A mulher símbolo da equiparação de gênero na Heineken
Na vice-presidência de Recursos Humanos, Raquel Zagui fez a presença de mulheres saltar de 29% para 42%. O sucesso garantiu a ela um cargo de liderança global
Raquel Zagui não se esquece das primeiras vezes em que pisou nas fábricas da Heineken. Sete anos atrás, os banheiros femininos ficavam todos trancados. “Eles sempre diziam: ‘ah, deixa eu pegar a chave’. E eu mandei logo parar com aquilo, porque ali não é uma rodoviária. Isso é cultural, vamos precisar mudar isso”, conta. E as mudanças começaram pelo básico: as portas passaram a ficar sempre abertas.
Não foi esse o único estranhamento de Raquel em relação aos banheiros. Também havia um número muito restrito próximo às linhas de produção, o que dificultava a presença de mulheres naqueles ambientes.
Início da carreira
“A gente começou um trabalho de comunicação também. Se você sofrer um assédio, como vai endereçar? Sabemos que é uma indústria machista. Tentamos trabalhar a cultura e a parte organizacional, tipo colocar mais banheiros femininos no centro de distribuição e nas fábricas. Porque não adianta falar que vai trazer mais mulher, se ela precisa andar 10 minutos para ir e mais 10 para voltar do banheiro.”
Lidar com ambientes majoritariamente masculinos – e machistas –, nunca foi um problema para Raquel. Aos 17 anos, entrou na faculdade de engenharia de produção mecânica, e era uma das poucas mulheres na turma. “Sinceramente, isso nunca foi um problema para mim. Eu acho que tiro isso dos meus pais. Por eu ser filha única, eles tinham muito medo de que eu fosse mimada, tímida, então me incentivavam a sair sozinha, então eu sempre tive essa independência dentro de mim”, conta.
“Naquela época, durante a faculdade, eu não enxergava machismo. Nunca fui de falar ‘poxa, vida, não vou conseguir isso ou aquilo’ por conta disso. Mas hoje eu entendo e reconheço como é importante para nós mulheres termos, no ambiente corporativo, uma mulher como modelo.”
Trajetória profissional e adversidades
Assim que se formou, Raquel passou em um trainee da Ambev e passou a trabalhar no departamento de Gente. Ali começaria sua trajetória fora do escopo de sua formação, e se apaixonaria pela área de Recursos Humanos. “Naquela época, um gestor, que virou meu mentor, viu que eu gostava um pouco de tudo. E ele era engenheiro também e me disse que eu tinha a cara de RH. Ele tinha razão: me apaixonei e nunca mais saí.”
Passou pelo RH de outras empresas, como Whirlpool e Bacardi, até chegar a Heineken, em 2017, em grande estilo: como vice-presidente de Recursos Humanos. Sete anos antes, a empresa havia comprado a mexicana Femsa e, por tabela, adquirido as marcas Kaiser, Bavaria e Xingu.
Mas ainda não havia entrado com tudo no mercado brasileiro. No ano em que Raquel foi contratada, no entanto, a marca havia comprado uma companhia japonesa, a Brasil Kirin – e, assim, dobrou suas operações por aqui. Foi quando começaram as propostas de não apenas ampliar os funcionários, mas também aumentar o número de mulheres nos times.
Mas havia muitos entraves, o principal era a inexistência de licença paternidade, nem maternidade estendida (até seis meses). “Quando eu cheguei não tinha nada disso, não tinha esse olhar aqui, nem fora. E a licença maternidade estendida era algo muito básico. Então, eu falei: ‘gente, enquanto a gente não tiver isso, eu não tenho nem coragem de ter qualquer conversa, a gente está muito atrás’. Então fomos atrás primeiro do básico”, lembra.
E as lideranças apoiaram e estimularam as ideias de favorecer o universo feminino. “Da noite para o dia, a Heineken no Brasil passou de 2 mil para 14 mil funcionários, virou a maior operação da marca no mundo. Então com isso ganhamos maior autonomia, assim como também mais responsabilidade”, conta.
Resultados
Em 2021, o economista Maurício Giamellaro, presidente da Heineken Brasil desde 2019, propôs bolarem uma meta de curto prazo para alcançarem uma equiparação de gênero. Raquel sonhava com algo entre 35% e 40% de mulheres no quadro de funcionários. Ele foi além: estipulou 50% até 2026 – naquela época, as mulheres representavam apenas 29% dos funcionários.
“Quando eu vi a meta, pensei: é para fazer a gente mexer a cadeira mesmo! Foi superinteressante. Se falássemos em 35% ou 40% seriam melhorias incrementais. Mas subir para 50% é outro jogo, não dá para fazer a mesma coisa. Precisamos repensar também o processo de recrutamento e promoção”, diz.
“A gente construiu essa agenda e fomos evoluindo, não apenas na pauta de mulheres, como também com as questões de raça e LGBT.” Outra meta proposta foi a presença de 40% de pessoas negras nas equipes até 2030.
Para mudar o jogo, o time de Raquel precisou fazer uma pesquisa completa dentro da própria empresa. Perceberam que a maioria dos vendedores trabalhavam com motos e, por serem veículos menos seguros, afastavam as mulheres. Resultado: 90% dos funcionários desta área eram homens.
A ideia, então, foi criar o Projeto Mobilidade. A empresa passou a liberar carros para os vendedores – e o quadro de mulheres chegou a 20%. “A gente começou a discutir esse projeto por conta da segurança dos vendedores. Fizemos um piloto e vimos, além da segurança, maior interesse das mulheres pelo trabalho. Então esse projeto nos ajudou muito a formar as mulheres na base. Precisamos ter essas mulheres para que sejam promovidas a supervisora, a gerente de vendas, até alcançarem a diretoria, a vice-presidência.”
Outra medida foi um programa de trainee interno totalmente voltado para mulheres. Criado em 2022, a intenção era estimular o interesse delas na área de produção. Funcionou tão bem que o programa se repetiu em 2024.
Deu tão certo que a presença de mulheres passou dos 29% para 42,8%. E a de pessoas negras subiu para 34%. O sucesso de Raquel garantiu a ela uma promoção: em outubro deste ano, ela se tornou a nova Head Global de Diversidade, equidade e inclusão da Heineken.
Daqui em diante, a brasileira é quem ensinará aos gringos como levar mais mulheres, pretos e pretas, LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência para dentro da empresa.
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