Cecilia Troiano fala sobre como o trabalho está mudando
O jeito de conduzir a carreira tem mudado, bem como a relação com as empresas. Cecilia Troiano, especialista, revela o que esperar do mercado de trabalho
O momento é de transição profunda. A aprovação da reforma trabalhista e a influência do estilo de vida mais fluido sobre o mercado nos fazem pensar em como e para onde direcionar a carreira.
Pode parecer complicado desapegar de uma rotina que estava sob controle, mas será necessário – e até instigador – descobrir novas formas de lidar com a identidade profissional.
O lado bom vem com as alternativas, como o trabalho remoto, os encontros de negócios por meio de aplicativos e as decisões por videoconferências. Isso pode significar qualidade de tempo de para investir nas outras áreas que nos interessam.
A terceirização, a concorrência com inúmeros freelancers e o fim da obrigatoriedade de um escritório físico também fazem repensar as relações do emprego tradicional e os direitos.
A psicóloga Cecilia Russo Troiano, 52 anos, à frente de uma consultoria que leva seu sobrenome, acredita que a adaptação será necessária de ambos os lados: o funcionário abrirá mão de benefícios, se quiser conquistar flexibilidade, e o empregador terá de valorizar mais os seus talentos.
No livro, Garotas Equilibristas – O Projeto de Felicidade das Mulheres Que Estão Chegando ao Mercado de Trabalho (Pólen Livros, 49 reais), que será lançado em outubro, a especialista contrapõe dois movimentos, o Lean In e o Opt Out.
O primeiro, criado por Sheryl Sandberg, chefe de operações do Facebook, propõe à mulher mergulhar no trabalho até conquistar seu espaço. A dedicação total se equilibraria com o lado pessoal.
Já o Opt Out foi adotado por pessoas que se rebelaram contra as relações corporativas, desistiram do crachá para cuidar da vida pessoal e passaram a pagar as contas com ocupações mais modestas ou sem grandes ambições.
“A geração que está se formando agora e vai moldar o ambiente de trabalho nos próximos anos não deseja nenhum dos dois. Quer achar um meio-termo”, explica Cecilia, que elaborou a tese durante o mestrado na Georgia State University, em Atlanta, nos Estados Unidos. Segundo ela, as mulheres desejam se envolver com algo que combine com seus valores e projetos.
“O propósito chega para realinhar a situação. Assim, não penderemos nem para o capitalismo extremo do trabalho, com entrega total, nem abandonaremos aquilo que conquistamos”, diz. Cecilia indica o que devemos mudar em nós para participar do novo mundo.
Em entrevista para a CLAUDIA, Cecilia explica um pouco mais sobre a sua visão da situação.
Como evoluiu a relação entre a mulher e a carreira?
Entre os anos 1970 e 1980, ela estava entrando no mercado e precisava provar sua capacidade. Afinal, tinha que ocupar um espaço construído pelo homem. Na década seguinte, a mulher ganhou oportunidades, mas em empresas voltadas para o mercado feminino, como as de marcas de beleza. Hoje, há muito mais espaço. Isso, porém, não é suficiente. A mulher vê no trabalho uma das dimensões da vida. Mas ele só não basta; tem de sobrar tempo para a família, as amigas e para si própria. Ela quer igualdade com o colega homem e espera essa atitude da empresa. Tudo corre muito rapidamente, se a companhia demorar seis meses pensando em estratégias para engajar as mulheres, acabará perdendo os melhores talentos.
O que a brasileira mais quer de seus empregos hoje?
O trabalho só dá certo se inclui um propósito. Não pode estar desconectado do momento de vida dela, longe das suas escolhas e dos seus valores.
Na prática, como isso funciona?
Com um certo grau de autonomia. Ela não quer responder a uma hierarquia vertical rígida e pensa em aproveitar sua capacidade criativa. O local também impacta. Aquela sala sem personalidade, triste, não faz sentido. O desejo é por ambientes abertos, leves, que inspirem uma movimentação orgânica.
As carreiras se tornaram mais curtas. Com a proposta de reforma da Previdência, a aposentadoria estará mais distante. Como combinar as duas coisas?
Antes, a aposentadoria era a promessa de um oásis após anos de dedicação. Esse pensamento afundou; não teremos mais uma única carreira. A mulher precisa explorar seus interesses e abrir possibilidades. Assim, tomará um caminho, depois abrirá um negócio, seguirá para outra área. Com o propósito envolvido, não desejará abandonar tudo e ficar em casa. A tendência é válida para as classes A e B. Na C, existe a aspiração, mas ela ainda não é possível.
E em termos financeiros?
Todos ganharemos menos dinheiro, é verdade. Fora das carreiras tradicionais, os benefícios diminuem também. Mas as prioridades serão outras. Hoje, menos pessoas consideram como sinal de status comprar casa e carro. A economia do compartilhamento reduz as despesas, muda o orçamento e traz a mobilidade como algo essencial. Se eu quiser morar em outro país, tudo bem. Com apenas um smartphone posso trabalhar de qualquer lugar do mundo.
Qual é o próximo passo?
Há um movimento no sentido de uma lógica neoliberal: os jovens colocam na balança riscos e recompensas. Entendem que é de sua responsabilidade o que acontece com eles. Portanto, não cabe mais à empresa fazer um plano de carreira. Ela também não vai conseguir prendê-los oferecendo só benefícios. Pegando emprestada uma teoria apresentada pelo filósofo francês Michel Foucault, vamos virar todos empreendedores de nós mesmos.