Entrevista com os irmãos Campana: inventividade a todo vapor
Ícones do design, eles falaram à Casa Claudia sobre mostras, planos e novidades, como os produtos criados para a italiana Edra
O que vocês irão apresentar este ano no Salão do Móvel?
F – Na Edra, uma coleção de camas. Nunca tínhamos feito antes, apesar de já nos terem pedido isso. Dessa vez, conseguimos incorporar a base da cama com a cabeceira.
H – São cinco modelos, todos lançados juntos. A ideia foi do Massimo Morozzi (diretor criativo da marca italiana), que é sempre um visionário. A Edra é conhecida pelo mobiliário de cadeiras, mas agora decidiu apostar no móvel para dormitório.
Foi difícil esse desafio?
F – Para achar a volumetria, sim.
H – A gente extraiu a coleção da tipologia dos móveis que já fizemos para a marca. Tem uma cama Favela, uma Corallo, que é interessantíssima. Uma cama Cipria, uma Cabana, um modelo revestido de couro. A cabeceira e a estrutura da cama são revestidas.
Vocês se ausentaram de Milão no ano passado. O que aconteceu? Deu uma canseira?
F – Tem de ter um respiro de vez em quando, um distanciamento que permita surgir coisas boas.
E funcionou?
H – Sim, foi ótimo (risos). Nunca criei tanto.
F – Os frutos dessa pausa serão mostrados no Salão do Móvel, em abril, no qual estaremos presentes, e também em maio e julho. Foi bom ter evitado a contaminação de ideias.
H – Quando você não tem nada a dizer, é melhor se recolher (risos).
F – O silêncio é dos sábios.
Vocês terão lançamentos em outras empresas?
F – Sim, na Baccarat. É uma coleção de lustres, um castiçal, um abajur e um aplique de parede.
A bancada de cozinha Shaping Silestone para a Cosentino foi lançada em Milão no ano passado e agora na Expo Revestir. Vocês fizeram alguma alteração nela desde então?
Fernando – Não, é o mesmo móvel. Esse é nosso primeiro projeto de cozinha, que eu chamo de ilha modular, e foi inspirado no canivete suíço, pois você vai descolando as superfícies do corpo central (a empresa tem interesse em fabricá-la em vários tamanhos, mas ainda não existe previsão de quando isso aconteça).
Humberto – Eles nos pediram para elaborar um projeto funcional e não apenas uma cenografia para o estande, como da primeira vez que trabalhamos para eles (em 2010 na Semana de Design de Milão). Surgiu, então, essa ideia de um móvel que se expande, de uma bancada central que você pode acessar de vários lados. Ela tem módulos com características cinéticas que servem de apoio para quem cozinha (o projeto venceu em novembro de 2012 o prêmio britânico Designer Kitchen & Bathroom Award, na categoria Inovação de Materiais).
E vocês cozinham?
F – Não (risos). Faço gelatina e sanduíche de atum. Não frito um ovo, mas acho bonito trabalhar nesse espaço da cozinha e também gostei de descaracterizar as linhas retilíneas desse espaço, de tirar o móvel dos perímetros das paredes e levá-lo para o centro.
H – Essa brincadeira de poder alongar esse balcão, de mudar a forma desse móvel, é uma característica do nosso trabalho.
Como é o trabalho em dupla?
F – Um desenha e o outro cria o protótipo. O Humberto tem facilidade em desenvolver o protótipo, ele gosta de trabalhar a manualidade. Eu, com formação em arquitetura, tenho desenvoltura para definir o projeto, pensar na volumetria. Depois ele passa a ideia para a escala real. Acontece também de ele ter a ideia e eu passar para o papel.
Em recente entrevista à revista Veja, o estilista Karl Lagerfeld disse que, do Brasil, ele conhecia: irmãos Campana, Adriana Varejão e Beatriz Milhazes. Qual a reflexão que vocês fazem desse reconhecimento conquistado lá fora?
F – Nós temos como base uma educação do interior de São Paulo. Nascemos e fomos criados em Brotas, uma área rural. Quando saímos de lá, o município tinha uns 10 mil habitantes. A gente mantém essa simplicidade do campo. Isso se reflete no nosso trabalho e no nosso comportamento. Isso até para não deixar esse reconhecimento subir à cabeça. Lutamos para ter uma marca na história e na comunidade do design, mas mantemos essa educação quase naif, que eu prefiro ter a uma postura arrogante.
H – Gostaria de poder mudar muitas coisas nesse país. A inspiração toda vem daqui, mas vejo que temos mais voz ativa lá fora do que no Brasil. Só para dar um exemplo: moro em um prédio no bairro de Higienópolis e me propus a desenhar o jardim de graça para o condomínio. Desenhei todos os bancos, o paisagismo e, quando fui colocar as plantas, o síndico apareceu para dizer: “Ninguém está curtindo esse jardim. Por favor, pare de fazê-lo”. Quem está fazendo o jardim agora é o zelador. E olha que é Higienópolis, um bairro de classe média alta. Isso me chateou muito.
Vocês consideram que o reconhecimento do trabalho de vocês é maior lá fora do que aqui?
H – Sim, veja as Olimpíadas a Copa do Mundo que serão realizadas aqui. Quando há eventos grandes como esses, os governantes dos outros países costumam chamar os designers para mostrar a cultura do lugar.
F – Nunca fomos procurados para nada. Nem mesmo para fazer o mascote das Olimpíadas. Muita gente na Europa pergunta: “Mas nem o mascote, vocês fizeram?” Na Espanha, quem criou esse símbolo foi o designer Javier Mariscal, em 1992.
H – Temos bons criadores: Marcio Kogan, Isay Weinfeld, Arthur Casas…
F – Designers também, como Rodrigo Almeida, Carol Gay, e Teté Knecht, que vive na Suíça, mas tem uma identidade brasileira. Até os mais jovens, com publicações lá fora, como o Zanine de Zanini. E ninguém foi chamado.
Como vocês avaliam esse momento de valorização do design brasileiro?
H – Muito positivo, mas gostaria que toda essa criatividade pudesse ser interpretada por empresas locais. O mundo tem curiosidade de saber o que está acontecendo aqui. Seria bom se esses designers fossem editados e valorizados no nosso país.
F – É bom ver o Brasil recuperar sua autoestima. Eu e o Humberto fomos os primeiros a ousar depois da ditadura militar. Isso é um motivo de orgulho para mim, saber que trouxemos mudanças positivas para a profissão. Ainda assim acho que deve ser difícil para o jovem designer ter alguém que assuma sua produção, que aposte em seu talento.
Com que designers da nova geração vocês gostariam de trabalhar?
H – Mana Bernardes, Carol Gay, Teté Knecht.
F – Para elas, demos aulas. Elas são frutos de um curso que demos no Mube (Museu Brasileiro da Escultura, em São Paulo). A partir dele, criou-se o grupo Notec, formado por alunos de lá.
H – Tem também o Superlimão Studio, com quem fizemos um trabalho em parceria para a Firma Casa (eles assinam a reforma e fachada do showroom de móveis e objetos na al. Gabriel Monteiro da Silva, em São Paulo).
Quais são os projetos dos sonhos?
F – Meu plano mais ambicioso é fazer um avião e também um jardim, como também deseja o Humberto. Tivemos essa criação de interior e sempre fomos muito ligados às plantas. Nosso pai era engenheiro agrônomo.
H – O jardim ajuda a recuperar a auto-estima.
E como farão para concretizar esses desejos?
H – Quem sabe algum governante nos convida a fazer uma praça na periferia, onde se possa recuperar a autoestima do lugar sem gastar muito, só plantando.
F – Ou talvez alguém da iniciativa privada que queira recuperar o entorno de sua empresa.
Por que um avião, Fernando?
F – Fui criado na geração de séries de TVs, como Terra de Gigante, Túnel do Tempo, e Apollo. Me interesso por aerodinâmica. Quero projetar um avião transparente.
Como está evoluindo a pesquisa de vocês?
H – Estou indo para Roma iniciar uma nova série de trabalhos que o Fernando desenhou e que será apresentada em Monte Carlo. A gente está fazendo também uma exposição de mobiliário em Nova York, que envolve vários conceitos, porque nosso trabalho nasce disso e vai tomando forma de acordo com sua maturidade.
F – Ele vai adquirindo um caráter industrial de acordo com o tempo, como aconteceu com as cadeiras para a Edra. Elas foram apresentadas quase dez anos antes da produção. Uma aposta de alguém com visão muito avançada, o Massimo Morozzi, que previu o sucesso industrial delas.
Como serão essas exposições?
H – Nós vamos apresentar cinco conceitos de mobiliário em junho na galeria Friedman Benda, em Nova York. E há também o projeto de um pequeno jardim inserido nessa exposição.
F – Em Monte Carlo, o principado homenageia dois países a cada ano. Em 2013, serão o Brasil e a China. O evento, em julho, ocorrerá em um clube de esportes num prédio art déco. A gente está levando a coleção Barroco Rococó apresentada no ano passado no Musée des Arts Décoratifs, em Paris. Há também algumas peças inéditas. Mostramos essa coleção na embaixada do Brasil e na galeria que nos representa em Roma, a O.
H – Em Paris, na galeria Carpenters Workshop, montaremos uma instalação com espelhos da coleção Sushi (exposição Oceano, de 22 de maio a 31 de julho). Fizemos recentemente também um museu de design na Holanda (Stedelijk Museum’s – Hertogenbosch) o segundo maior do país a meia-hora de Amsterdam. Planejamos o auditório, todo revestido de pele de vaca, o lobby e a loja de design.
O estúdio em São Paulo está pulsando…
H – Sim, com essas exposições, estamos trazendo vários artesãos, empalhadores de cadeiras e estagiários. No momento, estamos com uma estagiária da Holanda e uma outra do Brasil.
O espaço está ficando pequeno? Pensam em mudar do atual estúdio?
F – Está ficando um pouco apertado, mas gostamos muito de lá. É um estúdio no centro de São Paulo. Temos sempre entre 12 a 15 pessoas trabalhando com a gente.
O Facebook dos Campana há tempos está lotado. Vocês não usam essa ferramenta?
H – Não (risos). O Facebook tira o mistério.
F – Eu não uso nunca e me sinto muito defasado.
Humberto, você foi eleito pela revista Alpha um dos homens mais elegantes do Brasil. O que você achou disso?
H – Muito engraçado (risos). Acho que elegância é ter postura diante da vida.