Destreza no crochê marcou a trajetória da Dona Cecé de Caeté
Natália Dornellas relembra o dia em que conheceu a a vovó Cecé, conhecida por dominar a arte do crochê como ninguém
Hoje eu vou falar de uma paixão antiga. Dos tempos em que eu escrevia sobre moda, usava franja e acreditava que um look podia salvar o dia (coitado do look!).
O ano era 2012 e numa passagem por Caeté, cidade pacata das cercanias de Belo Horizonte, me deparei com uma casa cor de rosa e, à porta, a dona Cecé, uma senhorinha sorridente de chapeuzinho de crochê, conhecida na região por sua destreza com as agulhas.
Não sei bem se foi só a hospitalidade mineira ou outra força que conduziu essa história, mas fato é que eu e mais três amigas, que íamos ali perto comprar uma rosca, acabamos entrando pela varanda de Cecé, sentando em seu sofá vestido de crochê e tomando de sua água que vinha de um filtro de barro, também meticulosamente trajado com um modelito dessa arte tão popular no interior.
Passaram-se anos, e eu juro que de tempos em tempos eu perguntava para minha amiga de Caeté se ela tinha notícias de dona Cecé. Sempre muito apertada de costura, Nara Terra, uma artista que merece outra coluna, mas é novinha demais pro Conversa de Vó, me contava que o que se falava era que Cecé havia se mudado para a capital para ficar mais perto dos filhos, pois a idade vinha avançando.
Neste Natal da Covid, tentei pegar meu “corona bônus” e falei mais uma vez com a amiga Nara. Disse que agora, mais do que nunca, saber de dona Cecé seria um presente pra mim. A notícia veio rápido, de uma sobrinha, que por acaso ou não é gerontóloga e ama os velhos como eu: Dona Gisélia Dutra de Oliveira, de 96 anos, a famosa vovó Cecé de Caeté vive hoje, em Belo Horizonte, num residencial sênior que fica a poucos metros da casa da filha, na região do Planalto.
Ao telefone eu conversei com Sandra, uma mulher forte e simpática de 73 anos que me contou o que naquela excursão dos sonhos eu não fazia ideia. Sua mãe, uma espécie de filha para ela, passou a vida enfrentando problemas psiquiátricos graves e foi o crochê que a salvou, ou distraiu. Sandra ainda me disse que das agulhas hoje dona Cecé não sabe mais nada, mas que tem repentes de memória e adorava receber as visitas (quando era permitido) com seus chapéus feitos de crochê. Eu também não sabia que ela virou queridinha de uma família tradicional mineira e vestia de crochê qualquer coisa que tivesse um formato e com isso fez até um pé de meia.
Se tudo der certo, quando isso passar, Sandra vai falar com os irmãos e me levar para visitar sua mãe. Luxo na vida pra mim é isso.