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Patrícia Zaidan

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Coluna da jornalista e psicóloga Patrícia Zaidan: atualidades, feminismo, direitos humanos

Amando e odiando como nossa mãe

O filme de Laís Bodanzky, Como Nossos Pais, é uma provocação às mulheres que ainda não revisaram a delicada e turbulenta relação entre mãe e filha

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Atualizado em 6 set 2017, 18h18 - Publicado em 6 set 2017, 17h50
Rosa (Maria Ribeiro) e sua mãe Clarice (Clarisse Abujamra) (Divulgação/Divulgação)
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Vou tentar escrever este texto sem usar a palavra culpa, mesmo sabendo que ela está no centro, emperra tudo e impede a evolução pessoal. Ponho de lado as qualidades de minha mãe – que são muitas. Na verdade, falo mais de mim mesma do que dela.

Assisti sozinha ao filme de Laís Bodanzky, disposta a refletir. “Aí vêm dardos”, pensei. Como Nossos Pais tem cenas sutis. É uma obra bonita e necessária, porque não temos o hábito de discutir a relação entre mãe e filha sem filtros. Há um impedimento social, uma proibição familiar dissimulada e também uma autocensura muito grande. Tocar na mãe equivale a atirar no sagrado. Quem tem coragem? Mas é preciso. Acho que uma mulher torna-se mulher por inteiro somente quando consegue romper com sua mãe interna – nem parir um filho proporciona a ela cisão tão libertadora. O que nos faz adulta é zerar a mãe que fala dentro. Se isso não acontece, olha lá a gente repetindo com a filha o que odiou ver na mãe.

Eu me lembro de sentir a esquisitice por não gostar das mesmas coisas, não parecer firme ou admirada quanto minha mãe. Preferi uma atuação do lado do avesso na tentativa de me equiparar. Sendo de outra falange de mulher, quem sabe me sobrasse algum espaço? São duas verdades em choque no octógono do UFC. Danosa competição, que, se vai notar mais tarde, não é tão desastrosa assim. Mas na hora do embate dói: “Como disputar com ela? Vou perder”.

Para uma criança, é profundamente incômodo ver o irmão como o filho de sua mãe e a si própria como a antagonista. Um menino é incensado; dele se perdoa tudo. O endeusamento recai sobre o diferente, pois a mulher não conhece o homem, mesmo aquele que ela gerou. O masculino é o mistério. Da menina, a igual, pode-se exigir. “Sei de que tecido você é feita. Eu suportei, você suportará também,” diz a mãe em palavras ou em atitudes. Da filha, se espera que tenha as costas grandes, como as da matriarca, que carregue todo o peso de si própria, o da casa, o fardo dos outros… e que perdoe, cure, sirva. É nesse posto – nos ensinam – que moraria a virtude. Não, não mora. Isso é falácia de quem não rompeu com a imagem da antecessora e quer repassar o castigo.

A história de uma mulher é única. Não se repete na filha; tomara que ela construa a própria – aqui mora a falácia número 2. Na real, eu espero que a minha menina seja o legado, que abra um mar, finque a lança e diga a que veio. Exigência que se imporia a uma heroína, não? Pois é isso que a gente faz sem perceber.

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O almoço, como nas nossas casas (Divulgação/Divulgação)

Nem entrei ainda no capítulo “A Chegada do Homem da Nossa Vida”. Em geral, ele é o mesmo. O caminho feito pela mãe na busca do homem tende a ser idêntico ao da sua herdeira. Repetimos. No filme de Laís Bodanzky, Rosa, personagem de Maria Ribeiro, poupa o pai, cuida dele maternalmente, perdoa os deslizes. Sua mãe, Clarice (Clarisse Abujamra), o infantilizou primeiro. Rosa casou com um sonhador; como é o marido da mãe. Clarice faz-se mastro da família; Rosa idem. Ambas estão exaustas! O filho mais velho é silêncio e incógnita, protegido por Clarice até das acusações feitas a ele pela esposa. O almoço no quintal é o clichê da maioria das casas onde acontecem o exercício do sarcasmo e do sadismo e a conversa dura sobre coisas que ficaram muito tempo por dizer. O almoço, o jantar, a mesa, o ringue. Por mais que o amor esteja por ali.

A rivalidade que Rosa aprendeu como forma de interação com a mãe perpassou a infância, a adolescência, atravessou a vida adulta de ambas e já vai transbordando sobre as duas filhinhas. De certa maneira, a mulher mais velha imputa à mulher mais nova a perda da juventude, o que deu errado, o que não se realizou, o impossível de ser preenchido. O desamparo sentido ao largar o útero quente nos persegue.

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As mães mentem. Mentem que não têm desejo. Mentem que não têm amantes. Mentem que não traem a si próprias. Mentem sobre ser corretas sempre e sobre o sofrimento. Alguém tem de pagar a conta. A menina paga – mostra o filme de Laís. Como todo lado tem dois lados, a oposição cessa quando entra na roda a fraqueza, a doença. Uma leoa socorre a que fraquejou. É impressionante. Precisamos ver alguém fraco ou dependente de nós. Aí, a ameaça dá uma trégua, o afeto sela o envolvimento. 

Sobre o turbilhão de emoções que costuma ocorrer entre as duas mulheres, há uma explicação que me aquieta: a filha exercita a autodefesa e treina o ataque, com um pouco mais de conforto, no terreno seguro. Ela sabe que pode odiar, bater pesado em quem, depois, a entende e consola. Se pudesse escolher o melhor retrato de Como Nossos Pais, a foto seria a da busca do terreno possível e seguro. Para errar e para amar.

 

 

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