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Burburinho, polêmica e reflexão. Jornalista e editora digital de CLAUDIA, Júlia Warken foca o olhar em questões contemporâneas que inquietam as mulheres.
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Na contramão do Oscar, Retrato de Uma Jovem em Chamas merece ser assistido

A francesa Céline Sciamma é, definitivamente, uma cineasta que precisa estar no seu radar. Seu novo filme é sensível, inovador e apenas imperdível.

Por Júlia Warken, Guta Nascimento, thiagoabril
Atualizado em 18 jun 2020, 16h36 - Publicado em 16 jan 2020, 18h28

A lista dos indicados ao Oscar 2020 foi revelada na segunda-feira (13) e, mais uma vez, temos zero mulheres indicadas a Melhor Direção. “Adoráveis Mulheres”, assinado por Greta Gerwig, concorre a Melhor Filme e, mesmo assim, a cineasta não figura na categoria de diretores. Prestigiado, o longa dela soma seis indicações e Greta concorre à estatueta de Roteiro Adaptado. 

Desde sempre, as diretoras mulheres são amplamente esnobadas pela Academia. Em 92 edições do Oscar, apenas cinco foram nomeadas e uma levou o prêmio: Kathryn Bigelow, por “Guerra ao Terror”, em 2010. A primeira mulher indicada foi Lina Wertmüller, por “Pasqualino Sete Belezas”, em 1977. Na premiação desse ano, Lina receberá um Oscar honorário – o que pode inflamar ainda mais o debate no dia da premiação.

E, em se tratando do debate em questão, toda vez que esse assunto surge muita gente lança a pergunta: “Mas quais são os filmes dirigidos por mulheres que se destacaram esse ano?”. Para responder a essa pergunta, vale a pena falar sobre “Retrato de Uma Jovem em Chamas”, filme francês que estreou no Brasil em nove de janeiro.

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Dirigido e roteirizado por Céline Sciamma, o longa foi indicado à Palma de Ouro em Cannes e venceu o prêmio de Melhor Roteiro no festival. Também foi nomeado ao Globo de Ouro e ao Bafta na categoria de Filme Estrangeiro e coleciona uma penca de indicações e vitórias em outras premiações ao redor do mundo. Sucesso entre a crítica, ostenta 97% de aprovação no Rotten Tomatos.

O filme se passa na França do século 18 e conta a história de Marianne (Noémie Merlant) e Héloïse (Adele Haenele). Elas são, respectivamente, uma jovem pintora e uma moça rica que está prometida em casamento a um homem que não conhece. Marianne é contratada para pintar um retrato de Héloïse, para que o futuro marido possa comprovar sua beleza antes de vê-la pessoalmente. Mas a jovem não quer casar e recusa-se a posar para o quadro. Com isso, Marianne precisa fingir que é uma dama de companhia e deve prestar atenção aos detalhes de Héloïse, a fim de pintar o retrato sem que ela saiba. No processo, as duas se apaixonam.

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Mais do que um filme com temática LGBT, esse é, essencialmente, um filme sobre mulheres. É sobre cumplicidade, sororidade e afeto – e também sobre dor e opressão. Aqui, a temática é abordada de maneira inovadora.

Absolutamente enxuto, ele tem pouquíssimas locações e uma lista bem pequena de personagens. Paralelo a isso, o encanto mútuo entre Marianne e Héloïse nasce e se desenvolve de maneira sutil, permeado pelo drama vivido por Héloïse. A soma desses elementos pode fazer com que o filme pareça arrastado demais, mas toda a atmosfera do longa resulta numa obra que quebra paradigmas no que diz respeito ao protagonismo feminino no cinema.

Para início de conversa, o passo desapressado e a apresentação de poucos elementos cênicos faz com que o clima do filme seja incrivelmente intimista. Nesse aspecto, a fotografia também é importante e lindamente executada. O filme é uma poesia visual envolvente e quem assina a fotografia também é uma mulher: Claire Mathon. Anteriormente, ela trabalhou no belíssimo “Atlantique”, o primeiro filme dirigido por uma mulher negra (Mati Diop) a ser indicado à Palma de Ouro em Cannes – e que você pode assistir na Netflix.

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Além disso, “Retrato de Uma Jovem em Chamas” é um filme em que todos os personagens com nomes (dentre os que aparecem em cena) são mulheres. E mais: o tempo de tela em que homens aparecem deve somar uns dez minutos. Mas o mais notável é que o filme faz isso sem didatismo. Tudo se dá de maneira muito orgânica e tal detalhe pode, inclusive, nem ser percebido por boa parte do público. Céline não levanta um cartaz dizendo “eis aqui o filme mais feminino do ano”, ela simplesmente foi lá e fez as coisas dessa maneira.

Curiosamente, o longa cotado como favorito ao Oscar de Melhor Filme esse ano, “1917”, vai exatamente na direção contrária. O elenco é quase 100% masculino, pois acompanha homens no campo de batalha durante a Primeira Guerra. Na gigantesca lista de atores, disponível no IMDb, há apenas duas atrizes e uma delas consta como “não creditada”.

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Céline Sciamma (ao centro) com as atrizes Noémie Merlant e Adele Haenel (Amanda Edwards/Getty Images)

O cinema de Céline Sciamma

Céline é conhecida por dar foco às mulheres em seus filmes – e vale frisar que ela sempre escreve o roteiro dos longas que dirige. “Retrato de Uma Jovem em Chamas” tem elementos parecidos com “Lírios D’água”, longa de estreia da cineasta e que competiu na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, em 2007. Esse filme também aborda o despertar da inesperada atração entre duas garotas.

Em 2011, ela lançou o notável “Tomboy”. Na trama, Laure é uma menina de 10 anos que se muda com a família para uma nova vizinhança. Em meio às crianças do local, ela se apresenta como Mikhael e todos acreditam que seja um menino. Com sensibilidade, Céline não crava a orientação de gênero da protagonista, o que faz com que muita gente veja “Tomboy” como um filme sobre transexualidade. Em entrevistas, a cineasta aponta que Laure é, na verdade, uma menina que não se identifica com o que a sociedade lhe impõe como “coisas de menina” – sentimento vivenciado por inúmeras mulheres lésbicas na infância. Premiada em Berlim, a cineasta provou que tem uma notável competência para dirigir crianças.

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Já em 2014, Céline lançou “Garotas”, filme que fala sobre machismo, racismo e sororidade. A trama acompanha Marieme, uma adolescente negra de 16 anos que se sente meio deslocada no mundo, por conta da opressão que vivencia. Ao conhecer três garotas empoderadas, ela passa a bater de frente com essa realidade.

“Retrato de Uma Jovem em Chamas” é o quarto longa-metragem dirigido por Céline e faz com que ela se firme como uma cineasta competente, criativa, sensível e, sobretudo, empenhada em colocar todo seu talento na realização de filmes que falam sobre o universo das mulheres e da opressão de gênero. Também é justo dizer que poucos diretores e roteiristas conseguem extrapolar o subgênero dos filmes LGBT como ela.

Ao final, se você busca saber mais sobre mulheres cineastas que merecem mais reconhecimento, Céline Sciamma  certamente precisa entrar no seu radar. E o melhor de tudo é que “Retrato de Uma Jovem em Chamas” está em cartaz atualmente. Se a gente quer ver mais diversidade no cinema, é importantíssimo prestigiar filmes que tenham um perfil diverso.

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