Delicadeza e sensibilidade no ateliê de Brígida Baltar
De um lado o Pão de Açúcar e a baía de Guanabara. Do outro, o Cristo e a encosta do morro Dona Marta. Há inspiração e fluidez de sobra no apartamento/ateliê de Brígida Baltar.
Vez por outra, Brígida Baltar aparece em suas obras. Ora decostas, enquadrada em movimento na foto em que faz a coletada neblina com recipientes de vidro artesanal, soprados e moldadospor ela. Ou deitada e encolhida, envolvida em uma malha detecido que lembra casulos. Há ainda instantâneos que mostramcenas domésticas, em que está literalmente encaixada entre osalicerces de sua antiga residência. Aliás, resíduos de tijolos, assimcomo saibro, poeira e cascas de tinta, todos recolhidos entreas quatro paredes do lar, doce lar, servem também de matériaprimapara seus desenhos e montagens, como as telas que recriamminiaturas do mosaico formado pelo piso de parquê ou ografismo da parede de cobogós. Há diálogo na arte de Brígida,assim como emoção, feminilidade e uma sofisticação delicada.Um universo acolhedor, familiar. Como uma casa. “A intimidademe inspira. Uso o lugar em que vivo como uma fonte inesgotávelde ideias. O meu olhar descobre e desvenda cada centímetro doentorno, sem vícios. E essa experiência rica e profunda se refleteno meu trabalho”, aponta ela.Brígida trabalha em casa. E que casa. Seu apartamento, reformadopelo amigo Israel Nunes – arquiteto que entendeu comopoucos as suas necessidades de unir ateliê com moradia em ummesmo endereço usando divisórias fluidas e leves como cortinasde linho no lugar de paredes –, é um espaço surpreendente. Antigafábrica de armazenamento da água da fonte São Sebastião, oprédio, dos anos 1940, localizado em uma das subidas para o pitorescobairro de Santa Teresa, tem janelas amplas, com esquadriasde ferro que desenham um quadriculado simétrico, lembrandoo contexto de lofts europeus. O pé-direito é alto, beiraos 4 m. Há ainda um jardinzinho ao lado. Poucos móveis deixamà mostra o piso de granilite original. Uma mesa com rodízios,junto à janela, delimita a área de trabalho, salpicada com caixas que guardam suas criações, embaladas para seguir o mundorumo a exposições em Londres, como a coletiva do DrawingRoom, da Tate Modern, prevista para setembro. E depois vema individual em outubro na galeria 713, em Buenos Aires, quea representa na Argentina. Atualmente, ela está em cartaz atéo final de agosto em O Que É Preciso para Voar, no espaçoOi Futuro carioca. Apesar da aparência e da atmosfera calmae serena, Brígida é múltipla. E sua produção eclética não para:há desenhos com pó de tijolo, grafite, montagens, esculturasde vidro, fotos… “Não tenho fórmulas, acabei de fazer uma exposiçãoem que incluí também vídeos, como a gravação de umcoral com 16 vozes. Isso ao lado de uma instalação”, afirma.Artista por natureza, Brígida chegou a cursar alguns anos de arquitetura,depois passou pela faculdade de história, mas foi naescola do Parque Lage, mais precisamente entre os integrantesda chamada Geração 90, onde amadureceu a vocação. Talveztoda essa experiência variada e pouco convencional, aliadaainda à paixão pelo design gráfico, tenha contribuído para fazerdela um talento maduro e seguro, sem medo de ousadias eexperimentações. “Quando fui morar em um sobrado antigo,em Botafogo, descobri o tijolo maciço das paredes e fui fundo,explorando suas possibilidades. Essa matéria-prima poucoconvencional entrou para o meu imaginário e permanece lá atéhoje”, conta ela. “Agora, aqui, estou traçando novos caminhos”,acrescenta, à vontade no seu apartamento de 150 m², inspiradore “quentinho”, como gosta de chamar a casa. Reservou atéespaço para um ambiente de colecionador, recheado com obrasde amigos – como Efrain Almeida, Adriana Varejão, José Damascenoe Vik Muniz. Ali, sozinha ou junto deles, ela tece umarotina sem hora para acabar, mas permeada pelo prazer de estarinteira, em um só lugar. E com tudo o que ama ao seu redor.