Couple burnout: como saber se o seu relacionamento está desgastado
O confinamento decorrente da pandemia abalou as estruturas dos relacionamentos. Como sair ilesa dessa turbulência?
Os números não deixam dúvidas: no segundo semestre de 2020, os cartórios brasileiros registraram recorde de divórcios, com 43,8 mil processos, segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, volume 15% maior em relação ao mesmo período de 2019. Durante o segundo ano da pandemia, em 2021, foram 77,1 mil. Fato é: casal nenhum imaginava passar 24/7 junto, colado, confinado, numa espécie de BBB com desafio extra – lidar com a ameaça de um vírus do qual pouco se conhecia e para o qual não havia remédio ou vacina.
“Alguns relacionamentos foram marcados por longas crises que resultaram em separações. Os gatilhos desse processo podem ter, sim, sua base no confinamento social imposto pela quarentena”, observa Adiel Rios, mestre em psiquiatria pela Unifesp. “Muitas famílias se viram obrigadas a estar dentro de casa e isso levou à intensificação de problemas já existentes, que tomaram uma maior proporção devido à ‘superconvivência’”, continua ele. Passou a ser comum a queixa de casais que precisavam dividir a mesma mesa para trabalhar durante todo o dia.
“Um maior tempo de convivência reduz o espaço ideal que todos precisam, mesmo estando dentro de um relacionamento, desnuda o ser amado e mostra, com mais vigor, suas imperfeições”, analisa o psiquiatra. Outras questões também impactaram a vida a dois: insegurança financeira, cuidar dos filhos (que ficaram sem babá e escola), agregando mais cansaço. “Assim como vários processos passaram por uma reinvenção na pandemia, os casais também precisaram se reinventar, o que nem sempre é um processo fácil, mas, por vezes, doloroso, levando até a ruptura”, explica Adiel. A seguir, especialistas falam sobre as causas e consequências do couple burnout – e como tentar driblar as dificuldades caso terminar não seja um desejo comum.
Hiperfoco nos defeitos do outro
“O burnout de relacionamentos tem sintomas como o esgotamento no se relacionar, e características como cansaço de tentativas de mudança, falta de motivação para investir no parceiro ou parceira, desesperança, tristeza, apatia, raiva”, fala a psicóloga Daniela Faertes, diretora do Espaço Ciclo, no Rio Janeiro. A principal explicação do quadro se deve ao abrupto excesso na convivência, num momento mundialmente estressante. Uma combinação explosiva para gerar divergências. “Além de se ter que conviver mais com os ‘defeitos’ do outro, esses ainda ganharam um hiperfoco”, observa Daniela.
Sexo abalado
O cenário mexeu com todos os aspectos da vida a dois. Estresse e sensação de medo realmente não combinam com desejo. Não à toa, o assunto é hoje um dos grandes problemas nos consultórios – quando um dos dois não tem mais tesão, começam as brigas, as cobranças, possíveis traições e separações. “O sexo deve ser estimulado sem pressões, como uma brincadeira para aumentar a interação e a cumplicidade”, pontua Flavia Romano Barbato, psicóloga da Telavita. Ele pode realmente ajudar a estreitar os laços do relacionamento. “Alguns casais conseguiram se aproximar criando hobbies comuns, seja cozinhando ou cultivando plantas. Isso os conectou afetivamente, o que tende a melhorar a vida sexual”, diz Daniela.
Pandemia ou realmente não dá mais?
Com a flexibilização e o retorno às atividades rotineiras, mesmo que a pandemia ainda não tenha acabado, o desgaste tenderia a diminuir. Mas um grande dificultador é que, por essência, o burnout não é um estresse pontual resolvível apenas com a interrupção do estressor. “Nesse contexto, muitas pessoas se tornaram mais objetivas e autocentradas, girando em torno das suas rotinas diárias, das suas necessidades individuais, o que as levou a perderem a sensibilidade do encontro”, diz Mariana Nahas, coach positiva e terapeuta integrativa. De verdade, tal sensibilidade é baseada na presença e na percepção que brota da conexão. “O que saliento aqui é ficar atenta a sinais como agressividade exagerada e desrespeito. Aí sim, isto pode ser mais que o efeito da pandemia e indicar o fim do relacionamento”, ressalta Flavia.
Fale com o @
Pode parecer clichê, mas a comunicação é fundamental para lidar com a situação. “Sugiro começar pelo que incomoda no outro (que pode ser a falta de divisão das tarefas com a casa; a forma grosseira de falar; constantes críticas; a falta ou pressão para vida sexual; as discordâncias sobre distanciamento da Covid-19”, enumera Daniela. A dois, é importante saber pedir e falar as necessidades objetivas e subjetivas, que vão desde as questões rotineiras até um “preciso de colo”. O segundo passo é olhar para dentro e resgatar o próprio bem-estar. Caso contrário, algumas questões vão se misturando e se sobrepondo com as de casal. Finalmente, é preciso entender se a separação já rondava antes mesmo da pandemia. “E daí as questões geradoras desse burnout, que são reais, se tornam o estopim que faltava para dar esse difícil passo que é decidir romper”, analisa Daniela. Mesmo que muitas vezes o burnout da relação venha de uma das partes, ambas vão precisar estar engajadas em resolver o conflito. Mas, sim, é possível usar desentendimentos e desencontros para exercitar o diálogo e viabilizar negociações, revendo certas atitudes, assumindo as próprias falhas e, principalmente, amadurecendo como casal.
O FIM ACONTECE – E TUDO BEM
Três mulheres compartilham experiências próprias de couple burnout, e as consequências do esgotamento afetivo:
Roberta Carletti, 43 anos, pedagoga
“Nunca fui uma pessoa de me posicionar politicamente, mas quando comecei a dizer ‘Fora Bolsonaro’, passei a ser atacada pela família do meu ex-marido nas redes sociais. A gente ficou 18 anos juntos, tem três filhos. E aí, na pandemia, todo mundo trancado junto em casa… Um mês e meio e várias conversas depois, entendemos que estávamos em caminhos diferentes que já não dialogavam mais. Ninguém muda ninguém. Não foi só política, mas, sim, os valores. Já saiu o divórcio, ele já está namorando e eu estou feliz assim.”
Ana Homem, 38 anos, consultora de marketing digital
“Nós já não tínhamos uma relação tão alinhada quando a pandemia começou, mas mantínhamos tudo sob controle porque passávamos a maior parte do tempo tomando conta de nossas vidas. Com todos dentro de casa, nós e as três crianças, o relacionamento passou a gritar. Não tínhamos espaço físico suficiente (trabalhávamos na cozinha), tudo ficou mais estressante. A gente dava um jeito de esconder as dificuldades para o bem maior, dos filhos, para evitar a separação. Outro agravante é que eu tinha muito medo da doença e ele era totalmente negacionista e pró-Bolsonaro. Ficou impossível não se indignar. A super convivência mostrou o que um não suportava no outro.”
Ana Karina Falcão de Assis, 52 anos, terapeuta especialista em medicina chinesa
“Em 2019, comecei a namorar um homem com a guarda dos três filhos: um especial, uma adolescente e uma jovem adulta. Eu ia para casa dele no sábado e voltava segunda de manhã para o meu silêncio, para a minha casa, para o meu trabalho. Em março de 2020, acontece a pandemia. Meu filho único, já adulto, decide cuidar dos meus pais. Eu, sem saber quando voltaria a trabalhar, recebo o convite do namorado para ficarmos juntos (teríamos menos riscos e cuidaríamos um do outro). Aprendi a fazer comida para uma tropa, organizei, limpei, lavei… Mas, aos poucos, fui percebendo que eu não queria a minha vida daquele jeito. Quando voltei a trabalhar, passamos a brigar. Até que disse que ia dormir na minha casa (porque havia marcado um paciente no fim da manhã) e tudo desmoronou. Ele fez um escândalo, jogou minha bolsa longe, minhas roupas no chão e me expulsou da casa dele. Fiquei triste, mas aliviada. Com a pandemia, aprendi a me cuidar e me amar em primeiro lugar.”
Dá para reverter a situação?
“Toda relação está em movimento. A pandemia foi um catalisador desses processos. É preciso observar para saber se o relacionamento não faz mais sentido e entender que nem tudo é para sempre”, pondera a psicóloga Ana Volpe, de São Paulo. “O excesso de cobrança, de discussões e de desentendimentos é sinal de que as coisas não estão bem, mas não significa que tudo esteja acabado”, analisa. Quer dar mais uma chance?
Considere estas questões:
1) Escute sem querer impor seu ponto de vista
Aprenda a escutar mais e acolher a opinião do outro como um interessante ponto de vista a ser considerado. Além disso, acreditamos que a outra pessoa está sempre entendendo o que estamos querendo dizer. “Infelizmente, não é o que acontece. Existe toda uma linguagem subliminar, simbólica, emocional, afetiva e subjetiva implícita em cada comunicação, o que faz com que o conteúdo emitido e recebido sejam completamente diferentes. Compreender essa dissonância já será de grande valor para a relação”, diz Mariana Nahas.
2) Trabalhe o autoconhecimento
Para desenvolver o amor próprio não podemos dar o que não temos. “O amor próprio é uma espécie de fonte de amor – que neutraliza a autocrítica, o julgamento destrutivo, a escassez emocional. Porém, raramente é nato. Se amar é uma habilidade adquirida com o autoconhecimento”, diz a terapeuta Mariana.
3) Valorize a individualidade
Com o confinamento, parece que você precisa fazer tudo junto – e não tem que ser assim. “Saiba aproveitar momentos em que pode ficar sozinha, no seu canto, para uma leitura. Cada um precisa praticar sua individualidade e, ao mesmo tempo, respeitar a do outro”, sugere Ana.
4) Experimente o novo
Conversar abertamente sobre os desafios diários e as preocupações deve ser presente , além de tolerância, flexibilidade e criatividade para tornar mais leve a relação. “Fazer coisas novas, criar atividades, dar espaço para cada um fazer algo que goste para desligar a mente dos problemas pode ajudar o casal”, aconselha Flavia Barbato.