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Dalva: o machismo quase calou uma das maiores cantoras do Brasil

Em uma época em que artistas mulheres eram consideradas ~imorais~, Dalva de Oliveira foi vítima da difamação dos ex-maridos e morreu de amor

Por Raquel Drehmer
Atualizado em 20 jan 2020, 10h40 - Publicado em 10 jul 2017, 22h08
 (Reprodução/Reprodução)
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Se você acha seus dias duros e sente que lhe falta sorte no amor, prepare-se para conhecer a história de Dalva de Oliveira e mudar seus parâmetros. Dalva foi uma das maiores cantoras que este país já teve, considerada “a rainha da voz” e “o rouxinol do Brasil”, mas o machismo dos ex-maridos e da sociedade quase acabou com sua carreira e certamente teve uma influência muito negativa em sua vida (e sua morte).

Seu maior erro: amar perdidamente um cara que não a merecia, o também cantor Herivelto Martins. Seu maior problema: tudo ter acontecido entre os anos 1930 e 1970, quando nem divórcio havia no Brasil ainda (só foi existir em 1977).

Neste ano comemoramos o centenário da cantora, que nasceu em 5 de maio de 1917 e morreu em 30 de agosto de 1972. Mas vamos começar do começo.

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A infância pobre de Dalva de Oliveira, ou melhor, de Vicentina

Dalva nasceu Vicentina de Paula Oliveira, em Rio Claro, no interior de SP. Com a morte de seu pai, Mário Antônio, em 1925, a família mudou-se para a capital paulista em busca de melhor qualidade de vida. Sua mãe, a portuguesa Alice, logo conseguiu um emprego de governanta, o que fez com que Vicentina e suas três irmãs (Nair, Margarida e Lila) precisassem ser criadas em um internato.

Foi no internato que Dalva, ou melhor, Vicentina, soube que cantava bem. Mas as coisas dificilmente caem do céu nesses assuntos de fama, então ela teve que trabalhar muito como arrumadeira, babá e tudo mais que aparecesse para conseguir pagar as contas. Em um desses empregos, como faxineira de uma escola de dança, ela conseguiu começar a cantar em troca de dinheiro. Ufa, as coisas começavam a clarear.

Ouça Dalva cantando enquanto continua lendo a história dela:

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Dalva muda-se para o Rio com a família

Um amigo da família sugeriu que Vicentina mudasse para o Rio de Janeiro, pois era lá que estavam todas as oportunidades (o Rio era capital do Brasil, inclusive), e trocasse de nome, porque não achava Vicentina tão sonoro assim. Dalva foi uma sugestão da mãe.

E lá foram as quatro mulheres Oliveira, em 1934, para o Rio de Janeiro.

Dalva logo conseguiu emprego na rádio Ipanema – naquela época, as rádios contratavam cantoras e cantores como funcionários fixos – e foi trocando de empregador à medida em que apareciam propostas melhores. Foi do elenco das rádios Sociedade, Cruzeiro do Sul (onde cantou com Noel Rosa), Philips e Mayrink Veiga. A vida dela era perfeita.

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(Reprodução/Reprodução)
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Bem-sucedida e feliz, claro que ela queria se divertir um pouco também. No começo do século passado, a balada da juventude era ir à praça e ao cinema. Numa dessas, frequentando o Cineteatro Pátria, Dalva conheceu Herivelto Martins. Fazia um ano que Dalva morava no Rio.

 

Dalva e Herivelto: parecia um sonho

Ah, tão lindo, tão dono de olhos claros como o mar e tão… casado. FUÉN!

Ok, ele não vivia mais com a mulher, mas ainda era casado no papel. Lembre-se de que não existia divórcio; o que se fazia quando o casamento acabava era se desquitar, um processo longo e chato.

Foi um escândalo, portanto, quando Dalva resolveu sair de casa sem se casar, para morar com um homem que, para todos os efeitos, ainda era casado. Mas ela foi mesmo assim, porque estava perdidamente apaixonada.

Quando finalmente saiu o desquite dele, em 1937, eles se casaram. Àquelas alturas, já eram astros do rádio em conjunto, com o Trio de Ouro (a terceira pessoa era Nilo Chagas). Dalva e Herivelto eram a sensação da música, e ela já era considerada a rainha da voz.

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Da esquerda para a direita: Nilo Chagas, Herivelto Martins e Dalva de Oliveira (Reprodução/Reprodução)

O Brasil os amava. Dalva amava Herivelto. E Herivelto… bem, Herivelto amava a boemia e todas as mulheres que ele conseguisse conquistar, mesmo sendo casado com sua parceira de trabalho.

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Machismo e difamação

Até que Dalva aguentou por bastante tempo as traições de Herivelto: ela só pediu o desquite em 1947, depois de eles terem tido dois filhos, Peri (o cantor Pery Ribeiro) e Ubiratan. E daí começou o show de horrores.

Inconformado com a separação, Herivelto passou a difamar Dalva para a imprensa, que era tão machista quanto ele e conivente com as mentiras que ele contava. Para tirar a guarda dos filhos da ex, ele inventou que Dalva o traía e fazia orgias em casa.

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A não ser que fossem casadas e ~boas esposas~, as mulheres artistas já tinham fama de imorais por aqueles tempos. Com um homem “confirmando” isso, então, a sociedade preconceituosa nem precisava de provas. A palavra de Herivelto bastava. Isso arruinou a vida de Dalva.

Naturalmente, ela perdeu a guarda dos filhos. E Herivelto não queria ficar com os meninos, não: eles foram mandados para um internato. Paizão do ano.

 

Repeteco da desgraça

Dalva começou a beber e, depois de passar por uma depressão, decidiu focar na carreira novamente. Com aquela voz absurda, não demorou a reconquistar o sucesso e fez, inclusive, sua primeira turnê internacional solo, na Argentina. Foi tudo tão lindo que lá ela conheceu um novo amor, o empresário Tito Clement.

Em 1952 Dalva e Tito se casaram e ela se mudou para Buenos Aires. Adotaram uma menina, Dalva Lúcia, e tudo parecia um conto de fadas.

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Tito Clement e Dalva de Oliveira (Reprodução/Reprodução)
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Mas Tito se mostrou ciumento: queria que Dalva se dedicasse menos à carreira e visse menos os filhos brasileiros, que ela conseguia visitar só com ordem judicial. Pô, Dalva já era gigante e mulher de vida feita quando ele a conheceu, não sabia que seria assim?

Enfim, o casamento foi de mal a pior e acabou em 1960. E então o que Tito fez? O mesmo que Herivelto: difamou Dalva, com a ajuda dos repórteres machões de sempre, e tomou a guarda da filha.

Sabe aquela história de que o raio não cai no mesmo lugar duas vezes? Mentira braba na vida de Dalva.

 

Quem sabe na terceira vez dá certo?

Difamada, porém ainda uma cantora famosa; sem os filhos, mas rica e com uma vida de luxos. Dalva era infeliz até dizer chega.

Durante todo o ano, ela só ficava feliz em um mês, janeiro, que era quando os meninos podiam sair do internato para ficar com ela e a justiça argentina liberava Dalva Lúcia para visitar a mãe no Brasil.

Namoricos vinham e iam e ela só queria curtir a vida e o sexo casual, numa boa. Mas um problema voltou com tudo: o alcoolismo. Dalva bebia descontroladamente.

No meio das bebedeiras, apaixonou-se em 1965 por um companheiro de copo 20 anos mais novo, Manuel Nuno. Ele logo foi morar com Dalva e, meses depois, sofreram um acidente de carro horroroso, em que quatro pessoas morreram atropeladas.

Manuel foi preso, pois estava dirigindo embriagado. Dalva ia visitá-lo na cadeira, coisa que só prostitutas faziam, e conseguiu que a pena fosse revertida para a prestação de serviços comunitários. Eles se casaram e ela achou melhor se afastar dos palcos por um tempo.

Morrer de amor

Em 1970, Dalva de Oliveira voltou triunfante aos palcos com “Bandeira Branca” (a música do vídeo aqui de cima), seu maior sucesso. Dois anos depois, em 1972, descobriu um câncer de esôfago, consequência do consumo descontrolado de bebidas alcoólicas.

Dizem os amigos próximos que, em seus últimos dias de vida no hospital, em agosto de 1972, Dalva delirava que Herivelto voltava a procurá-la (só que ele estava casado com a comissária de voo Lurdes Torelly e havia rompido relações com a ex definitivamente). Dizia que o perdoava – mesmo sem ele nunca tendo pedido perdão a ela. Morreu de hemorragia interna e de amor.

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