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A última vez que encontrei Sergio Rodrigues

Nossa editora relata seu último encontro com o carioca Sergio Rodrigues (1927-2014), considerado o pai do móvel moderno brasileiro e autor de aproximadamente 1,2 mil peças em 62 anos de carreira.

Por Por Regina Galvão | Imagens Andrés Otero
Atualizado em 26 Maio 2022, 09h21 - Publicado em 4 out 2014, 13h25

A última vez que vi Sergio Rodrigues foi no início de março. O encontro aconteceu em seu ateliê, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, onde ele se instalou em 1972. Senti-o triste naquela manhã. Locomovia-se vagarosamente e demorou a demonstrar o bom humor habitual. Havia pouco tempo, ele descobrira estar com câncer. O ânimo, aliás, já não era o mesmo desde a morte de Verônica, em 2012, a única dos quatro filhos que compartilhava a paixão do pai pela arquitetura e pelo design. Trabalharam juntos cerca de 30 anos no segundo piso do sobrado construído em 1906. Naquele dia, viajei para o Rio a fim de gravar o vídeo de homenagem ao mestre, que seria apresentado na cerimônia da 4ª edição do Prêmio Casa Claudia Design de Interiores — o evento aconteceria no Auditório Ibirapuera, em São Paulo (veja o vídeo aqui embaixo). A entrevista se estendeu por duas horas, e, aos poucos, Sergio foi se soltando. Chegou a dar uma gostosa risada quando perguntei se ele se considerava o inventor do móvel essencialmente brasileiro. “Ah, isso quem vai dizer é a história, e não eu”, afirmou. Era delicioso ouvi-lo contar suas memórias. Fazia graça dos próprios infortúnios, o que o tornava ainda mais encantador. “Quando criei o sofá Mole (1957) – que nascera antes da poltrona –, com aqueles almofadões jogados na estrutura de madeira roliça, acharam- -no esquisito e comentavam que parecia uma cama de cachorro. Isso perdurou até a Niomar Muniz Sodré, diretora do Museu de Arte Moderna do Rio, aparecer na minha loja em Ipanema, a Oca, para comprar dois deles. Meus sócios não acreditaram, e eu, na dúvida, decidi acompanhar a entrega, imaginando que ela os colocaria no quarto de empregada. Que nada! Eles ficaram na sala de estar, na companhia de móveis da Bauhaus e de uma coleção incrível de quadros. Saí de lá satisfeitíssimo.” Isso também aconteceu com a poltrona Oscar (1956), desenhada para a sala de jogos do Jockey Club. Rejeitada pela diretoria da sede carioca, a peça permaneceu um bom tempo exposta na Oca até chamar a atenção de Oscar Niemeyer: ele encomendou um par para presentear a filha, que iria se casar. Em agradecimento, o modelo recebeu o nome do arquiteto. Sergio também me contou sobre a paixão pela madeira, sobre a busca, desde a faculdade, de um móvel com identidade brasileira, e se declarou a Vera Beatriz, primeira namorada, segunda mulher e companheira por 41 anos, a quem apelidou Esquilinha por causa dos longos cílios e com quem sempre andava de mãos dadas. “Sem ela, eu não mais viveria.” Eles se conheceram na adolescência e se reencontraram décadas depois, quando os dois já estavam divorciados. O amor reacendeu, e o casal decidiu morar junto. Sergio, porém, muito católico, frequentador das missas de domingo, quis levá-la ao altar. Casaram- -se, em 1992, numa capela improvisada no jardim da casa de madeira construída por ele em Petrópolis, RJ. Naquele dia de março, eu também entrevistei Vera Beatriz, que fez questão de ressaltar o espírito alegre do marido, amante de viagens, comida e cinema – era fã de Woody Allen. “Ele adora todos os perfumes da vida.” Finalizada a gravação, fui ao apartamento deles no mesmo bairro, onde conheci Dina, a cozinheira da família. “Faço omelete acebolado com arroz, e ele me diz: ‘Dina, é o melhor prato que já provei’. Nesses 30 anos, nunca o ouvi falar mal de ninguém”, garantiu. Temerosa de entristecê-lo, não o questionei sobre seu estado de saúde. Apenas arrisquei perguntar: “Aos 86 anos, você já realizou tudo o que queria?” Soltou outra risada espontânea. “Acho que sim, mas, como esta engrenagem continua funcionando (e apontou para a cabeça), é possível que ainda surja alguma coisa.” Em 1o de setembro, cinco meses depois de nosso encontro, recebo no celular uma mensagem enviada por Fernando Mendes, primo, amigo e discípulo do mestre. “Lamento informar uma notícia tão triste. Sergio Rodrigues faleceu hoje de manhã. Ele foi sem sofrimento, como um anjo.” Verdade! Sergio Rodrigues era um anjo que eu tive a sorte de conhecer.

 

 

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