A força feminina de Raised By Wolves
Maternidade é o grande pano de fundo das motivações e levanta discussões importantes
Não sou louca por sci-fi ou fantasia, apesar de ser apaixonada por alguns clássicos do gênero. Mas sou fã de Ridley Scott. Por isso, quando sua assinatura apareceu em destaque na série Raised by Wolves, da HBO Max, certamente prestei atenção.
Reconheço que a série não é fácil. Tem serpentes que voam, se passa em outro planeta, mas usa como pano de fundo questões extremamente interessantes como Humanidade versus Tecnologia, Fé Versus Ateísmo, o que é Maternidade, Amizade, e como será o futuro do planeta, temas que vêm movendo as redes sociais em discussões acaloradas, desenvolvimento de teorias e ganhando um público tão apaixonado quanto o de Game of Thrones. No centro de toda ação está a androide Lamia, mais conhecida como Mother (Mãe), uma anti-heroína que nos conquista aos poucos.
O nome da série é uma referência a lenda da fundação de Roma, cuja mitologia alega que os gêmeos Rômulo e Remo foram amamentados por uma loba. A primeira temporada foca mais nos conflitos religiosos que promovem guerras e contribuem literalmente para o fim da Terra, forçando um grupo de sobreviventes a fugir para outro planeta. Separadamente há os androides – Mother e Father – que foram enviados para o mesmo planeta com seis embriões humanos para serem criados como seus filhos e ateus, para depois povoarem o novo planeta como pessoas que só tomarão decisões baseadas em ciência e tecnologia. Apenas um dos embriões sobrevive e vemos religiosos e ateus se perseguindo como fizeram na Terra. A segunda temporada inverte o jogo, são os ateus que estão no poder, mas não agem diferentemente dos fanáticos, confiando cegamente em máquinas que nem sempre têm as melhores intenções. A temporada chegará ao fim semana que vem e o resumo que fiz evita ao máximo qualquer spoiler, por isso está tão genérico. Porém, a partir de agora, entrarei em detalhes.
Das várias discussões interessantes da série, especialmente na segunda temporada, a maternidade é o grande pano de fundo de todas as motivações. O que classifica ser “uma boa mãe”? Em Raised by Wolves temos mãe programada, mãe involuntária, mãe culpada, mãe rejeitada, mãe violenta, mãe dedicada… todas com momentos emocionantes.
Lamia, ou Mother, é uma máquina assassina reprogramada para cuidar e amar, portanto cuidar de seus filhos é sua única missão. Para salvar seus filhos, ela pode matar centenas. Sem culpa. A atriz Amanda Collin equilibra com perfeição a “emoção robotizada” da androide que a princípio nos assusta (e muito). Seu contraponto feminino é a médica Sue (Niamh Algar), uma ateísta fingindo passar por religiosa que tem horror às máquinas, mas que, aos poucos, desenvolve uma amizade com ela. Em dois tempos, as duas estabelecem uma linda sororidade, justamente por causa do amor que compartilham por seus filhos. É que Sue, na verdade, matou e literalmente roubou o rosto de outra pessoa para fugir da Terra e, com isso, “herdou” o filho dessa mulher, Paul, por quem se apaixonou e se transformou em sua “verdadeira” mãe. Sue tinha perdido um bebê antes e Paul se torna o centro de toda sua vida. Os estilos maternos da médica e da androide não poderiam ser mais distintos e semelhantes, com dilemas, omissões e revelações que apenas mulheres entendem para cuidar de seus filhos.
Também há a trágica história de Tempest (Jordan Loughran), a adolescente violentada que reluta em aceitar sua gravidez, uma vez que a criança sempre a fará lembrar do estupro. Quando o bebê é sequestrado por um monstro (avisei que era série de fantasia!), o instinto materno prevalece para salvar a criança, mas volta a nos surpreender na conclusão. Para não esquecer, há outra triste trama, a da androide Vrille (Morgan Santo) e sua “mãe”, Decima (Kim Engelbrecht), cuja verdadeira filha cometeu suicídio ao descobrir que era responsável por trazer armas de destruição para Terra. Em sua dor e culpa, Decima programa a robô para manter as lembranças e ações da filha, mas a maltrata e agride ao mesmo tempo. A androide reconhece a violência, mas a princípio não revida porque é programada para amar e protegê-la incondicionalmente.
Incondicionalmente. Está aí a palavra-chave do amor materno, mas Lamia e Vrille, que amam incondicionalmente, são acusadas de estarem programadas para isso. Porém, Sue, que é humana, não passa pelo mesmo julgamento. Afinal, amor materno seria programável ou seria intuitivo? Se nem mesmo a ciência explica o sentimento materno, como dizer o que é certo?
As viradas de Raised By Wolves são mais inesperadas do que as de outras séries mais recentes, fica o aviso. Mas a força feminina dela é uma de suas grandes qualidades e por isso mesmo, viciante.