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Mulheres no comando da IA: as vozes femininas por trás da revolução digital

Doze referências em IA relatam os desafios, as oportunidades e o risco de invisibilidade no futuro do trabalho de todas nós

Por Paola Carvalho
13 ago 2025, 09h00
Mulheres no comando da IA
Como as mulheres devem se preparar - e , destacar - com os avanços da IA. | Ilustração gerada por IA (Ilustração gerada por IA/CLAUDIA)
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Enquanto a Inteligência Artificial (IA) avança a passos largos, há um perigo sutil no ar: o de que essa revolução tecnológica, sem a devida atenção, não apenas otimize o mundo, mas silencie vozes. Seu avanço vertiginoso pode ampliar desigualdades de gênero já tão enraizadas na nossa sociedade.

Quem faz esse alerta são justamente elas: as mulheres que ocupam o centro da revolução tecnológica no país, um território ainda dominado por homens e permeado por invisibilidades. Para entender o que está em jogo, CLAUDIA conversou com doze profissionais que moldam o presente e o futuro da IA no Brasil.

Elas transitam entre grandes empresas, universidades, startups e o serviço público e contam como chegaram lá, o que está em risco e aquilo que pode ser feito para que a tecnologia mais poderosa da atualidade não repita o velho script (ou novo prompt) da exclusão.

O futuro já chegou

Mulheres no comando da inteligencia artificial
Ilustração gerada por IA (Gerada por IA/CLAUDIA)

A realidade é que estamos em um momento decisivo. A IA pode nos impactar significativamente, com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimando que 37 milhões de empregos podem ser afetados. E o mais preocupante: as mulheres estão no centro desse impacto.

Nos Estados Unidos, por exemplo, elas têm 1,5 vez mais probabilidade de mudar de ocupação até 2030 do que os homens, segundo a consultoria McKinsey, uma tendência que reflete o cenário nacional. Além disso, o novo índice Global ILO-NASK aponta que 4,7% das empresas lideradas por mulheres já atingiram o grau máximo de exposição à IA, em comparação com 2,4% das masculinas. Para completar, a Unesco revela um desequilíbrio: apenas 20% dos cargos técnicos e 12% dos pesquisadores em IA são ocupados por mulheres.

Estamos no early mainstream da inteligência artificial: a maioria já ouviu falar, mas poucos dominam sua aplicação. É um momento crucial. Luiza Sangalli, que lidera iniciativas de IA em produtos no Zé Delivery (Ambev) e atua em projetos educacionais, faz um alerta: “Se as mulheres não ocuparem esse espaço agora, será muito mais difícil depois”.

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Com mais de 15 anos de experiência, a profissional está transformando sua equipe em um time “AI Native”, focado em desenvolver agentes inteligentes que otimizam processos e impulsionam resultados. Para ela, a IA tem um potencial enorme como “grande equalizador”, mas só se houver intencionalidade para incluir. Caso contrário, “os vieses sociais serão apenas amplificados”, afirma Luiza.

O impacto da automação é maior em empregos ocupados majoritariamente por mulheres, como funções administrativas, de atendimento e suporte. Sem políticas de inclusão digital, essas transformações podem agravar desigualdades.

Cibele Godoy, doutora em engenharia com foco em IA e crimes cibernéticos

A coragem é a palavra-chave para Marcelle Paiva, vice-presidente de Data e AI HUB da Oracle para a América Latina. Com uma trajetória que transita entre marketing, operações e tecnologia, ela construiu uma ponte sólida entre negócios, inovação e o fator humano. Marcella observa que a IA generativa democratizou o acesso e a linguagem, exigindo uma nova postura de todos nós.

“Antes, falar de IA era restrito à TI. Hoje, todo mundo precisa entendê-la para aplicar em seu próprio contexto, em seus negócios e evoluir junto”, afirma. Ela sonha com um futuro mais inclusivo, ousado e colaborativo, reforçando que, apesar do poder da IA, “o rumo ainda depende de nós”.

Liderar nesse campo significa também saber regular. Natália Fritzen, especialista em Políticas e Conformidade de IA na plataforma Sumsub e ex-Analista de Políticas do Nubank, dedica-se a garantir que as empresas desenvolvam tecnologia de forma ética, legal e transparente. “A governança ainda está sendo moldada globalmente, permitindo que profissionais como eu ajudem a definir uma IA responsável na prática, garantindo que a inovação não ultrapasse salvaguardas necessárias.”

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A especialista acredita que a evolução contínua da IA trará novos desafios e soluções, abrindo um leque infinito de oportunidades para criação e implementação. Para ela, o que as empresas mais precisam agora é de uma liderança capacitada para moldar políticas que assegurem que seja confiável e beneficie toda a sociedade.

Além disso, a democratização da tecnologia pode gerar novos empregos no campo da inteligência artificial, criando um novo conjunto de habilidades e funções que as mulheres, segundo Natália, estão “extremamente aptas a assumir”. 

Apoiar a inovação e fazer ajustes 

Se a inclusão é um caminho vital, a criação de normas é urgente. Priscila Reis, executiva da multinacional Accenture, coordena o time jurídico global de compliance em IA. Advogada e pesquisadora desde 2018, ela atua em projetos de governança de agentes de inteligência artificial e criou um curso gratuito para mulheres sobre o uso consciente de tecnologias emergentes.

“Minha missão é empoderar mulheres com conhecimento, aumentando o repertório pessoal e ensinando a usá-la no dia a dia.” Para ela, ao incentivarmos a presença feminina em STEM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), não só abrimos portas para novas carreiras, mas também contribuímos para que os sistemas sejam mais justos e diversos.

A executiva ainda chama a atenção para o momento crucial em que o Brasil discute o Projeto de Lei 2338, que pode se tornar o marco regulatório nacional sobre inteligência artificial. “Ele se aproxima do EU AI Act, a primeira lei robusta do mundo a entrar em vigor na União Europeia”, comenta. Para ela, é fundamental que o Brasil crie uma lei mais ampla e genérica, permitindo um período de experimentação para não frear a inovação.

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“Precisamos de regras básicas sobre o que fazer e o que não fazer com a IA, mas não podemos exigir estruturas robustas da sociedade”, pontua. Isso garantiria que a regulamentação apoie o desenvolvimento tecnológico, em vez de limitá-lo.

Para Nuria López, doutora em Teoria e Filosofia do Direito, estamos em um momento “decisivo”. Ela se dedica a pesquisar como nossa capacidade de pensar e entender a ética pode ser aplicada à tecnologia. “Assistimos à corrida pela liderança da IA entre EUA e China, ambos parceiros comerciais relevantes dos quais importamos infraestrutura, dispositivos e aplicativos — e muito da nossa cultura online.

Ao mesmo tempo, tendemos a copiar as restrições jurídicas da União Europeia. O Brasil está prestes a aprovar nosso marco regulatório, e vamos precisar caminhar com equilíbrio e estratégia”, avalia.

Segundo a Unesco, apenas 20% dos cargos técnicos e 12% dos pesquisadores de IA são mulheres

Levando a discussão para o campo do pensamento crítico, a sociotecnóloga Tatiana Pilnik, fundadora do Lighthouse In Site, criou o Empirical Lab. O projeto visa promover o letramento em IA para professores e alunos de escolas em São Paulo. “O Brasil corre o risco de se tornar um território de práticas extrativistas digitais”, alerta. “Precisamos formar pessoas capazes de questionar e criar a partir da tecnologia, não apenas consumir.”

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Em um universo onde diversidade é exceção, Bruna Irlly é resistência. Mulher preta, nordestina e LGBTQIA+, ela atua como engenheira de dados no Mercado Livre e é coautora do livro Mulheres na Inteligência Artificial (Editora Leader). “Tenho atuado para que outras mulheres, especialmente de grupos sub-representados, se sintam pertencentes e protagonistas nessa área.

Acredito que nossa presença nas decisões técnicas pode transformar o impacto da IA na sociedade. Meu desejo é que ela seja um instrumento para ampliação das nossas capacidades humanas, e não uma ferramenta que nos exclua ou invisibilize”, afirma. 

O risco de um apagamento feminino no cenário da IA é reforçado por Michelle Schneider. Futurista, autora do livro O Profissional do Futuro (Buzz Editora) e sócia da Signal & Cipher — consultoria americana que integra a IA a grandes empresas —, ela descreve o momento atual do país. “O Brasil se encontra na fase de escala seletiva: já superamos o encantamento inicial, mas ainda não chegamos à adoção plena.”

Ela enfatiza que a automação cognitiva impacta mais intensamente as funções tradicionalmente ocupadas por mulheres. “Sem políticas de requalificação, vamos aprofundar desigualdades”, alerta. Contudo, Michelle também aponta uma saída: “A mesma exposição pode se tornar vantagem competitiva se capacitarmos mais mulheres”.

Doze mulheres especialistas falam sobre os avanços da IA
Ilustração gerada por IA (Gerada por IA/CLAUDIA)
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De olho nas armadilhas

Cibele Godoy, doutora em engenharia com foco em IA e crimes cibernéticos, destaca a face sofisticada dos riscos. “O impacto da automação é maior em empregos ocupados majoritariamente por mulheres, como funções administrativas, de atendimento e suporte”, explica. “Sem políticas de inclusão digital e requalificação profissional, essas transformações podem agravar desigualdades socioeconômicas.”

Entre a regulação e a educação, a aplicação prática se destaca. Fernanda Spinardi, embaixadora de programas de desenvolvimento de jovens talentos na área de Inclusão, Diversidade e Equidade da Amazon Web Services (AWS) no Brasil, vê a IA generativa como um amplificador exponencial de transformações em todos os setores da economia. 

Ela oferece um exemplo impactante e recente. “A indústria farmacêutica, por exemplo, desenvolveu e aprovou a vacina da Covid-19 em 269 dias, usando tecnologia da AWS, algo que usualmente levaria de 8 a 10 anos. Com a genAI, a expectativa é acelerar o desenvolvimento de medicamentos para tratamento do câncer e outras doenças na mesma proporção.”

A profissional faz um paralelo com sua própria trajetória profissional: “Eu não pude prestar Engenharia Aeronáutica na minha cidade porque, à época, a faculdade não aceitava mulheres. Hoje tenho mulheres aqui na AWS que fizeram esse curso. Nós chegamos ao mesmo destino, mas tive que superar um obstáculo que elas não precisaram. Por 20 anos, fui a única nos times e posições que ocupei. Mas, desde que vim para a AWS, há 7 anos, me dediquei a construir times com paridade de gênero”. 

Não por acaso, o Exército Brasileiro recorreu a uma mulher para ser uma das líderes da modernização em IA: Daisy Albuquerque. Professora e coordenadora de projetos no Departamento de Educação e Cultura da instituição, ela fomenta a formação de capital humano. “Nos setores de Educação e Defesa, a inteligência artificial chama a atenção por sua natureza crítica. Ela visa aprimorar a capacidade analítica, otimizar a gestão do conhecimento e preparar pessoas para cenários cada vez mais complexos e tecnológicos”, explica. 

Para Daisy, vivemos um ponto de inflexão, pois a IA está saindo do campo da ficção científica para se tornar uma ferramenta de infraestrutura essencial, como a eletricidade ou a internet. “No coletivo, isso muda a forma como trabalhamos, aprendemos e nos relacionamos com a informação. O que mais me assusta é a velocidade com que isso acontece, forçando todas as áreas, inclusive as mais estratégicas e conservadoras, a repensarem os seus processos.”

Fechando esse coro de vozes, Monica Magalhães, futurista e especialista em tecnologias emergentes, lembra que o Brasil ainda está no “baby step” da transformação digital. “Precisamos que as mulheres mantenham as suas posições profissionais, empreendam em novos negócios e sejam parte da arquitetura dessa nova sociedade.”

A revolução tecnológica tem alguns rostos famosos, ora de Mark Zuckerberg, ora de Elon Musk — na maior parte das vezes, a de um homem característico que habita o hemisfério norte. Mas é importante saber: há uma resistência brasileira, feminina e vanguardista ocupando esse território.

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