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Álbum de fotografias do futuro

Não é só para passado que tenho memória boa, sou implacável na lembrança de futuros, eles acontecem na minha mente assim que são convocados pela palavra

Por Liana Ferraz
17 dez 2025, 17h00 •
A coluna de Histórias de Terapia conta a aproximação de um casal improvável
A coluna de Histórias de Terapia conta a aproximação de um casal improvável (Pexels/Reprodução)
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  • Não é só para passado que tenho memória boa. sou implacável na lembrança de futuros. eles acontecem na minha mente assim que são convocados pela palavra. viram um lugar que já entrei, só falta levar o corpo. esquecer o futuro é extrair sem anestesia um órgão criança e sonhador. é jogar no rio, embrulhada num saco preto de lixo, uma ninhada de gatinhos recém-nascidos. 

    Salvador é a cidade que não conheceremos. Tem um restaurante muito bom no centrinho onde não comeremos. Parece que não verei um cachorro numa rua com a barriga para cima.

    Também não acenderemos a vela de lavanda. Acredito que o chalé com lareira, risoto e vinho também será demolido. Um primo muito legal não será apresentado.

    Uma canga na represa que não será estendida. Cancelaram todos os voos para o Rio de Janeiro. A Europa não receberá casais. Um deck iluminado de azul e lilás acaba de fechar as portas.

    Algumas canoas partidas ao meio não é bonito folhear um álbum de fotografias abortadas? Não é bonito desafinar as músicas que ouvimos na viagem até virarem ruído?

    (passagem de tempo)

    Resolvi caminhar com meus fones num sol imenso, mas suave. Tinha acordado bem e sabia disso, algo raro, confesso. normalmente não me acho bonita. sentir-me assim, é sempre um susto. 

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    Munida de uma breve autoconfiança, fiz o teste. a playlist de músicas que me lembravam ele. ouvi, caminhei e não me senti mal em nenhum momento. 

    Não tinha sequer uma música nossa. realmente, todas as músicas eram só minhas. Inventei de modo tão rebuscado o filme, que tinha trilha sonora. respirei aliviada. poucas, pouquíssimas coisas seriam perdidas com aquele fim, pois quase todas estavam em mim, eram minhas. 

    Era o meu corpo aberto e quente, era o meu o cuidado atento, minha disponibilidade sincera. era tudo meu. continuava comigo. nada dele. Ele havia me dito que, se estivesse apaixonado por mim, estaria ele mesmo vendo as passagens. Que ele me procuraria. ele escreveria. ele me chamaria de linda sem que eu tivesse que pedir. ele mandaria corações. A sinceridade que pedia há meses, súbita, em quinze minutos. 

    A lista de coisas que ele não fez cresceu tanto em mim quanto a lista de coisas que eu fiz. percebi a mendicância e me envergonhei profundamente. Tive vontade de chorar não de tristeza, mas de vergonha. eu cheia de sim; ele cheio de não ou, no máximo, alguns talvez. Acontece que, no dia seguinte, ele apareceu bem pequeno no canto da minha mente. pequeno e menino, menino e quebrado.

    Pequeno e sozinho. pronto para se apaixonar por alguém que também impusesse alguma lista de nãos. pronto para fazer pirraça. para dar murro em ponta de faca. e eu não oferecia faca. eu oferecia cama e colo. 

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    Há quem chame sofrimento de amor. Acontece. 

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