Voz feminina: o preço e a recompensa por se falar o que pensa
Ao não ouvirmos opiniões diversas ou não considerarmos a colega ao nosso lado, criamos um ambiente de comunicação restrito
Sou uma mulher negra de pele branca, filha de mãe negra e pai branco. Cresci em um ambiente de ambiguidade e preconceito, e perdi a conta de quantas vezes assumiram que minha mãe era minha babá. Hoje sou líder do negócio de Fertilidade da Merck no Brasil, e também embaixadora do WIL (Women In Leadership), programa global da empresa que abre espaço para mulheres em cargo de liderança. Cheguei aqui porque, além de oportunidades, é claro, eu fui criada para ter uma voz. Para ter opinião. Para me colocar em qualquer situação. Mas essa mesma voz que me trouxe até aqui, colocou obstáculos no meu caminho.
Com 12 anos, meus pais me levavam a debates no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, sobre os mais diversos temas. Eu pegava o microfone, ia para a frente do palco e dava minha opinião, argumentava, discordava. Tudo isso sob o olhar incrédulo dos adultos, mas de admiração dos meus pais.
Dar minha opinião e me posicionar sempre foi algo natural para mim e, muito cedo, percebi que essa atitude gerava espanto, admiração e consequências. Ao falar no colégio, em grêmios escolares, em diretórios acadêmicos ou em trabalhos sociais, empunhando um megafone na Cinelândia, notei que a naturalidade para falar não era compartilhada pela maioria das mulheres.
Foi no mundo corporativo que confirmei que minha postura era mesmo diferente, e poderia ser um problema. Mas não exatamente pelo meu jeito, por minhas características e nem mesmo por aquilo que eu falava, só por ser mulher. Uma mulher com perfil de comunicação forte, transparente e objetivo. Atributos admirados e tão presentes nas lideranças masculinas. Mas homens são fortes, decididos, claros. Mulheres? Difíceis!
Um estudo realizado pela Thomas International, consultoria de recrutamento e desenvolvimento, com 276 gestores na América Latina revelou que líderes femininos e masculinos não têm diferenças estatisticamente significativas em sua personalidade e inteligência emocional. Então não se trata de traços comportamentais distintos, como alguns ainda defendem, é a forma que interpretamos as atitudes que está cheia de vieses, conscientes ou não.
Dura, grossa, insubordinada, inadequada, difícil. Esses são os adjetivos que sempre me acompanharam. Mas foi minha voz que me trouxe até aqui hoje e que me dá a possibilidade de mudar esse cenário. Hoje na Merck me perguntam o que vou fazer como embaixadora do WIL. Brinquei que o ponto central do plano de governo será estimular que outras mulheres se posicionem, ocupem seus espaços de discussão nos diferentes níveis e fóruns. Que falem sem medo.
Cansei de ver mulheres evitando falar o que as incomodava ou mesmo de expor suas opiniões embasadas e profissionais. Eu, então, as questionava: por quê? Algumas justificativas começavam com o outro: “Ele é meu chefe” ou “Ele não gosta de ser contrariado”. E depois voltam para si: “Não tenho coragem”, “Não serei bem interpretada”, “Pode parecer frescura”. Será simples assim?
Ao não ouvirmos opiniões diversas ou não considerarmos a colega ao nosso lado, criamos um ambiente de comunicação restrito e, ao mesmo tempo, limitamos as visões sobre um negócio, sobre um produto, sobre um projeto e, acima de tudo, limitamos as pessoas, deixando de abrir espaço para que todos possam atingir seu máximo potencial.
Sair desse ciclo é uma tarefa de todos. Homens, com olhar atento sobre suas próprias atitudes e espaços de escuta genuína; mulheres, com empatia, sororidade e de mãos dadas para dar força e coragem para outra. Ao longo dos meus 45 anos, não houve um minuto sequer que me arrependesse de me posicionar sobre o que acredito. Ainda mais quando consigo apoiar e estimular outra mulher a quebrar esse ciclo, e ao vê-las também sendo agentes de mudança. Custa caro? Custa sim, mas é recompensador.