A trajetória de Cécile Lochard, diretora de sustentabilidade da Guerlain
Responsável por liderar uma área que está na vanguarda, ela é inspiração para outras mulheres (e para o mercado de luxo) quando o assunto é sustentabilidade
Há cerca de 10 anos, ela começou a questionar a compatibilidade do luxo com o desenvolvimento sustentável do planeta. Hoje, Cécile Lochard ocupa o cargo de diretora de sustentabilidade da luxuosa marca francesa Guerlain, integrante do grupo Louis Vuitton Moët Hennessy (ou LVMH), formado pelas fusões dos grupos Moët et Chandon e Hennessy e, posteriormente, do grupo resultante com a Louis Vuitton. Estamos falando de um conglomerado europeu que, neste ano, superou € 500 bilhões (cerca de R$ 2,5 trilhões) em valor de mercado, levando o seu presidente-executivo, Bernard Arnault, ao topo da lista do homem mais rico do mundo, segundo a Forbes. Ao lado da Guerlain estão outras grifes, como Christian Dior, Tiffany, Sephora, Givenchy e Marc Jacobs.
Na maison Guerlain, Lochard tem a missão de liderar uma área que está na vanguarda. Ela ingressou na empresa em janeiro de 2019 e, rapidamente, foi promovida ao seu cargo atual, uma novidade para a marca, em março de 2020. Desde então, vem inspirando outras grifes, e também outras mulheres, a seguirem essa carreira que emerge no cenário global, capaz de unir compromissos socioambientais e altíssima qualidade de produtos e experiências. “O mercado de luxo tem a função de abrir caminhos para a sustentabilidade: ele sempre serviu de exemplo, sempre foi precursor. É um caminho que pode se tornar mais complexo e, por isso, devemos continuar exercendo a nossa criatividade também nessa missão”, afirma.
Ela acredita no poder do envolvimento individual para levar adiante um interesse comum: o de criar um mundo mais responsável e cooperativo. E olhar para a sua carreira é uma forma de reconhecer um exemplo de trajetória que, agora, se faz prevalente e necessária tanto nas pequenas marcas quanto nos grandes conglomerados. Com um currículo curioso, iniciou a carreira na área financeira, no departamento de “investimento socialmente responsável” do banco global britânico HSBC; e ficou ali por seis anos. Em uma mudança, considerada discreta, assumiu uma posição no The World Wildlife Fund for Nature (WWF), uma das primeiras organizações ambientais sem fins lucrativos do mundo, onde criou um departamento de filantropia, gerenciando parcerias com empresas privadas.
Com oitos anos de defesas diárias, tornou-se porta-voz nas discussões de luxo e meio ambiente. A descrição de seu perfil pessoal nas redes sociais é tão interessante quanto a soma de suas experiências no mercado corporativo e de filantropia: “professora de yoga RYT200, amante da natureza e dos animais e mãe de dois grandes meninos”. É a sua receita para equilibrar trabalho e vida, e ter saúde. “Fui criada em uma família francesa com consciência ambiental. Sou defensora apaixonada da natureza e dos direitos dos animais desde criança. Acredito que isso foi o catalisador para escolher empregos significativos”, conta. “Eu também descobri que saber resolver problemas de forma criativa é, muitas vezes, requisito para ter uma carreira em sustentabilidade”, completa.
Em 2011, Lochard escreveu Luxe et Développement Durable: La Nouvelle Alliance (Luxo e desenvolvimento sustentável: uma nova aliança), que se tornou uma das principais referências bibliográficas do chamado luxo consciente. Quatro anos depois, em 2015, ingressou no Grupo LVMH, guiada pelo desejo de “inovar de forma sustentável, preservando a biodiversidade, atuando pelo clima e gerando impacto social positivo”.
“Começamos a nos questionar sobre a compatibilidade do luxo com o desenvolvimento sustentável — e isso era legítimo porque o mercado não comunicava os seus compromissos.” Nos últimos cinco anos, entretanto, o trabalho se intensificou, uma vez que o despertar da consciência ambiental dos clientes passou a influenciar estilos de vida e escolhas de consumo. “Mais do que nunca, as gerações mais jovens, Millennials e Gen Z, pedem uma beleza mais verde e segura, e a crise da Covid-19 reforçou a demanda por produtos que respeitam o planeta e as pessoas”, conta.
Cécile Lochard vê uma “revolução do luxo” em curso: “uma nova era de transparência que se preocupa, mas que também permite revelar e engrandecer a excelência artesanal aos já elevados padrões”. O mercado de nicho, segundo ela, está passando por “transformações fascinantes e estimulantes”, um momento de redesenho dos padrões da indústria. Na década anterior, o objetivo era “não prejudicar”. Hoje, vai mais longe, sendo o foco “fazer o bem”.
Um exemplo disso é o movimento que a Guerlain está fazendo para se manter como referência em beleza sustentável em cosméticos de luxo, reinventando códigos tradicionais e assumindo riscos. A abordagem de ecodesign começou em 2017, quando houve uma redução radical de embalagens. Um exemplo é o frasco da linha Orchidée Impériale, com 60% menos material que a versão anterior para uma pegada de carbono reduzida em 40%.
Agora, a redução do consumo de plástico fóssil e a garantia de uma dinâmica de economia circular se somam. “Nossa resolução de inovar de forma sustentável não se limita ao design ecológico de embalagens. As fórmulas são, obviamente, o centro dos nossos compromissos. Tomamos a decisão de sempre usar a maior porcentagem possível de ingredientes naturais no desenvolvimento de nossos novos produtos”, explica.
Considerada sentinela do meio ambiente para a Guerlain, as abelhas estão no centro das ações de biodiversidade da marca. “Sem elas e a qualidade dos ingredientes que oferecem ao mundo, a Guerlain jamais teria se tornado uma casa de alta perfumaria e alta cosmética”, diz Lochard.
Diante do preocupante declínio nas populações de polinizadores, a maison está empenhada em protegê-las. Lançou, recentemente, o “Programa Guerlain para a conservação das abelhas”, que, atualmente, inclui 10 parcerias e iniciativas, como o programa de empreendedorismo feminino em apicultura em parceria com a UNESCO chamado “Women for Bees”. Um dos objetivos é descentralizar as iniciativas e apoiar programas locais, como o da fundação mexicana Selva Maya (FSM), na Península de Yucatán, que atua na proteção e reprodução da abelha nativa sem ferrão Melipona Beecheii.
Para a nova coleção Aqua Allegoria Harvest (na foto), um dos ingredientes vem das colmeias Guerlain, o frasco é feito de vidro 15% reciclado, apresentado em um invólucro de celulose 100% reciclável e sem plástico. Os consumidores estão mais conscientes da escolha e compra — muitos, inclusive, dispostos a pagar um preço mais elevado por produtos produzidos de forma sustentável. Assim, luxo e sustentabilidade, que, antes, eram opostos, começam a ser vistos lado a lado.