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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Uma ação antirracista objetiva

A escritora Juliana Borges promove reflexões sobre ações que podem, de fato, desmantelar o sistema

Por Juliana Borges
Atualizado em 16 set 2020, 16h35 - Publicado em 3 jul 2020, 20h03

São Paulo, 03 de julho de 2020

Lá estava eu bisbilhotando perfis de personalidades que eu admiro no Instagram, às 23h34 de uma gélida noite de quinta-feira, na cidade de São Paulo, um dos focos da pandemia no país, mas que acha que abrir shopping e academia é mais importante do que salvar vidas. Eu não sei como é para vocês, mas quando eu começo a ver um perfil, ele me leva para outro, que me leva para outro, que me leva para um outro sobre outro tema. Daí, eu volto para a celebridade, vejo outra celebridade, e vejo outra e assim vai. É como um buraco negro.

E nessas espirais das redes, eu cheguei ao perfil do Alexis Ohanian. Para quem não conhece, Ohanian é companheiro da Serena Willians. Sim, eu sei que é péssimo apresentar pessoas assim, mas o que me fez chegar a ele foi ela. Mas, para além de ter o privilégio de ser companheiro de uma deusa, Ohanian é um empresário e investidor das redes. Ele é o co-fundador do site de mídias Reddit, avaliada em US$1,8 bilhão! Entre a olhada em uma foto ou outra, eu encontrei um vídeo em que Alexis Ohanian apresenta uma reflexão diante dos levantes e discussões sobre a violência policial e o racismo, e a necessidade de concretizar a luta antirracista nos Estados Unidos. O empresário anunciou sua renúncia do conselho da Reddit com a condição de que o cargo fosse ocupado por uma pessoa negra. Agora, você pensa na minha cara enquanto eu escutava cada palavra. Segundo Ohanian, a decisão aconteceu a partir de uma reflexão sobre como ele poderia contribuir na luta antirracista, por ser pai de uma menina negra e ter pensado no que responderia se algum dia fosse confrontado pela filha sobre o que ele fez nesse momento. Mas a ação não foi pontual. Em sua declaração, Ohanian diz ainda que “acredita que a renúncia pode ser um ato de liderança de pessoas no poder agora”, e terminou dizendo “Para todos que estão lutando para consertar nossa problemática nação: não parem!”.

Ao ver essa ação do Alexis Ohanian, eu não pensei em escrever aqui para o que a gente chama de “dar biscoito”. Mas, eu quis escrever sobre isso sobre um exemplo prático de ação antirracista. Nesse processo todo, muitas pessoas brancas têm se perguntando sobre o seu papel nessa luta. Muitas ações foram realizadas, e eu escrevi sobre algumas delas aqui e acho válidas todas as iniciativas. Contudo, uma questão é muito importante quando vamos pensar em racismo e no seu desmantelamento: se trata de um sistema de poder. O que quero dizer com isso? Bem, o racismo é um sistema de dominação que se baseia em hierarquizar grupos tendo na raça um fundamento. Como diz o intelectual Silvio Almeida, racismo é um “processo histórico e político, (que) cria as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistemática”. Essa afirmativa dá conta de sistematizar um ponto fundamental para compreendermos quando falamos de racismo: ele perpassa as relações subjetivas, do Estado, da Cultura, da Economia, ou seja, tudo. E significa um conjunto de práticas, ações e políticas com o intuito de manter privilégios a um grupo em detrimento, e pelo controle e extermínio, de outros.

E eu disse tudo isso porque o exemplo de Ohanian, por mais que ainda tenha suas limitações porque uma ação individual, coloca um questionamento importante para nós: como desmantelamos relações de poder? Como balançamos estruturas e pirâmides – como a que temos no país, hoje, em que mulheres negras estão na base da pirâmide das desigualdades, sendo as trabalhadoras de condições mais precarizadas; e com homens brancos no topo, com os melhores salários mesmo quando ocupam as mesmas funções de trabalho? Será que é só a gente discutir representatividade? Será que “espaço” nas suas mídias pagam as contas de pessoas negras, fazem com que elas tenham capital para transformar suas vidas e as vidas de seus familiares e outras pessoas negras?

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A ação de Alexis Ohanian não parou por aí. Ele ainda anunciou que parte do que lucrou todo esse tempo com a Reddit será revertido em doações e investimentos em projetos antirracistas e da população negra. O primeiro foi o projeto Know your rights camp, uma campanha que visa fortalecer e empoderar jovens negros e que faz discussões importantes sobre aplicação das leis, com a doação de US$ 1 milhão.

Uma prática que tem se disseminado na quarentena são as lives e webnários. Agora, vamos percebendo diversas adaptações de cursos sendo oferecidos online. Mas as organizações que estão realizando essas atividades fazem convites para pessoas negras sem sequer falar em pagamento. Veja bem, eu não estou falando de projetos sociais, de iniciativas de pessoas periféricas e negras, mas estou falando de entidades, organizações e corporações, empresas e bancos, que tem sim capital para garantir que as pessoas que forem dar cursos sejam remuneradas. Não é porque o produto será entregue online que as pessoas não precisam receber por isso. Aquele conhecimento é fruto de investimento pessoal das pessoas – no meu caso, de toda minha família – e que merece ser reconhecido e ser remunerado pela preparação para aquele conteúdo produzido e pelo tempo que essas pessoas despenderão para garantir o curso, a aula e a palestra para a sua organização/empresa/corporação. Não dá para se fazer de desentendidos sobre isso, pessoal. Esse seria já um bom começo e está bem longe de ser uma ação compensatória ou reparatória, porque significa apenas o justo diante de uma relação que é sim comercial e de trabalho.

A medida de Ohanian foi mais no sentido reparatório porque ele compreendeu as estruturas de poder envolvidas no debate sobre o racismo e que as ações precisam ser mais efetivas do que dar espaço em uma rede social. Repito: não que isso não seja importante. É. Mas, com quantas pessoas negras você trabalha? Quantas pessoas negras você emprega e paga o mesmo que paga para pessoas brancas? Quantas pessoas negras estão em espaços de chefia e decisão da sua empresa? Com quantas pessoas negras você senta para decidir as coisas? Pois então. Me chamem sim, mas para uma sociedade ou para compor o conselho, remunerado, das empresas de vocês. Aí sim a gente vai estar começando a conversar seriamente sobre isso.

Acompanhe o Diário de Uma Quarentener

Todas as mulheres podem (e devem) assumir postura antirracista:

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