Hoje vamos conhecer um pedacinho da história recente de Dona Esmeralda Maria de Jesus, 89 anos. Ela vive em Volta Grande, zona Rural de Guapé, Minas Gerais, e é avó da fotógrafa Lucí Sallum, cujas imagens reforçam meu mantra de que a velhice pode ser bela.
O relato que vem a seguir é da própria Lucí, que vive longe da avó e enxerga o projeto com uma espécie de homenagem e um resgate familiar.
“Há aproximadamente 4 anos, ela começou a ter sinais de demência senil e passou um tempo em Belo Horizonte para tratamento. Como ficou na casa de uma das filhas, eu pude acompanhá-la mais de perto. Foi neste momento que resolvi registrá-la em fotos e vídeos, porque sempre tivemos um carinho grande uma pela outra. Devido à demência ela começou a repetir algumas histórias engraçadas, e eu sempre pedia para ela contar novamente, ficávamos rindo. Na mesma época, comecei a estudar fotografia e ficava testando com ela. O que se parecia um estudo, na verdade era um resgate de quem ela era e, também, uma despedida, porque eu sabia que essas memórias não durariam mais, ficávamos dias inteiros conversando sobre vários assuntos da infância e juventude dela, das histórias da nossa família e sobre a percepção que ela tinha de tudo.
Ela sempre foi muito engraçada e as respostas sempre me faziam dar gargalhadas. Tem um episódio que ela sempre repetia, quando via minhas tatuagens e dizia que iria tirá-las com soda cáustica. Em seguida, ela falava: ‘Imagina você lá no médico tendo filho’ e, imitando o sofrimento do parto, ponderava sobre meu corpo nu rabiscado. Neste momento, eu pensava que era engraçado como a nudez para ela era uma questão e que ela só se colocaria de frente a uma pessoa estranha e vulnerável se fosse em um parto.
Ela dizia sobre um amor antigo, perdido para a melhor amiga. Dizia sobre como não compensou correr atrás do amor do meu avô. Relembrava todos momentos de tensão que ela guardava atrás de uma capa de sobrevivência na roça, sempre muito forte e decidida para enfrentar o mundo que viesse pela frente. Repetia o nome e a importância de cada um dos oito filhos como se tentasse não esquecê-los. Todas estas questões me fizeram refletir muito sobre a construção do eu, a existência da personalidade através da memória, sobre velhice e tempo, sobre tantas camadas que existem num corpo sagrado e como nossa sociedade ignora os mais velhos.”
Hoje dona Esmeralda, que ganhou um perfil-homenagem no Instagram (@o_esquecimento_de_esmeralda)
Em função da Covid, a Lucí não pode continuar se encontrando com a avó e hoje só a vê quando vai para Guapé. “O distanciamento foi me deixando triste e não acessá-la é um desconforto, porque o lado traquino e debochado dela não existe mais”, lamenta.
Ainda segundo Lucí, o start para este trabalho, que lhe traz muitas dúvidas sobre até que ponto pode e deve expor uma pessoa que “não está presente” veio de uma conversa com a artista Aline Motta, cujo trabalho de resgate de ancestralidade é importantíssimo. “Ver o trabalho dela me fez ver o quão importante são as histórias que nos constroem”, finaliza Lucí.
Para ver mais histórias com esta e acompanhar minha “curadoria de avós e avós”, acesse nataliadornellas.com.br ou @nataliadornellas, no Instagram. Ah, e se conhecer personagens que mereçam ter suas histórias contadas a plenos pulmões, me deixe saber.