Mulheres que gostam de ser ativas no sexo
A sexóloga Natali Gutierrez reflete sobre o tópico, com dicas e sugestões
Vivemos em uma sociedade patriarcal, isso não é novidade para ninguém. E à medida que conquistamos mais e mais espaço em todas as áreas, alguns dos antigos papéis de gênero começam a cair por terra – sobretudo quando o assunto é prazer. Hoje, temos controle sobre nossos corpos, compreendemos que sexo é bem-estar e autoconhecimento, e nos permitimos deixar para trás diversas amarras. É neste contexto que encontramos cada vez mais mulheres que gostam de ser ativas na relação.
O papel da mulher ativa em uma relação sexual é influenciado por uma série de fatores: preferências, autoconhecimento, comunicação aberta e respeito dentro do relacionamento. Não existe uma definição única ou pré-determinada para o papel da mulher nesse contexto, uma vez que a dinâmica sexual varia amplamente, refletindo a diversidade das experiências e desejos das mulheres.
“Quando a gente pensa no papel da pessoa com pênis, falando de homem hétero, principalmente, esse lugar de ser o dominante está relacionado a quem está fazendo a penetração. É quem diz como o sexo deve ser feito, isso vem de uma construção. Pensando na pornografia, algo que acaba surgindo como a referência que os homens tiveram de como se relacionar com uma pessoa com vulva, é aquela penetração com eles estando por cima, dominando a situação. Logo, esse é o lugar que eles entendem como o deles, o lugar correto, de dominante, se baseando em homens que têm como influência a cultura pornô. Eu entendo isso como uma das maiores razões dessa concepção de dominação que eles possuem”, explica a sexóloga e educadora sexual Natali Gutierrez, fundadora da Dona Coelha.
“Quando a gente fala das mulheres, é superimportante esse movimento que está acontecendo, delas entenderam que podem e devem ser dominantes, se quiserem. Uma das razões disso é quebrar as amarras de que não estamos aqui apenas para dar prazer, eu quero que as pessoas me dêem prazer e quero dizer como gosto que isso seja feito”, completa.
A designer Pietra*, de 33 anos, conta que tinha certo receio de mostrar seus gostos e desejos, mas isso mudou com o tempo. “Eu sempre me considerei uma mulher, digamos, diferente, por preferir, muitas vezes, tomar o controle das relações, seja na cama ou afetivamente falando. Quando eu era mais nova, no auge dos meus 20 anos, eu tinha vergonha de contar para minhas amigas que já tinha feito sexo anal e até mesmo falar sobre isso com homens. Parecia que isso me colocava em um lugar errado, sabe?”, conta.
A mulher ativa e o pegging
Ser uma pessoa ativa em uma relação está associado a alguém que participa mais ativamente e toma as iniciativas. Quando falamos de sexo, a ideia é semelhante, mas também pode estar associado à dominação e ao que chamamos de pegging – também conhecido como inversão de papéis, quando a mulher faz sexo anal em um homem utilizando uma cinta peniana ou outros aparatos sexuais, como vibrador ou dildo.
“Quando a gente fala de uma mulher ser ativa tem uma bifurcação no caminho: pode ser aquela mulher que toma atitude e que está à frente da relação. É uma mulher bem resolvida com a própria sexualidade e que não se permite ser só a [pessoa] passiva da relação, sabe dizer o que gosta de um jeito um pouco menos agressivo. E temos também um outro lado, o das mulheres que querem fazer pegging, de ser a pessoa que faz a penetração do parceiro. Esse lugar é um pouco mais delicado, porque a tem que gente lidar com o homem hétero cis,que tem o falo como o mundo dele”, explica a sexóloga.
As mulheres que se reconhecem e que gostam de ser dominantes ainda são um percentual baixo. Uma pesquisa sobre o assunto, publicada no Journal of Sexual Medicine em 2014, mostrou que 64,6 por cento delas ainda têm a fantasia de “serem dominadas sexualmente”. Já em 2018, em um levantamento do Universa, feito com 500 mulheres, mostrou que 40% se dizem dominadoras, contra 60% que se identificam como submissas na cama. Para escrever este texto, por exemplo, foi difícil encontrar mulheres que gostariam de falar disso, o que casa com a opinião de Natali Gutierrez.
“Uma mulher falar que gosta de sexo e que é ativa ainda gera desconforto e choque, há um julgamento, seja pelo olhar ou por alguma fala”, diz Natali. Mas não temos que ser podadas por gostar de sexo e ter o entendimento do que gostamos entre 4 paredes.
Pietra conta que normalmente é a ativa no sexo por sentir falta disso nos homens com quem se relaciona. “Já não basta termos que fazer tudo, chega na hora de transar, o cara parece que não precisa levantar um dedo, literalmente”, diz. A primeira vez que praticou pegging, recorda, foi a pedido do parceiro, com quem estava há alguns meses. “No começo, eu mergulhei de cabeça. Depois, notei que precisava de uma preparação. Não dá para simplesmente pegar uma cinta peniana e enfiar em alguém, é preciso ter noção da região, explorar com os dedos, boca e, então, partir para um dildo ou vibrador”, relata. “Você se sente bem poderosa quando está penetrando um homem, é inegável esse pensamento e isso diz muito sobre como estamos acostumadas ao mundo patriarcal, porque você sente que zerou o jogo ali”, completa.
Como abrir seus desejos para o outro?
Natali Gutierrez pontua que o entendimento do que é ser ativa na cama influencia muito a nossa conexão íntima, e que isso deve vir antes de um parceiro. “Quando temos o nosso momento de intimidade sexualmente falando, descobrimos muitas coisas sobre nós mesmos. Isso não tem preço para quando a gente vai se relacionar e, posteriormente, construir essa conexão e parceria com outra pessoa”, ressalta.
A advogada Gilda*, de 35 anos, diz que tem o desejo de penetrar um homem, mas que isso ainda é bem fora do comum em seu círculo de amigas. Se entre mulheres é um tabu, imagina sugerir para um parceiro?! Ela, que está há 5 anos casada, nunca sequer abordou essa vontade com ele – uma situação bastante comum por conta destas construções sociais que levam a crer que é o sexo masculino quem dita as regras na cama.
“Quando a gente leva a mulher ativa para esse lugar de fazer penetração anal no parceiro, pensando numa relação monogâmica e heterossexual, o melhor é ir começando aos poucos. Vá trazendo o assunto, mas tem que ter paciência e entender que cada relação é uma relação”, aconselha a psicóloga. Seu conselho é vocalizar seus desejos, falar que leu sobre o pegging e ficou com vontade, e sentir a relação do par. “Eu parto de um princípio que tudo pode ser dito, desde que tenhamos o entendimento de qual a melhor forma de dizer”, completa.
Mas e quando estamos explorando relações casuais, como se encaixa o papel da mulher ativa? Natali Gutierrez conta que quando estamos neste cenário, podemos nos libertar de nossas amarras já que nunca mais veremos aquela pessoa. Como dito, precisamos entender sozinhas nossos desejos e quais expectativas temos em relação a eles. Dessa forma, vamos saber lidar tanto com casualidades, quanto com relações mais densas.
Mulheres têm o direito de explorar e expressar sua sexualidade, sem serem limitadas por expectativas machistas e antiquadas. A sexualidade da mulher não tem regras: somos livres, mas sabemos que ainda é preciso andar muito para que a sociedade consiga, de fato, entender isso. Como diz o velho bordão, o lugar da mulher é onde ela quer e isso contempla o papel que exercemos nos relacionamentos, e, principalmente, no sexo.
*Os nomes foram alterados para garantir o anonimato das fontes.