Toda hora conta
A colunista Kika Gama Lobo reflete sobre a renovação do conhecimento e como isso tem um efeito rejuvenescedor
Ouvi isso de uma amiga que está aprendendo música. Na idade madura, renovar seu conhecimento é uma forma de juventude. Ela nunca tocou nada. Piano, violão, flauta mas decidiu que vai aprender gaita. Achei estranho. 65 anos e sem nenhuma aptidão para música então porque isso agora? Mas entendi depois que ela me explicou a razão. Quer se entregar ao novo e, sendo aprendiz, o desafio em algo que nunca fez na vida é ainda maior. E disse que toda hora conta.
Como assim? Não, ela não fica estudando por horas. Ela pensa, em seu tempo livre, também sobre gaita. No metrô, malhando, cozinhando. Gaitas vão e vem em sua mente. Sons, estilos, tipos, virtuosos, lendas da gaita. Para isso ela teve que se mexer, fuçar, procurar e sobretudo mergulhar neste incógnito mundo dos gaitistas. E deu uma de professorinha para mim. Me desafiou perguntando o que eu nunca tinha feito que pudesse gostar de realizar agora na maturidade. Mas respondi: Com ou sem vontade? Ela retrucou explicando que pouco importa. Só se jogar no desconhecido já é uma forma de aprender.
Fiquei pensando: Enfermeira? Bailarina de lambada? Cabelereira? Nunca tive vontade de exercer nenhuma das três profissões mas fiz uma simulação mental e me senti desafiada. Será que podemos ser o que quisermos? Presidente da República? Melhor não. Musa do Skate 50+? O joelho não ia gostar. Mas sabe que aeromoça, vidente ou barwoman me apeteceriam? E nessa de ficar fakeando o meu dia a dia dei uma viajada e gostei. Pensar que eu posso ser outra pessoa sendo eu mesma? Dar uma renovada no self sem perder a minha identidade?
Poderia funcionar como um estímulo e o título da coluna é a chave do negócio. Pensar sem parar em um novo ofício, ocupação, profissão. Ando querendo mudar de casca, ser outra sem pirar de vez. Uma espécie de Botox no cérebro, esticando minha vocação para o obscuro. Juventude é isso. Curiosidade, tesão, animação. E fico agora que nem doida inventando mil novas Kikas. Espero não me perder nessa jornada alucinógena porém inofensiva. Vacinada, fogosa e outra, assim ninguém me segura.