – e a atriz consegue segurar a personagem Ophelia do início ao fim. A atriz consegue ser solar e sutil ao mesmo tempo, o que não é tarefa fácil.

Vou Nadar Até Você
(Vou Nadar Até Você/Divulgação)

O filme, como um todo, é muito bem feito. Apesar de um plot twist vilanesco risível, a história cativa e, esteticamente, as imagens são lindas. Klaus Mitteldorf sabe o que faz e, não por acaso, tem uma penca de prêmios nacionais e internacionais.

Também não é por acaso que ele tenha assinado diversos ensaios para a Playboy, no Brasil e na Alemanha. O último deles foi o da funkeira MC Tati Zaqui, em 2015. “Ela faz exatamente o perfil da mulher que eu gosto de fotografar: ela é pequena, bonita. Não gosto de pessoas que sejam exageradas. Eu gosto de transformar as pessoas, e ela tem um corpo equilibrado. É fácil transformá-la em alguma coisa a mais. É a tal da magra falsa. Então, você faz com ela o que quiser”, disse o fotógrafo à VICE na época.

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Na ativa desde os anos 1970, Mitteldorf já transitou por vários campos da fotografia. Do artístico ao comercial e editorial, passando pela moda e pelo erótico. E ficou conhecido pela estética erótica dentro da arte e da moda, inclusive.

https://www.instagram.com/p/B7oHGM_Ar_Q/

Filmado em 2016, “Vou Nadar Até Você” deixa muito clara essa vertente. Meses atrás, o Estadão noticiou que as cenas de nudez do filme fizeram com que o projeto tivesse dificuldade de captação de recursos na fase de pós-produção. A equipe do longa, no entanto, apenas diz que “Vou Nadar Até Você” enfrentou os mesmas dificuldades que qualquer outro filme brasileiro nos governos de Temer e Bolsonaro.

São tempos difíceis para a cultura no Brasil e isso torna ainda mais delicado o debate aqui exposto. Mesmo assim, silenciar não é o caminho.

A objetificação do corpo feminino e o olhar fetichista presentes em “Vou Nadar Até Você” não deveriam ser território proibido para a problematização. Esses elementos estão lá, mesmo que numa roupagem de arte. E mais: o filme fetichiza a representação da mulher nua e morta – em duas ocasiões, que estão interligadas.

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A personagem de Bruna não se chama Ophelia por acaso. Ela evoca o quadro Millais e a obra do próprio Mitteldorf. Nos anos 1990, o fotógrafo fez um ensaio inspirado em Millais, tendo a bailarina Ondina Clais como modelo. No filme, Ondina interpreta a mãe de Bruna e as fotos aparecem em cena como sendo de autoria do personagem de Peter Ketnath, o fotógrafo Tedesco – pai de Ophelia.

https://www.instagram.com/p/B8E5P6gpi1L/

Quando as fotos são mostradas, numa cena em que Tedesco as admira com ares de nostalgia, a imagem que segue é a de Bruna nua em uma banheira. Apenas seu rosto e seus seios podem ser visto. Ela toma banho enquanto se prepara para nadar até o pai. O jogo de imagens faz uma ligação entre a imagem de Ondina – observada por Tedesco – e a de Bruna/Ophelia, a filha de Tedesco.

A dinâmica do jogo de imagens é erótica e quase evoca ares incestuosos, mas o filme é inteligente o suficiente para nunca cruzar essa linha. Noutro momento, Tedesco irá se deparar com fotos de Ophelia seminua, mas ele é, em certa medida, obrigado a vê-las – o que faz com que a linha do incestuoso, mais uma vez, seja apenas quase cruzada.

Em uma outra sequência de imagens, quando Ophelia já está a caminho de Ubatuba, a personagem se hospeda numa pousada e, depois do banho, descansa seminua na cama. Nada mais natural, não é mesmo? Mas a câmera serpenteia pela cena de maneira fetichista. Antes de dar foco a Bruna, mostra desenhos de mulheres nuas na parede da pausada – que conta com uma iluminação típica de motel.

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No trajeto, Ophelia se depara com mulheres nuas dançando na praia. São imagens bonitas, fluidas, bem coreografadas e bem filmadas… mas o olhar fetichista está sempre presente.

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(Vou Nadar Até Você/Divulgação)

Curiosamente, Mitteldorf fala abertamente sobre as pinceladas autobiográficas que imprimiu no longa. Em dado momento, a mãe de Ophelia diz que Tedesco só se preocupa com a imagem das pessoas que fotografa e nunca com as pessoas em si. É quase uma mea culpa a respeito da objetificação, inserida num filme em que a objetificação é gritante. Que ironia.

Talvez numa tentativa de atenuar esse viés, o roteiro dá conta de colocar em cena um homem abertamente machista, retratado como o típico babaca assediador. Ophelia o despreza, mostrando seu empoderamento. Mas a interpretação do personagem, vivido por Dan Stulbach, é feita cinco tons acima de qualquer outro. O esforço de demarcar o quão desprezível é o machismo do personagem o torna tão caricato que ele parece pertencer a outro filme.

Ao final, “Vou Nadar Até Você” traz elementos interessantes. Tem poesia e Ophelia é uma personagem que cativa. O roteiro, a direção e a montagem, aliados à interpretação de Bruna, conseguem fazer com que a gente queira saber mais sobre a protagonista e sua trajetória. A fotografia também é bela e agradavelmente provocativa em vários momentos. Só que isso tudo não deveria ser pretexto para a hipersexualização fetichista que o filme tenta vender como arte.

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