Gabriela Song: fashionista cultiva tradições sul-coreanas em seu lar
Rodeada pela natureza e tradições familiares, a paulistana Gabriela Song revela os detalhes de sua moradia de poucos elementos e muitas memórias
Não é coincidência que as árvores do lado de fora sejam protagonistas do lar de Gabriela Song. Moradora de Higienópolis, a designer de moda escolheu viver com o marido e a filha de dois anos nesse apartamento justamente por ele estar rodeado pelo verde.
Localizada num andar baixo, a moradia fica na altura exata dos troncos e copas do lado de fora, que trazem a sensação de viver numa “casa da árvore”, uma alusão feita por sua mãe, certa vez, e que Gabriela adorou ouvir.
Foram exatamente as plantas que moldaram todo o estilo do apartamento: “Gosto muito dos contrastes, mas eu não queria pesar tanto, e sim deixar a vista ser o fator mais forte do espaço. A ideia foi trazer uma solução para fazer com que todos os outros elementos agregassem e reforçassem essa sensação contemplativa”.
Generosa, a amplitude do ambiente cria um sentimento de paz difícil de colocar em palavras. Os móveis modulares trazem versatilidade para o convívio em família e para receber os amigos, enquanto o pé-direito alto e o silêncio obtido pelas janelas grossas garantem a noção de conforto.
Toda essa vivência de fluidez e tranquilidade do lar é reflexo de sua moradora. Apesar do closet de Gabriela cultivar um estilo bold — assim como as peças da sua marca, a Gahee —, sua fala é marcada pelas sutilezas. É de maneira pausada e com delicadeza ímpar que a estilista relata sua trajetória até chegar a esse refúgio pacífico.
Os revestimentos de madeira tauari, as linhas orgânicas e o cantinho do chá refletem o resgate das origens dessa filha de sul-coreanos nascida e criada em São Paulo. “Mesmo que eu não percebesse conscientemente, com certeza minhas raízes me moldaram”, relata Gabriela sobre acolher essa influência.
“Ainda é um processo, agora é mais consciente do que na adolescência, por exemplo, em relação a entender as coisas que eu não percebia quando era mais nova. Hoje, na vida adulta, eu entendo as dificuldades que tinha, como me encaixava nessa identidade. Porque eu sou brasileira, mas tenho ‘cara de coreana’. Então, quando você sai de São Paulo, você já é vista como gringa ou muito esquisitona. Todo mundo fica olhando para você, e eu não gostava desses olhares. Isso acabou influenciando muitas coisas na minha vida. Em mim mesma, e no meu trabalho.”
Mas se no passado as raízes eram motivo de conflito, hoje são abraçadas por Gabriela. Os ensinamentos e a cultura familiar sempre foram cultivados pela designer e empregados em tudo aquilo em que deposita energia.
O impulso em se formar em moda, inclusive, veio de observar a mãe: “Ela estudou em Nova York lá pelos anos 1980. Eu cresci muito com as histórias dela, das festas que ela ia… Era uma época nova e muito interessante em relação à arte. Acho que ela se sentia muito feliz e vivendo o ápice, muito livre criativamente e isso me inspirou muito. Adorava ver as fotos dela com os croquis. Minha mãe me influencia muito esteticamente também, acho que a minha vontade de cortar o cabelo curto vem dela, que sempre teve o cabelo tigela”, declara com admiração.
“Além disso, meus pais trabalham com moda; eu cresci visitando a fábrica e viajando com minha mãe em algumas pesquisas. Teve uma época que decidi que não seguiria um caminho igual ao deles, mas não teve jeito, era o que eu amava também.”
Foi dos sapatos de seu casamento, celebrado ao estilo sul-coreano, que nasceu sua marca. Em 2022, já com a filha nos braços e morando no apartamento paulistano, Gabriela resgatou o prazer por desenhar, e a vontade de criar algo novo estava cada vez mais evidente.
“Um dia, organizando meus armários — coisa que fiz muito durante o período de isolamento — me deparei com o sapato que usei na cerimônia. E daí surgiu minha vontade de desenhar algo a partir dele. Fiz vários esboços”, conta sobre o modelo intitulado Gudu MJ.
O sapato de fivela em níquel e salto baixo em madeira é caracterizado por seu bico que aponta ligeiramente para cima — característica que vem do calçado tradicional coreano —, além da silhueta de uma Mary Jane, clássico que é um dos seus favoritos. “Meu processo começa no desenho e na pesquisa de imagem. Gosto de ver livros e referências da história coreana, através disso vou criando um imaginário.”
“Meu processo começa no desenho e na pesquisa de imagem. Gosto de ver livros e referências da história coreana, através disso vou criando um imaginário”
Gabriela Song, designer de moda
O ponto de partida para a linguagem criativa é sempre o encontro com suas origens, já que as peças prezam pelo contraste entre a rigidez de sua cidade natal com a ideia romântica de uma Coreia antiga.
A partir de então, a Gahee — que seria seu nome em coreano — ganhou novas coleções, com peças de cerâmica e também a bolsa Nabi Baik, que tem como referência as pinturas de Patricia Baik e as dobradiças em formato de borboletas de móveis antigos tradicionais coreanos, como os da avó materna de Gabriela.
No seu lar, a ancestralidade está presente desde a entrada — os visitantes são orientados a tirar os sapatos para entrar e existe até uma antessala para guardá-los — e também na conexão dos moradores com cada peça escolhida para a decoração: são poucas, mas muito significativas.
“Foi um processo vagaroso, mas sem quebrar estruturas. Uma parte do apartamento foi projetada, e viemos com ideias que eram nossas”, conta sobre o projeto idealizado por sua prima, Andréia Hong, que é arquiteta no escritório Hong Yazbek. Uma dessas vontades do casal foi a estante repleta de nichos, que nasceu dos retalhos de um tecido tradicional coreano, incluindo suas cores. A peça virou um móvel a partir de um desenho de seu marido e ganhou vida nas mãos dos arquitetos.
Um pedido dos moradores foi o sofá que formasse uma ilha. “Acho muito gostoso ficar ali dentro, serviu de cercadinho para a Oly quando ela era menor”, revela sobre os momentos com sua filha. Outra vontade executada pelos profissionais foram as portas e janelas com recortes quadriculados, num estilo tradicional coreano.
Já a pedra posicionada atrás do sofá surgiu para trazer equilíbrio: “Queríamos inserir uma coisa bem bruta para dar contraste”, revela. “Tentamos ao máximo não seguir referências. Claro que a gente fez pesquisa, mas queríamos realmente algo mais atemporal e feito para a gente. Fizemos uma colagem de coisas que a gente gosta e seguimos de forma intuitiva.” Uma intuição de muito primor.
Créditos de produção
Texto: Marina Marques
Fotos: Wesley Diego Emes
Edição de arte: Jessica Hradec
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