Minha nudez é sua, Jabor: uma carta de despedida
Um adeus ao diplomata, jornalista, cineasta e cronista que nos conquistou
Eu te amo Arnaldo. Ah! Que lástima a sua partida, Arnaldo Jabor. Fiquei sem chão. Sou de excessos, então não se espante se essa crônica for intensa mesmo sem ter tido com você um amor de berço. Aprendi a gostar de você ao longo da vida. Eu, vez por outra esbarrava em sua obra dentro da minha casa. Prateleiras que traziam seus livros. Buscava, no tédio da pandemia, antigos filmes seus. Estava sempre dando de cara com sua verve feminina.
Ah, você pode ter sido diplomata, jornalista, cronista, cineasta, mas acho que seu maior talento era conhecer-nos. Uma espécie de templo de Delfos, onde no pórtico do seu coração está escrito com sangue: eu conheço as mulheres e assim me conheço. Uma autofagia do ser. Você parecia canibalizar nossos sentimentos e se nutrir da vida das mulheres para seguir errando. Sim, você mostrou o exílio de nossas mentes. Vagamos com você em seus filmes, contos, falas e textos. Éramos putas e santas. Mocinhas e bandidas. Escrotas e fofas. Você deve isso ao Nelsinho, né.
Seu bebedouro tinha nome e sobrenome: Nelson Rodrigues. Juntos fizeram misérias maravilhosas. Quando li o seu obituário, mandei um ‘zap’ para uma amiga fogosa na certeza de que ela me diria o quanto estava triste. Disse mais. “ Kika, me arrependo de não ter dado para o Jabor”. Isso diz muito da nossa gratidão.
Queríamos todas, ou pelo menos a grande maioria, ter deitado com esse homem e misturado salivas com lágrimas, esperma com suor. E num balé de corpos, dançaríamos a exaustão o nosso Bolero de Ravel em sua repetida orquestração melódica até atingir o clímax. E, parafraseando você, o problema do sexo é que ele pode virar amor e o problema do amor é que ele poder virar amizade. No meu caso, você será sempre um grande amigo. Vai em paz.