Conheça as obras do artista plástico Nazareno
Olhe com atenção para as obras do artista plástico Nazareno. Nelas, há um raro equilíbrio: a união dos detalhes com a mais fina das ironias.
Em 2008, o artista Nazareno construiu uma escada circular de madeira. Com apenas 45 cm de altura, ela foi colocada no canto superior de uma sala branca. A peça causa sutil estranheza. Além da pequenez (não estamos acostumados com uma escada desse tamanho), há uma curiosa inversão. O primeiro degrau paira no ar, impossibilitando a subida. O último, nos leva à rigidez de um teto. Tudo melhora ainda mais quando notamos seu título, tão cruel quanto verdadeiro: Alguns Conseguem.
Por que a obra de Nazareno é tão inquietante?
A inquietação causada pela escada misteriosa de Nazareno nos ajuda a entender por que é comum as pessoas olharem para o trabalho desse artista e sentirem grande curiosidade em conhecê-lo. “Isso vem acontecendo com frequência”, confirma ele. Não é difícil entender a razão. Muitos artistas acham que suas obras devem entregar respostas prontas ao público. É uma atitude ingênua e ofensiva. Não vamos a um museu em busca de respostas. Além disso, não precisamos do literal: somos capazes de confabular com base em nosso próprio repertório. Fica como provável compromisso do artista causar a faísca. Nazareno é perito nisso. Não por acaso, em uma de suas obras, ele ateou fogo a uma cama em miniatura e fez fotografias da destruição.
Nazareno é um homem de fala mansa – característica típica de quem viveu os primeiros 19 anos de vida em Fortaleza. Formado em artes visuais pela Universidade de Brasília, ele hoje mora no quinto andar de um prédio antigo de São Paulo. Sozinho? De jeito nenhum. Paulo Francis e Endora, dois gatos bengals que mais parecem filhotes de tigres, fazem companhia na sua mistura de casa e ateliê. Pode parecer clichê perguntar sobre a infância a um artista. Entretanto, quando conversamos com quem já fez uma exposição inteira com base na imagem de uma montanha-russa e de miniaturas de cadeiras que lembram nossos anos escolares,
fica impossível fugir disso. Nazareno conviveu com tias que estudaram na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e em uma casa com uma respeitável coleção de arte. Até hoje, ele lembrase de uma tela do pintor gaúcho Iberê Camargo. Um fato decisivo abriu caminho para a decisão de se tornar artista. Nazareno terminou o ensino médio precocemente. Era um moleque de apenas 15 anos. Para sua sorte, a família não o pressionou a prestar vestibular. Assim, teve tempo para observar o mundo sem pressa. “Dez anos de devaneios criativos…”, lembra-se ele, talvez com saudade.
Foi nesse período que formou grande parte de seu repertório visual. E é dessa época também o início de um de seus fascínios: o flerte com o detalhe. Falar dos trabalhos de Nazareno é discorrer sobre peças pequenas e desenhos feitos por mãos habilidosas. Grande parte disso foi influência da avó costureira de conhecida maestria, da tia bordadeira e da mãe, que dominava técnicas sofisticadas de culinária. “Cresci vendo o cuidado de fazer as coisas mínimas, escutando que o benfeito está nos mínimos detalhes”, conta o artista. Até hoje, ele não se esqueceu da primeira vez que entrou em uma oficina de lapidação.
Essa história toda poderia culminar em um artista apenas maneirista. Mas a ironia de Nazareno impede que ele estacione apenas na preocupação puramente estética. Certa vez, uma mulher o procurou confessando-se fã de seus desenhos. Ela queria comprar um deles. “Queria um mais suave…”, disselhe a futura compradora. Ele mostrou com paciência as opções. Mas não deixou de esperar o momento certo para a alfinetada: “E como você leva sua vida? É sempre leve?” A mulher ficou sem resposta.
As experiências lúdicas de Nazareno
Nazareno também não caiu na armadilha de usar a infância como influência direta para construir trabalhos artísticos. Seria uma chatice sem tamanho. Nas suas palavras: “O assunto não é a minha infância. Trata-se de questões mais gerais sobre esse tema”. Algumas obras são experiências lúdicas, como o conjunto de taças de cristal que, ao serem tocadas na borda, produz um som característico. Uma dupla de pequenas camas de tamanhos diferentes sugere questões relacionadas a pais e filhos. Dependendo da disposição, suas miniaturas de cadeiras podem nos falar de punição (quando uma delas está de frente para a parede) ou de hierarquia (um conjunto delas circula com reverência uma sozinha).
A escrita é também uma questão importante para entender o trabalho de Nazareno. Grande parte dos desenhos do artista possui frases escritas a mão. Ele não costuma chamá-las de suas. Explica: “São pensatas do mundo. Vim do Nordeste, um povo extremamente oral, que sempre esteve muito ligado à linguagem”. Diga-se de passagem, elas costumam ser ótimas. Uma delas está ao lado de um cisne desenhado: “Sim, é verdade, quem olhar para você se admirará do quanto você mudou… mas nós sabemos quem é você. Não sabemos, cisne?” Outra aparece abaixo de uma dezena de pequenos sorrisos: “Apenas um deles é verdade. Você saberia dizer qual?”
Em 2001, Nazareno foi convidado a ilustrar o suplemento cultural do jornal Correio Brasiliense. Muitos artistas costumavam simplesmente enviar fotografias de seus trabalhos. Ele foi mais coerente: criou uma série dos passatempos encontrados na imprensa escrita diária. O melhor deles era um jogo de erros – daqueles com fotografias lado a lado. No passatempo de Nazareno, há a duplicação de uma fotografia do casamento de seus pais. Somos convidados a descobrir as diferenças entre elas, mas, em pouco minutos, nos damos conta de que se trata de imagens idênticas. “O erro é o casamento em si”, diz Nazareno, com um sorriso irônico. Antes mesmo de ele nascer, seus pais já estavam separados.
Alguns dos trabalhos mais recentes de Nazareno são caixas fechadas com pequenos buracos, o que nos convida a espiar seu conteúdo. São cômodos com elementos estranhos – como cadeiras penduradas nas paredes. As obras surgiram de uma observação. “Você já reparou que vivemos sempre em caixas? Nossos quartos, automóveis, televisões.” Curiosamente, ele diz isso na sua caixa mais inventiva – a sala onde cria suas preciosas ironias.