Aprendizado tardio
Dizem que se não sentimos o peso do meio século de vida, sexagenar dói
Rumo aos 60. Dizem que se não sentimos o peso do meio século de vida, sexagenar dói. Tem o lance de virar de fato idosa. A gratuidade nos transportes públicos, nunca mais ser chamada de você, fazer check up de seis em seis meses e não mais quando quiser, pensar ainda mais em testamento, patrimônio, fazer roleta russa mental e intuir qual amigo vai partir primeiro e, é claro, despedir-se do que um dia entendíamos por nós.
Ué Kika, pirou? Você não é a tal que brada que ser jovem é um estado de espírito? Casa de ferreiro, espeto de pau? Pois é, me deu um baque. Aliás, a semaninha começou pesada. O desaparecimento duplo dos ambientalistas, a senhora carioca e sua diarista, ambas degoladas pelo pintor, esse frio norueguês e aquela perfeita desordem carioca onde nada muda, só o terror.
E aí eu me pergunto: o tempo voou e eu não aprendi corretamente quando podia mudar? Teria mudado para São Paulo? Escrito um livro? Teria me separado antes? Vendido o apartamento da mãe e ido nós duas morar juntas, exercitando nossos dissabores? Perdões sussurrando, expiando culpas?
Essa geração-sanduíche que existe para cuidar de filho jovem e ainda supervisionar os pais doentes é para os fortes. Tô nesse rolo compressor. Nem sei como meu coração não sai pela boca. É tanta palpitação, dor de cabeça, borboletas no estômago que nem precisamos achar que é covid longa. Não. É perrengue mesmo. Deveria haver faculdade de vida. A cada dez anos voltar para os bancos escolares e analisarmos – tim-tim por tim-tim nossas rotas. E o dever de casa seria mudar o caminho. Todo.
Tenho certeza que não nos perderíamos em demasia. Seria uma espécie de GPS acadêmico. Uma prova de vida, literalmente. Eu quero. Onde vende isso?