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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

Por que não participei ou incentivei a #BlackOutTuesday?

Muitas vezes nos comovemos com o que acontece lá fora, com os filmes que narram o histórico de escravidão estadunidense, sem olharmos para o nosso processo

Por Juliana Borges
Atualizado em 2 jun 2020, 21h00 - Publicado em 2 jun 2020, 21h00
 (Dan Kitwood/Getty Images)
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São Paulo, 02 de junho de 2020

Eu pensei muito se escreveria sobre essa hashtag hoje. Logo pela manhã, acordo e me deparo com vários perfis de amigos no Instagram com um banner todo em preto e uma hashtag. Solta no ar do espaço-texto. Não entendi e fui procurar. E já logo desconfiei se algo como isso causaria o efeito desejado.

Primeiro, o desconforto por estarmos transpondo uma hashtag a partir de um contexto estadunidense. Lá, os protestos tomam às ruas e há um outro nível de mobilização – que não significa um juízo de valor de minha parte se são melhores ou não, porque acredito que tudo deva ser colocado sob contextos. Acho que o nosso desafio é a retomada da nossa memória. O que quero dizer com isso? Muitas vezes, nos comovemos com o que acontece lá fora, com os filmes que narram o histórico de escravidão estadunidense, mas sem olharmos para o nosso processo. Parece que tudo aconteceu aqui na maior passividade. E isso não é verdade. Nós tivemos aqui muitos levantes contra o processo e a instituição da escravização e que foram violentamente dizimados.

O quilombo de Palmares, por exemplo, conseguiu resistir por quase um século e foi destruído de modo cruel não apenas porque era um lugar para o qual negros e negras fugiam da escravidão, mas também porque um território que colocava em cheque o modelo de Estado que funcionava no que ainda era uma colônia portuguesa. E tivemos muitos outros levantes como a Conjuração Baiana, a Balaiada, Canudos, Revolta dos Malês, Revolta da Chibata e por aí vai. Nossa história não é, nem de longe, uma história de passividade e festejos. Podemos até estar apáticos agora, mas isso é papo para outro dia. O século XX também foi marcado por outras vias de resistência, diante das desigualdades em nosso país, como a organização de uma Frente Negra Brasileira, a participação em mobilizações por direitos, etc. Ou seja, retomar a nossa memória significa reconhecer que temos sim resistência. Nesse sentido, pensar em maneiras de diálogo agora demanda pensarmos a partir da nossa realidade.

O segundo ponto que me chamou atenção foi a história de onde vem a hashtag. Uma proposta que partiu da indústria fonográfica, de algumas redes para que deixassem de compartilhar sobre normalidades em um período tão tumultuado e dessem visibilidade ao assassinato de George Floyd. De um movimento de empresas, partimos para uma adesão de artistas e que chegou ao Brasil, sendo que, novamente, estamos em um outro momento da mobilização, em que é ainda importante que falemos explicitamente sobre as violências que aqui acontecem, também, todos os dias contra jovens negros e periféricos.

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Logo achei que a consequência seria silenciamento e apagamento da pauta e não seu impulsionamento. Passado um tempo, vejo o perfil de uma importante liderança do Black Lives Matter apontando que não participaria e impulsionaria a hashtag justamente porque compreendia que o momento deveria ser de engajamento e mobilização. No ponto.

E eis que no final do dia, há pouco, eu vejo a confirmação do que eu temia sobre o jogo dos algoritmos. O instagram estava fundindo as hashtags #BlackOutTuesday e #BlackLivesMatter, fazendo com que houvesse a invisibilização de informações importantes que o movimento BLM tem difundido pelas redes para as pessoas que querem saber sobre as mobilizações e as motivações do movimento.

Eu acho que tudo isso deve nos colocar para refletir para que não nos joguemos de cara nas primeiras ondas, para que escutemos quem de fato deve ser escutado: os movimentos e ativistas que estão à frente de processos importantes por mudanças. Além disso, acredito que precisamos compreender o terreno que navegamos das redes sociais, sua teia de tendências, de algoritmos e como podemos potencializá-los a nosso favor, e não cair em seus emaranhados.

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Nem tudo é terra arrasada, claro. Muita gente tomou uma atitude importante e abriu suas redes para reproduzir vídeos de ativistas negros e negras falando sobre os protestos, sobre o ativismo negro e nossas principais demandas. Houve também quem aproveitou para dar visibilidade a produções da intelectualidade negra; quem decidiu divulgar filmes com a temática racial como foco; quem decidiu falar sobre literatura que tenha nessa temática um forte; e assim por diante.

Mas, eu fico com a ideia do intelectual negro Gabriel Rocha Gaspar, em vídeo em que ele participa dessa ação de “tomar” o perfil de uma pessoa branca: e se ao invés de fazermos isso apenas hoje, essa ação de potencializar vozes e discursos, negros e indígenas, seja uma prática constante e que a repitamos na semana que vem, na outra e na outra, e na outra e na outra?

Se a sua questão é se colocar como uma pessoa em compreensão do privilégio que tem e, a partir disso, ser um agente de soma e multiplicação (obrigada, Lua Leça, por esses conceitos de “escuta ativa” tão importantes para a branquitude na luta antirracista), isso não pode ser fruto de uma hashtag de um dia só. Isso tem que ser por inteiro, todo dia, todo tempo. Até que alcancemos a equidade tão sonhada.

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Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener

Todas as mulheres podem (e devem) assumir postura antirracista

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