Os 130 anos de ‘O Quebra-Nozes’ confirma balé como um dos mais lucrativos
Mais do que tradição no Natal, a obra é ainda hoje uma das mais importantes economicamente para companhias e bailarinos
Historiadores comentam que Tchaikovsky não gostou particularmente de trabalhar na partitura do que viria a ser seu último balé, “O Quebra-Nozes”. Ele aceitou a encomenda do Teatro Imperial para entregar dois projetos, e um deles o reuniria com o coreógrafo Marius Petipa.
Os dois tinham feito sucesso dois anos antes com “A Bela Adormecida”, mas nem a trama nem o desafio de “O Quebra-Nozes” o agradaram profundamente. Curiosamente, justamente 130 anos depois a elogiada música do balé é uma das suas composições mais conhecidas e adoradas, como uma trilha sonora mundial para as festas de Natal.
“O Quebra-Nozes” é também uma obra nostálgica para dançarinos e a principal fonte financeira em um árido universo de recursos como o da dança. Só para se ter uma ideia, estima-se que a venda de ingressos para a tradicional produção do New York City Ballet represente pelo menos 45% do lucro anual da companhia. Esse valor é maior para companhias menores ou semiprofissionais, fazendo de “O Quebra-Nozes” uma das obras mais importantes do balé clássico.
A pandemia, por exemplo, que impediu a apresentação ao vivo e interrompeu a tradição de mais de 66 anos, representou um prejuízo de mais de 70% para a companhia em 2020. Sem o prestígio artístico de outras obras, o balé natalino garante sua importância por essa fonte de lucro.
Tudo começou quando o diretor do Teatro Imperial da Rússia, Ivan Vsevolozhsky, selecionou o tema a ser trabalhando no final do ano: a adaptação da história de E. T. A. Hoffmann, “A História de um Quebra-Nozes”, por sua vez inspirado no “O Quebra-Nozes e o Rei dos Ratos”, de Alexandre Dumas.
O balé estreou em São Petersburgo em 6 de dezembro de 1892, a pedido do czar Alexandre III, que estava presente na plateia. A música foi sucesso imediato, a coreografia, mais ou menos. O enredo foi ultrasimplificado para poder ser contado em dois anos (e um prólogo), recontando a história de Clara (ou Marie, na Rússia), uma garotinha que ganha um quebra-nozes de brinquedo e em seus sonhos ela o salva do ataque do Rei dos Ratos. O Quebra-Nozes se transforma então em um belo príncipe que a leva para a terra açucarada. Na manhã seguinte, ela desperta sozinha na sala, feliz pela noite de Natal mágica.
Na remontagem do balé, alguns anos depois, a idade de Clara foi alterada para que ela pudesse ser dançada desde o início pela principal bailarina da noite e não apenas no final, como na apresentação original. Um dos que voltou ao conceito de 1892 foi George Balanchine, cuja versão de 1954 feita para o New York City Ballet é até hoje um dos principais eventos de Natal em Manhattan.
Essa versão também foi filmada duas vezes, uma delas em 1993, com Macaulay Culkin no papel título. Mas é como negócio que “O Quebra-Nozes” mantém sua importância mesmo 130 anos depois. Aos poucos se transformou em uma peça de marketing lucrativa porque permite aplicação da marca das companhias em eventos e produtos relacionados que geram receita extra. Enfeites, sabonetes, Papais Noéis, soldados e – claro – o Quebra-Nozes.
Existem parcerias do New York City Ballet e várias lojas, desde a Tiffany a lojas de brinquedos, e estima-se que os “negócios auxiliares” possam arrecadar mais de 200 mil dólares extras. Somando os mais de 2 milhões de dólares arrecadados nas bilheterias da temporada que começa em dezembro, é o suficiente para sustentar todo elenco ao longo do ano. Não é por nada que “O Quebra-Nozes” seja apontado como a grande vaca leiteira da dança clássica, cuja genialidade é por ser associada às crianças. Isso mesmo, por conta da história infantil, o balé conta com muitos papéis de destaque feitos para o público infantil, que gosta de participar e também movimenta a compra de produtos. Uma equação vencedora.
O “Quebras Nozes” no Brasil e a primeira montagem do ícone da dança Márcia Haydèe
Além do tradicional balé ser dançado há mais de 30 anos na capital paulista pela Cisne Negro Cia de Dança, dirigida desde sua fundação pela saudosa Dona Hilda Bittencourt e hoje pela sua filha Dani Bittencourt, no final de 2022 pela primeira vez o famoso balé foi destaque no repertório da maior companhia de dança do país, a São Paulo Cia de Dança.
Um momento especial e aguardado pela diretora artística da Cia Inês Bogéa e seus bailarinos. Inês esperou e desejou esse ballet para SPCD por 15 anos e queria que o mesmo fosse coreografado pelo ícone da dança mundial Márcia Haydèe, ela fazia questão.
“Ela sempre dizia que não, até que esse ano ela me perguntou o que fazer e eu disse que ela saberia quando chegasse ao Brasil. Márcia me ligou uma noite e disse que havia sonhado com o balé e que já tinha todas as ideias, foi emocionante, e às vésperas da companhia completar 15 anos”, lembra Inês.
A companhia apresentou em São Paulo “O Quebra-Nozes no Mundo dos Sonhos“, uma releitura do libreto de E.T.A. Hoffmann (1778-1822) que narra a experiência de dois irmãos em uma noite de Natal especial, quando um boneco quebra-nozes ganha vida e os conduz em uma jornada inesquecível por um reino mágico e dançante.
O popular conto natalino, nesta versão de Márcia Haydée, levou para o palco do Teatro Sérgio Cardoso referências do nosso país, com passagens por mundos da capoeira, do samba, das danças urbanas e claro, do balé clássico. A história, assim como no original de 1892 por Marius Petipa (1818-1910) é conduzida por uma das composições mais famosas de Tchaikovsky (1840-1893), unindo a tradição do balé à inventividade de Márcia uma das mais importantes artistas do país a fazer carreira na Europa como diretora de dança e primeira-bailarina.
“Encerrar a nossa Temporada Cor do Arco-Íris com esta obra de Márcia e estar ao lado dela é uma honra e um grande prazer, tanto para mim, quanto para a São Paulo Companhia de Dança. É uma obra especial, emblemática do nosso imaginário, na qual todos são tocados pelo tempo de Natal. Que o público sinta a brasilidade da obra e que a mesma possa colorir a vida das pessoas que se deixam tocar pela arte e pela dança”, afirma.
Curiosidades da obra de Márcia Haydèe
Os irmãos mais implicantes da história dos balés de repertório, apresentou nesta versão uma relação de companheirismo e carinho – além de levarem os nomes dos bailarinos que os interpretam. Drosselmeyer, o padrinho excêntrico de Clara, é um inventor com uma oficina cheia de elementos mágicos, inspirado no avô de Márcia. No Reino das Luzes, eles foram levados ao Mundo dos Sonhos e foram recebidos por Vega, a estrela mais brilhante da constelação.
“Foi um grande prazer receber esse convite da Inês para montar meu primeiro Quebra-Nozes e o primeiro da Companhia. Depois de tudo que o mundo passou nos últimos tempos, quis trazer um pouco de alegria por meio da arte, em uma versão que traz muito da minha história e com referências ao meu país de origem, que é o Brasil. Quis fazer um Quebra-Nozes brasileiro, assim como somos. Quando cheguei aqui e me reencontrei com esses bailarinos pelos quais tenho tanto carinho, tudo fluiu e a história se construiu na sala de ensaio, a partir deles”, conta Márcia.
Posso afirmar que a montagem de Márcia emocionou ao teatro lotado, inclusive a mim e a Naiara Taborda, minha companheira de paixão pelo balé, de CLAUDIA e também dessa apresentação de O Quebra Nozes. Foi muito especial! A nossa dica… Minha, da Naiara e da Ana Cláudia Paixão, é… Vejam “O Quebra-Nozes” em todas épocas do ano, todas as suas montagens e essências, pois é um dos balés mais lindos do mundo. Ele nos inspira, envolve e nos aproxima do amor e, principalmente, do nosso amor pela arte da dança e da música.