Sobre ser a outra
Num contexto de relacionamento aberto, ninguém comenta sobre a experiência afetiva de quem “sobra”
A discussão sobre os “novos” formatos de se relacionar e como manifestar afetos está em alta. Porém, o debate tem girado em torno da dinâmica dos casais que vivem a realidade do relacionamento aberto — mas alguém já parou para se perguntar quais são os riscos de estar do “outro lado”?
Eu tive um envolvimento intenso com um homem casado e com filhos que vivia uma relação aberta. No começo, era leve e descompromissado. Nos conhecemos num ambiente de autoconhecimento, o que me deixava confortável por parecer algo verdadeiro e sem necessidade de enrolação. Afinal, ele vivia um sistema que indicava certa maturidade emocional. Mas a brincadeira se transformou em paixão avassaladora.
Eu nunca soube quais eram os acordos deles, mas sentia que a expectativa não era o poliamor. A mim sobravam as aventuras nas horas vagas e as longas conversas em horário comercial. No fim, quem vivia a dinâmica de uma relação aberta eram eles, não eu. E quem disse que eu queria fazer parte desse modelo? Mas já estava apaixonada o suficiente para entrar numa trama que me custou caro emocionalmente.
Um dia, fomos viajar. Durante a incrível experiência, ele teve uma espécie de crise de consciência e tudo desmoronou. Ele silenciou e mal se despediu de mim no aeroporto. Nossa relação se tornou um dilema e ele tomou a decisão de que não havia espaço para tanta intimidade. Seu compromisso nunca foi comigo, porque me fez a “outra” da relação aberta. Nunca houve espaço real para os sentimentos ou algo que contemplasse a presença de mais alguém nessa intensidade. E eu também não queria ser a “outra”. Estava envolvida demais para ocupar somente os espaços vagos da sua agenda.
Nunca houve espaço real para os sentimentos ou algo que contemplasse a minha presença nessa intensidade.
Caroline Apple
Mesmo assim, eventualmente, nos falávamos, nos reaproximávamos. E quando eu me sentia enrolada de novo, soltava algumas “verdades” e sumia. Mas voltava. Eu o amava e acreditava que era recíproco — talvez não da forma que eu gostaria. Meu desejo de estar com ele e todas as atitudes dele de estar presente não me deixavam esquecer.
Quando ele entrou no processo de separação, me mandou mensagens e parecia me querer por perto. Recebi numa madrugada um “Queria estar com você”. Naquele momento, imaginei que era a chance de vivermos a nossa história. Mas não. Depois de perceber, novamente, que ele não queria nada comigo, eu disse: “Nossa história acabou”. E ele respondeu: “A história que você mesma criou”.
Demorei para assumir que ele tinha razão. Mesmo não tirando a responsabilidade dele de ter alimentado tanta coisa em mim, estava tudo dito. Passei quatro anos turbulentos com um amor não correspondido. Não que isso vá acontecer com todo mundo, mas existem, sim, riscos de se envolver com alguém que está numa relação aberta — e eles precisam ser ditos para que possamos tomar decisões de autocuidado.
Homens nessa configuração já têm seus arranjos que podem não contemplar um relacionamento paralelo que dure mais que saídas esporádicas. Por isso, cuidem-se.