Por que aceitar a finitude do amor é um grande passo para vivências leves
Mais importante do que garantir a permanência dos vínculos amorosos é se certificar de que estamos presentes em nossas vivências
Todos nós queremos construir uma relação amorosa duradoura, certo? Não há problema algum nisso. Porém, as armadilhas culturais e emocionais presentes neste caminho em direção ao “felizes para sempre” podem nos inserir num eterno ciclo de frustrações. Tudo nessa vida acaba — incluindo os relacionamentos — e está tudo bem.
Aceitar e abraçar a finitude ao nosso redor é um grande passo para termos vivências mais leves e enriquecedoras. Agora, claro: há um árduo trajeto até conseguirmos abraçar esse novo modo de pensar.
Para a psicóloga e escritora Fernanda Angelini, tudo começa na maneira em que enxergamos o próprio conceito do que é ser feliz: “Felicidade não é um estado de espírito, mas, sim, uma questão pontual. O que podemos alcançar de fato é um estado de plenitude, que significa estar em paz com todos os sentimentos e experiências, sejam elas ‘positivas’ ou ‘negativas’. Quando censuramos emoções, como a raiva, a decepção e a tristeza, abafamos uma parte de quem somos”, defende.
“É saudável ter medo de perder o outro, mas também não podemos ir para o extremo da dependência emocional”
Fernanda Angelini, psicóloga e escritora
O ponto levantado por Angelini é importantíssimo, pois está conectado à nossa necessidade de querer vivenciar apenas os altos da relação, nunca os baixos. Com isso, tentamos nos esquivar de todos os conflitos e discussões possíveis, nos baseando no medo do rompimento para construir uma dinâmica longínqua:
“É interessante ter uma comunicação assertiva e gentil, pois isso nos ajuda a evitar brigas. Porém, isso é bem diferente de evitar conversas desconfortáveis. Esses papos difíceis precisam ser feitos, mas, novamente, com gentileza. Acredito que seja saudável ter medo de perder o outro, pois temos a tendência de não cuidar daquilo que já temos como garantido. Isso é bom para não nos tornarmos irresponsáveis a ponto de falar e fazer só o que quisermos. Mas também não podemos ir para o extremo da dependência emocional”, esclarece.
“O medo do término como fator que orienta a relação fomenta a dificuldade do ser humano em dizer ‘não’”
Andréa Ladislau, psicanalista
A psicanalista Andréa Ladislau complementa: “O medo do término como fator que orienta a relação, além de provocar dependência, fomenta a dificuldade do ser humano em dizer ‘não’. Isso nos coloca em uma posição de submissão perigosa, que nos faz minimizar as nossas vontades e escolhas pessoais”, alerta. Fernanda nos relembra: “Relações amorosas não definem a vida de ninguém. Elas não precisam ser algo central. Se quisermos que seja, tudo bem. Mas tome cuidado para não dar um peso desproporcional para o outro, pois a maior relevância de todas deveria ser nós mesmas”, declara a psicóloga.
Fazendo as pazes com o fim
Agora, chegamos ao outro lado da moeda. Quando fazemos as pazes com o fato de que, sim, os relacionamentos amorosos não definem uma vida inteira, um novo dilema surge: o desânimo em colocar energia em algo que pode terminar.
É natural que esse receio apareça, mas segundo o escritor e comunicador Mário Dominowski, é importante tentar atingir um balanço: “Sempre recomendo que as pessoas equilibrem as suas expectativas. Se colocamos na cabeça que precisamos fazer a relação dar certo até o fim, estamos no oito. Se falamos que não vamos ligar muito para o vínculo, pois todos que entraram em nossos caminhos foram embora, estamos no oitenta. Nenhum dos extremos, tanto do apego quanto do desapego, são saudáveis”.
“É preciso encarar a vida como uma jornada que possui curvas e pontos finais, que nem sempre será apenas uma linha reta”
Mário Dominowski, escritor e comunicador
Ele aconselha que, para realmente conseguir lidar de forma leve com a possibilidade do término, a principal dica é nos esforçarmos sem ultrapassar os nossos limites: “Comunique as suas questões, encare as suas inseguranças, se permita ser vulnerável, saiba ceder e demandar. Caso chegue ao fim, pelo menos você saberá que deu o seu melhor. Essa consciência tranquila, quando falamos de perdas, é de extrema ajuda. Faço um paralelo com o luto. Quando perdemos um ente querido, nos desesperamos mais quando sentimos que não aproveitamos e demos o nosso melhor. Depois que a pessoa vai embora, não tem mais o que fazer. E com os relacionamentos é a mesma coisa”, pontua.
Andréa Ladislau reforça: “Nada é eterno. Os ciclos mudam, assim como nós passamos por muitas transformações ao longo da existência. É preciso encarar a vida como uma jornada que possui curvas e pontos finais, que nem sempre será apenas uma linha reta. Além disso, alguns fins são até saudáveis para que se possa resgatar a identidade que, em muitas relações, pode se perder, especialmente quando um dos parceiros se anula dentro da dinâmica.”
Fernanda conclui que, mais importante do que a permanência das relações, são as trocas que temos com as pessoas: “Tudo o que nos agrega, filosoficamente ou emocionalmente, é valioso. Esses compartilhamentos são infinitamente mais ricos e significativos do que uma relação ter dado certo ou não. Se fomos felizes, não devemos nos envergonhar de forma alguma, mesmo que no final acabe”.