Em tempos de PEC, levamos A Reforma das Mulheres à Brasília
Enquanto discutem a reforma da Previdência, parlamentares e o governo recebem o dossiê de CLAUDIA. Ele indica direitos que as mulheres querem em 6 áreas
Brasília está tensa. O ambiente pesado. Sentimos o sinal desses dias nevrálgicos quando os olhos arderam e as narinas começaram a travar, no corredor de acesso à sala da Comissão Especial da Previdência, que discute a reforma na Câmara. Era o nosso segundo dia de périplo na capital federal, e às 9h30 de quinta-feira (4/05) ainda permaneciam no ar os restos de spray de pimenta e bombas de gás disparados pela polícia legislativa na batalha da madrugada contra os agentes penitenciários – que ficarão fora do time de policiais a se aposentar aos 55 anos, caso vingue a PEC 287/2016. A diretora de CLAUDIA, Tatiana Schibuola, e eu, carregávamos bolsas e sacolas cheias de exemplares do dossiê A Reforma das Mulheres.
Nosso propósito: convencer o Congresso Nacional e a Presidência da República de que, antes de mais nada, as brasileiras precisam atingir cidadania plena. Sem ela, o peso de aposentar mais tarde (e, pior, contribuindo por 10 anos além da obrigação atual, totalizando 40 anos) será injusto e impraticável. Por isso, propusemos aos parlamentares e à Presidência da República mecanismos garantidores da execução das leis de equidade de gênero já existentes. Elas devem ser respeitadas e executadas e dependem, para isso, de vontade política e recursos público onde eles não aparecem. Indicamos a criação de outras leis, pelas quais as mulheres lutam há décadas, como se verá no link do dossiê, que discute a necessidade de avanços em seis áreas: família, saúde, trabalho, violência, educação e política.
A nosso pedido, a deputada Shéridan Oliveira (PSDB-RR), presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, reuniu parlamentares para um encontro. Dezenove deputadas ouviram atentamente quando lembramos um episódio inédito que mudou a história das brasileiras: era 1987, quando mulheres do país inteiro chegaram a Brasília para reforçar a bancada do batom – formada pelas 26 bravas parlamentares de então. Com o ruidoso apoio da caravana, as 26 entregaram a Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, um caudaloso documento exigindo banir das nossas vidas tudo o que nos impedia de crescer, ser livre e independente. Graças ao lobby do batom, a Constituição de 1988 assegura que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Até ali, mulher era pouco mais que um bichinho de estimação; um objeto de uso masculino; propriedade privada; pau pra toda obra; obreira silenciosa e – como os aduladores rotulavam – a “rainha do lar”. Pobre rainha.
Ulisses recebeu a “Carta da Mulher Brasileira aos Constituintes” e discursou que ela mudaria para sempre a condição da mulher. Imagine: isso só foi firmado em 1988! O fato é que aquela bancada feminina tão pequena azucrinou, explicou, fez piquete, doutrinou seus colegas constituintes até eles incluírem avanços como a licença maternidade de 120 dias, a licença paternidade de sete dias e a proibição da discriminação em razão do sexo, entre outros marcos muito importantes.
Na tarde da última quarta-feira (3/5), revelamos nossa expectativa: que as parlamentares influenciem os homens do Congresso, pois são eles, majoritários, que decidem a vida de todos e podem tornar as leis de equidade de gênero uma rotina. Ressaltamos a urgência de pôr fim ao assassinato de mulheres, aos estupros, ao racismo institucional que penaliza as negras. Ao fim do casamento de meninas, da gravidez precoce, do assédio sexual, do assédio moral no trabalho. Conversamos sobre a necessidade de descriminalizar o aborto, de incluir a discussão de gênero na sala de aula, de garantir o acesso da mulher ao comando das empresas e aos postos-chaves da nação, onde são tomadas as principais decisões. E também sugerimos instrumentos legais que possibilitem maior participação das mulheres na política. Não podemos continuar com 12% de mulheres no Congresso.
Então, a caixa preta se abriu: as deputadas contaram como os caciques das bancadas tentam tourear seus votos, suas ações. E elas bradam, resistem, como nos contaram. Também apontaram a luta da bancada feminina pelas dez matérias prioritárias para os direitos das mulheres.
Visitamos o fluminense Miro Teixeira, da Rede, partido que tem só quatro deputados. Ele é um homem experiente, com 11 mandatos. Folheou o dossiê. A ele dissemos da importância de aprovar lei que reserve cadeiras (cotas mesmo!) para as mulheres no parlamento. O ideal seria assegurar 30% de vagas na Câmara. Ele, acolheu nossas reflexões, falou de suas propostas para a reforma política e afirmou incrédulo: “Cotas não devem passar aqui”.
Andamos pelo Senado, entregando A Reforma das Mulheres ao vice-presidente da casa, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), já que o presidente Eunício Oliveira (PMDB-CE) estava afastado, cuidando da saúde. Conversamos sobre a mulher rural, que trabalha de segunda a segunda, sob chuva e sol, na plantação, no curral, em casa e – o que ele concorda – deve ter regime especial de aposentadoria.
Almoçamos com a senadora Ana Amélia (PP-RS). A ela ressaltamos que as brasileiras contribuem com a Previdência, em média, por 22 anos, e será quase impossível pagar por quatro décadas. A maioria se aposenta por idade esticando a corda ao máximo para contribuir por 15 anos. Isso ocorre porque a mulher tem uma carreira intermitente (abandona o emprego várias vezes para cuidar dos filhos, dos velhos e doentes da família); se ocupa em atividades informais, sem carteira assinada; é a primeira a ser demitida em momentos de crise. Cerca de 50% das mulheres jamais conseguirão se aposentar. Ela lembrou que as relações de trabalho estão se modernizando e é preciso atualizar a Previdência. Ok, concordamos. Mas, para reformas tão profundas, é necessário ouvir com atenção as mulheres e a sociedade. E observar as peculiaridades de gênero.
Alcançamos o senador paranaense Álvaro Dias, líder do PV, saindo do restaurante. Dá-lhe dossiê. “Por favor, senador, leia.”
Para o paulista Carlos Zarattini, líder da bancada do PT na Câmara, fizemos as contas: a mulher trabalha 5 anos e quatro meses a mais que o homem. Os cálculos foram feitos sobre a média de 22 anos de contribuição à Previdência. Somando a lida na casa com a externa, chega-se a esses 64 meses de sobretrabalho feminino.
O resultado: as mulheres estão muito cansadas e assoberbadas. Embora mais escolarizadas, poderão sofrer maior empobrecimento com a PEC. Ainda comentamos com Zarattini a situação das negras, as primeiras a serem demitidas, as que ganham os piores salários, são a grande parte das chefes de famílias. Quase não contam com creches: das 10,3 milhões de crianças de 0 a 3 anos, 83% vivem só com a mãe ou a avó. Do total, apenas 25,6% dessas mulheres encontram vagas para seus bebês.
Até quinta desta semana (11/5), CLAUDIA continua a andança por gabinetes de parlamentares. Antes, porém, de voltar para São Paulo, subimos ao segundo andar do Palácio do Planalto. No diálogo com Marcio Freitas, secretário de Comunicação Social da Presidência da República, ele tentou explicar que as mudanças na Previdência darão frutos em 20 anos. Tatina Schibuola, entregando o nosso caderno de capa branca, mencionou as necessidades urgentes que as brasileiras apresentam. “Por favor, secretário, leve ao presidente. Esperamos que os senhores se sensibilizem com as causas das mulheres”, disse ela.