“A Dama do Lago”, com Natalie Portman, aborda terror do feminicídio
Atriz estreia no Streaming com uma adaptação do best-seller de mesmo nome e que fala de dois crimes que marcaram os Estados Unidos no final de 1960
O talento de Natalie Portman como atriz foi elogiado desde sua estreia, aos 13 anos, no filme de Luc Besson, O Profissional. Trinta anos depois, com um Oscar e outras indicações, ela é certamente uma das grandes estrelas do cinema, tendo feito filmes de comédia, drama, suspense e aventura. E em julho de 2024, ela “estreia na TV”, ou melhor, no streaming, com a série de suspense A Dama do Lago, que é destaque na plataforma da Apple TV Plus para o dia 19 de julho.
Quem viu o trailer já pescou que, pelo menos em termos de marketing, a produção soa como uma volta ao universo de terror e drama de Cisne Negro, seu trabalho mais reconhecido pelos críticos e que lhe rendeu o Prêmio de Melhor Atriz em 2010. Mas não é.
A série é mais uma combinação de true crime, best-seller e TV, um veículo perfeito para Natalie. Isso porque reúne vários temas relevantes em torno de dois feminicídios que movimentaram os Estados Unidos no final dos anos 1960, assim como reflete os passos do movimento feminista da época.
O título da série não é por conta da lenda comum de histórias de terror, mas por causa de um crime real que aconteceu em Baltimore.
A Dama no Lago, alude ao mistério que cerca a morte de Shirley Parker, uma mulher negra de 33 anos que foi encontrada morta na fonte do reservatório Druid Hill Park e que foi praticamente ignorada pela mídia na época.
A trama também aborda o desaparecimento e assassinato de Esther Lebowitz, uma menina branca de apenas 11 anos, que obteve cobertura nacional.
Essa diferença entre as duas faz parte essencial do drama da série, assim como fez no livro que é a base da história, que destaca o drama de pessoas frequentemente esquecidas e o impacto das desigualdades sistêmicas ainda relevantes hoje.
Com algum spoiler potencial, vale falar dos crimes que inspiraram a série. No livro A Dama do Lago, a autora Laura Lippman nos faz seguir Maddie Schwartz (Portman), uma dona de casa de meia-idade que deixa o marido e o filho para seguir carreira no jornalismo.
Maddie se envolve na investigação do desaparecimento e morte de Cleo Sherwood (Moses Ingram), uma mulher afro-americana cujo corpo foi encontrado em uma fonte.
Com uma estrutura narrativa não linear que traz várias perspectivas (incluindo a dos mortos), o romance explora temas como raça, gênero e mudança social durante um período turbulento da história americana, os anos 1960, marcados pela luta dos Direitos Civis e do Movimento Feminista, sendo que a determinação de Maddie em se reinventar e libertar-se das expectativas da sociedade é um tema central.
A verdadeira história de Shirley Parker, a Dama do Lago
Na noite de 02 de junho de 1969, uma equipe de manutenção foi acionada no reservatório Druid Hill Park, em Baltimore, para substituir as luzes queimadas da fonte no meio do lago.
Acidentalmente, quando o local voltou a ser iluminado, um dos funcionários descobriu o corpo de uma mulher em estado de decomposição. Era o de Shirley Lee Parker, uma mulher de 33 anos e duas vezes divorciada, mãe de dois meninos, dada como desaparecida desde abril.
O corpo dela estava de bruços em cerca de meio metro de água, vestida com calça marrom, blusa amarela, laranja e branca e botas marrons, os trajes exatos das últimas vez que foi vista com vida, quando saiu com alguns amigos.
Naquela noite, ela descobriu que seu namorado na época, Arno West, não apenas era infiel, como usou o dinheiro dela para comprar presentes para a amante.
Testemunhas relataram que o casal teve uma “discussão acalorada” depois que Shirley descobriu a verdade e, segundo Arno, para “se refrescarem”, saíram para uma caminhada da qual ela jamais voltou.
Segundo o relato dele, depois de iram a um bar, Shirley pediu para descer do carro para passear pelo parque e ele, “preocupado”, a seguiu e tentou convencê-la de “não nadar no lago”.
Segundo sua declaração à polícia, ele deixou Shirley em casa, mas a mãe dela afirmava que ela nunca voltou. O detector de mentiras confirmou que o relato era falho, mas a polícia o liberou, porque nenhum crime real foi cometido.
O desaparecimento de Shirley Parker gerou comoção na comunidade negra de Baltimore, com informações desencontradas.
Apenas uma médium da cidade afirmou que estava recebendo vibrações e que a morte de Shirley “revelaria em breve um dos crimes mais horríveis da história”. Nas buscas de três semanas, a polícia fez buscas no local sem encontrar nada, muitos acham que porque buscavam no lago e Shirley foi encontrada na fonte.
Como veremos na série, com Cleo Johnson, para sustentar seu filho (um estava com ela e outro com o ex-marido, na Pensilvânia), Shirley Parker trabalhou como “modelo de vitrine” numa rede de lojas de departamentos, assim como garçonete e secretária.
O avançado estado de decomposição do corpo atrapalhou a autópsia, mas confirmaram que ela não foi estrangulada, esfaqueada ou levou tiros, assim como não usou narcóticos. A conclusão foi “morte por hipotermia”, mesmo que acreditassem que tivesse se afogado antes de ser colocada na fonte.
Oficialmente, sem poder descartar nem mesmo o suicídio, o caso foi arquivado como “morte questionável”, mas não “um assassinato”.
Arno West, o último a estar com Shirley ainda viva, é o único suspeito, mas as provas circunstanciais impediram uma acusação formal (assim como o machismo da época, claro).
Muitos acreditam que Shirley foi afogada ou deixada inconsciente por ele, que então escondeu seu corpo no meio da fonte e, se ela ainda estivesse viva, a deixou morrer.
Algumas testemunhas disseram que viram um barco a remo na água naquela noite, entre outras acusações. Os filhos apostam mais em um acidente infeliz, que Shirley nadou no lago para clarear a mente, mas quando estava pronta para sair, se levantou, caiu para trás e bateu a cabeça na bica de onde sai a água, morrendo afogada. A ver qual será a versão da série A Dama do Lago.
O desaparecimento e morte de Esther Lebowitz
A personagem Tessie Fine representa o cruel assassinato de Esther Lebowitz, também em Baltimore e no mesmo ano de 1969. Esther tinha 11 anos, foi abusada sexualmente e morta numa tarde de setembro, com seu corpo sendo encontrado em uma vala perto de sua casa depois de dois longos dias de buscas que mobilizaram a cidade e o país.
Segundo testemunhas, na volta da escola para casa, Esther foi vista pela última vez com vida quando parou na loja de peixes tropicais de propriedade de Wayne Stephen Young. Quando ela não voltou da escola, os pais acionaram a polícia e logo os jornais transformaram a busca em uma cobertura sensacionalista.
O corpo sem vida de Esther, gravemente machucado, foi encontrado jogado na floresta perto de uma área deserta, não muito longe de onde morava. A investigação desconfia que o assassinato aconteceu durante um estupro ou tentativa de estupro, mas as acusações foram retiradas.
Além das testemunhas tendo visto Esther na loja de Wayne, o cascalho encontrado no cadáver da menina combinava com o cascalho do aquário na loja, e quando a polícia revistou o porão, descobriu fios de seu cabelo e um martelo com seu sangue.
Quando interrogado, Wayne, que tinha apenas 23 anos na época, falhou no teste de polígrafo e confessou o assassinato.
Mudando a confissão para “insanidade momentânea”, especialistas em psicologia ficaram divididos, com uns acreditando nele (tinha uma mãe repressora, com quem tinha brigado há pouco e teria tido um surto) e outros identificando premeditação e frieza.
O júri levou menos de 30 minutos para condená-lo à prisão perpétua, só não teve sentença de morte justamente por conta dos testemunhos conflitantes sobre sua sanidade. Wayne morreu atrás das grades, em 2015.
Tensão e mistério na versão da série
A Dama do Lago mescla as diferenças e semelhanças dos dois crimes, prometendo gerar muita discussão nos dias de hoje. Ela é também uma oportunidade de conhecer a elogiada atriz de teatro Moses Ingram, que substitui Lupita Nyong’o, originalmente escalada para trabalhar com Natalie Portman.
É uma pena “perder” o embate dessas duas atrizes oscarizadas e que são famosas também por suas incursões no gênero de terror. Contudo, Moses tem tudo para fazer a gente esquecer disso.
O mais importante é acompanhar mais um trabalho de uma pessoa lidando com seus demônios internos, uma especialidade de Natalie a essa altura. Será que vem Emmy por aí?
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