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Dor na hora ‘H’: as causas do vaginismo e o relato de quem o venceu

Sentir incômodos ou até mesmo não conseguir fazer sexo com penetração vaginal é um problema comum, mas pouco falado

Por Valentina Bressan e Sílvia Lisboa
8 jul 2022, 08h04

“Casei virgem. Quando comecei a ter relações sexuais, era ruim e difícil. Na verdade, voltei da lua de mel sem a penetração. Eu tinha um medo muito grande de algo entrando em mim”, conta a paulistana Maria*. Seu relato se assemelha ao de muitas mulheres no início da vida sexual. O que ela levou anos para saber é o nome do medo da penetração: vaginismo. Ela descobriu o diagnóstico sozinha, vasculhando informações na internet, depois de seis anos sofrendo entre quatro paredes.

“Não fazia ideia de que existia vaginismo. Fui em mais de um ginecologista, e nenhum deles suspeitou que poderia ser isso”, disse. O vaginismo é o nome mais comum para o chamado transtorno de dor gênito-pélvica. Consiste na dificuldade de ter a penetração vaginal devido a uma contração involuntária na vagina. O transtorno pode ter diferentes gradações: há mulheres que não conseguem fazer sexo com penetração, enquanto, para outras, é difícil concluir o ato e a dor está sempre presente. Tem diferentes causas, tanto físicas, quando há uma atrofia genital; quanto psicológicas, como traumas; e culturais, relacionadas sobretudo à religião e à educação conservadora.

Independentemente da causa, nasce um círculo vicioso. “A contração vaginal vem de uma defesa reflexa do nosso corpo. Se você vai tomar uma injeção, por exemplo, e está com medo, o seu corpo fica tenso e responde com contração. Quando você tenta ter a penetração com a vagina contraída, a dor se confirma e fica registrado no cérebro que aquilo dói”, explica a ginecologista Carolina Ambrogini, coordenadora do Projeto Afrodite na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

E dói muito, já que a musculatura do assoalho pélvico é uma das mais potentes do corpo. Segundo Carolina, algumas pacientes relatam suar frio. “Elas me descreveram que a sensação é como o ‘medo de uma faca entrar em mim’.”

Não existem dados consolidados sobre o número de mulheres que sofrem dessa condição. Estima-se que entre 7% e 15% delas convivam com o transtorno. Mas o número geral de quem sente qualquer tipo de desconforto nas relações sexuais pode ser ainda maior, como explica a sexóloga e ginecologista Sandra Scalco. “O ideal seria não ter dor em nenhum momento porque o sexo foi feito para ter prazer. Mas as pessoas naturalizam e normalizam a dor na relação”, diz Sandra.

Não é só durante o sexo que o medo aparece. Nas consultas ginecológicas, a apreensão com exames invasivos pode alertar os médicos para o problema. Mas não é isso que ocorre, na maioria das vezes. Maria lembra que nunca conseguiu fazer um exame de papanicolau, mas isso não sensibilizou os profissionais com quem se consultou. “Uma vez, uma ginecologista colocou o espéculo e o retirou com sangue. Ela falou ser um absurdo eu não deixar ela realizar o exame, mas eu não entendia [que apertava a vagina]. Ela foi muito rude”, desabafa.

A Carolina Ambrogini conta que muitas pacientes chegam traumatizadas ao Projeto Afrodite, que orienta pacientes com distúrbios sexuais por meio de palestras e atendimentos especializados no Ambulatório de Sexualidade na Unifesp, em São Paulo. “Você não força um toque vaginal se ela não está preparada”, alerta. Desrespeito e descaso nos consultórios também atrasam o diagnóstico por anos a fio. “Algumas pacientes chegavam com 5, 10 anos de disfunção, sem coragem nenhuma de ir ao médico ou tendo ido a profissionais que davam informações completamente erradas”, lamenta. Segundo ela, a sexualidade é, ainda hoje, negligenciada no ensino da medicina.

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Maria recorda de ouvir de ginecologistas frases como: “troque de marido”, “tome um vinho”, ou apenas um simplório, “relaxe”. “Em nenhum momento eles pensaram ser uma disfunção”, desabafa. É uma situação que agrava o sofrimento. “Elas se sentem menos mulheres, incapazes e adiam a maternidade porque não conseguem resolver”, diz a professora da Unifesp.

A contração vaginal vem de uma defesa reflexa do nosso corpo. Quando você tenta ter a penetração com a vagina contraída, a dor se confirma e fica registrado no cérebro que aquilo dói

Carolina Ambrogini, ginecologista

Mas o vaginismo vai além de uma contração da vagina. O transtorno de dor genito-pélvica passou a ser chamado assim em 2013, quando foi lançada a quinta edição do DSM, o Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais, considerado a “bíblia” da psiquiatria. Hoje, o conceito não é mais baseado apenas na contração vaginal que dificulta ou impede a penetração. A nova classificação uniu diferentes tipos de dor sob um mesmo nome (leia mais no box da página ao lado). Agora, outras doenças que podem causar dificuldade e dor na hora da penetração, como a dispareunia e a vulvodínia, estão sob o mesmo guarda-chuva.

Educação sexual ignorada

Maria cresceu em uma família machista que não falava sobre sexo. Na adolescência, começou a frequentar uma igreja evangélica na qual prazer e desejo eram considerados pecados. “Eu e meu atual ex-marido tínhamos essa visão de que nada era permitido até o dia do casamento. Mas, depois da cerimônia, você tem que fazer tudo. As coisas não são tão simples assim, foi um susto.” Maria recorda que era como se seu corpo se fechasse. “Não sentia prazer nenhum. E tinha muita vergonha de falar disso”, conta. Não à toa uma pesquisa da Unifesp, conduzida no âmbito do Projeto Afrodite, revelou que 80,4% dos casos têm relação com religião e educação rígida, e 36,9% com abuso e traumas sexuais.

ilustração vaginismo
O transtorno de dor genito-pélvica passou a ser chamado assim em 2013, quando foi lançada a quinta edição do DSM. (Ilustração:/Getty Images)

Para quem suspeita sofrer de vaginismo, recomenda-se buscar profissionais especializados em sexualidade e, se possível, ter uma equipe multiprofissional por perto. O mais importante é chegar ao acolhimento adequado, como conta a fisioterapeuta do projeto Afrodite, Laíse Silva. “A base dessa disfunção é o medo. Se você não consegue criar um vínculo com a paciente, ela não vai melhorar.” Na terapia sexual, a ideia é ressignificar a sexualidade, especial- mente no caso de mulheres que foram vítimas de abusos. Outra parte central do tratamento é a dessensibilização, que envolve o uso de dilatadores vaginais que ajudam a acostumar a musculatura à penetração por meio de exercícios e estímulos de massagem na região perineal. “Tudo feito de forma gradual”, como explica Laíse.

O uso do biofeedback – em que eletrodos são conectados na vulva e indicam a força das contrações na região – pode ser um aliado no autoconhecimento corporal. Vibradores ajudam nesse processo, quando usados para fins terapêuticos. “O músculo tenso dificulta a circulação sanguínea local. Então o dispositivo vibra- tório promove a circulação e o relaxamento, limpando o tecido de substâncias que causam dor”, coloca Laíse. Laser e radiofrequência também podem ser usados com o mesmo objetivo de relaxar e diminuir a sensação de dor. A novidade agora são os testes com produtos à base de cannabis medicinal no tratamento da dor na hora H.

Não faltam opções para deixar o ato sexual prazeroso como ele deve ser – e aqui vale lembrar que o ato não se resume à penetração. “Nossa sociedade é muito heteronormativa. Existe a ideia de considerar que sexo é só penetrativo, mas não é”, esclarece a médica e terapeuta Sandra Scalco. Ainda que o vaginismo possa estar associado a outras disfunções sexuais, o transtorno de dor genito-pélvica por si só não afeta o ciclo de resposta sexual das mulheres, e algumas pacientes conseguem chegar ao orgasmo.

Maria começou a mudar sua relação com seu corpo e a sexualidade quando descobriu o Projeto Afrodite. A partir do contato com as profissionais, sentiu-se mais à vontade para falar do assunto com as amigas e descobriu que muitas também sofriam da mesma condição. O desafio, depois de ter conseguido a penetração, foi o primeiro orgasmo, que veio com a ajuda de um vibrador, após o término do casamento, aos 40 anos. Mas faltava um segundo estágio: sentir tesão. Nesta época, a paulistana já havia se libertado dos dogmas religiosos que associavam sexo com pecado. “Ressignifiquei minha fé, entendendo que Deus está muito acima de alguns conceitos limitantes que não são verdadeiros. Prazer não é pecado”, disse. Livre dessas amarras, começou a namorar de novo. E, pela primeira vez, sentiu-se desejada. “Meu novo namorado me olhou como mulher.”

Não confunda!

Conheça os diferentes tipos de dor e desconforto no sexo:

  • Vaginismo: Contração dos músculos da vagina durante a penetração, que traz angústia e medo. Tem causas tanto biológicas (como atrofia vaginal) quanto psicológicas.
  • Dispareunia: Dor durante o ato sexual que pode ter como causas infecções, problemas psicológicos, endometriose e outras doenças crônicas. O vaginismo também pode agravar o quadro.
  • Vulvodínia: Dor crônica na região genital que perdura por mais de três meses e se manifesta durante o sexo ou quando a mulher fica sentada por longas horas. É uma sensação de queimação ou ardência.
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