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Aline Midlej: “Quando piso no estúdio, muitos brasileiros pisam comigo”

A jornalista Aline Midlej conta os dias para os espectadores e as horas para a família – é como dá conta de fazer um jornalismo mais humano

Por Carol Castro
14 nov 2025, 10h00
Mulher segurando buquê de flores encostada em parede.
Aline Midlej é capa da edição de novembro de 2025.  (Camila Tuon/CLAUDIA)
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Aline abriu a porta da casa dos pais às dez e meia da manhã, numa sexta-feira. O pai a olhou imóvel. Àquela hora, deveria estar no Rio de Janeiro, onde mora com o marido, Rodrigo Cebrian, e a filha, Celeste, e de onde apresenta, todos os dias, o Jornal das Dez, da GloboNews.

Horas antes, ela havia ligado para se desculpar: um almoço a impediria de viajar até São Paulo para passar o aniversário do pai com ele. Aline Midlej estava sem tempo – e a imagem dela ali, em casa, só poderia ser uma alucinação.

Celeste despertou o avô com um abraço. Não, não era sonho. A filha pedira para gravar o jornal nos estúdios da Globo em São Paulo só para almoçar com ele. A ligação lamentando a ausência era parte da surpresa. “A Celeste também percebeu que estava rolando uma catarse sentimental ali e correu para os braços dele. Ele demorou uns dois minutos para entender que era real”, conta Aline, com um sorriso no rosto.

“Tenho escolhido, cada vez mais, passar tempo de qualidade com a minha família, com escolhas em que o tempo traga sentido para minha vida. O amor tem dessas coisas: quando você investe nele, você recebe de volta. Mas você precisa escolher dar seu tempo – que é o que temos de mais valioso.” 

E ela sabe que o tempo é sempre ligeiro, como os intervalos comerciais do J10. Aos 42 anos, nascida em São Luís, no Maranhão, nunca havia retornado à sua terra natal – a última vez em que esteve por lá foi aos dois anos de idade. Quantos anos ou meses ainda teria para revisitar suas origens ao lado dos pais? 

No último agosto, durante as férias, partiu para lá com a família – pai, mãe, marido e filha. Passou pela rua em que moravam e viu a casa que, até então, só existia em foto. Viu também o brilho no olhar dos pais, que não voltavam lá havia 40 anos.

Close em rosto de mulher olhando para baixo, usando camisa listrada rosa e branca, gravata de laço floral e cabelos cacheados soltos.
Aline Midlej reflete sobre a importância de valorizar o tempo em família (Camila Tuon/CLAUDIA)
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“Eu quase dei bobeira, não sei se ano que vem vou poder fazer isso com meu pai. Ele está ótimo, mas tem quase 80 anos. Ao viver aquilo, passear de táxi com eles e com Celeste, tive consciência na hora: era algo precioso. Fico até arrepiada em lembrar. O tempo é escolha o tempo todo.

A escolha do cuidado

Esse zelo – com o tempo e com as relações – também se faz presente com seus entrevistados. Durante a pandemia, quando Manaus enfrentava uma crise de oxigênio, em janeiro de 2021, Aline conheceu Iyad Hajoj.

Ele perdera a mãe e o pai, no mesmo dia, após interná-los com covid, e queria contar sua história. Entrou ao vivo. Após sete minutos de conversa, Aline decidiu que era hora de interrompê-lo. 

“A gente abriu o jornal com a entrevista dele. E foi tão forte que uma hora eu falei: ‘Gente, chega, acho que o recado principal está dado’. Redobramos o cuidado com o outro na pandemia. Como a gente visibiliza as histórias e ao mesmo tempo preserva essas pessoas nas suas dores?”, questiona.

“O Iyad não virou meu amigo, mas durante muito tempo a gente conversava. É uma relação que não dá para cortar assim. Algumas situações são excepcionais. Essa pessoa ficou ali comigo ao vivo, abriu a vida e a dor dela para prestar um serviço, que fez meu jornalismo e minha missão serem melhores. Eu queria saber como ele estava.”

Mulher sentada no chão de livraria encostada em estante de livros com um livro na mão.
O jornalismo como agente humanizador de narrativas durante crises é assunto abordado por Midlej (Camila Tuon/CLAUDIA)
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“Tudo comunica. A maquiagem, a roupa, o cabelo… Dou espaço para minha personalidade aparecer de forma orgânica”

Não é o único exemplo de cuidado. Em setembro, ela criou um quadro novo no J10: “Extraordinários”, que conta histórias de pessoas que superam as expectativas e fazem o bem.

A personagem de estreia foi Ana Aurora Borges, filha do premiado fotógrafo Antônio Gaudério, que perdeu a memória após um acidente doméstico, aos 49 anos. Ela correu atrás do acervo fotográfico do pai para ajudá-lo a recuperar parte da vida esquecida. Recentemente, lançou uma exposição com as fotos dele. 

Aline perguntou se ela ficaria confortável em levar o pai para a gravação. “Agora eu quero levar!”, respondeu Ana Aurora. “É sobre confiança. A gente precisa ter cuidado com quem entrega a própria memória nas nossas mãos. Antes de ser âncora, como repórter, sempre tive uma escuta atenta. Sempre gostei da profundidade [das pautas]”, diz Aline. 

A própria história de Aline construiu nela sensibilidade e cuidado com o outro. O esforço do pai como engenheiro garantiu aos filhos uma vida de classe média alta, com estudos em um dos melhores colégios da capital paulista, o Rio Branco. Mas ela não se enxergava naquelas pessoas – todas brancas: ainda era de uma família nordestina, ainda era uma garota negra. Levou algum tempo até que ela mesma se compreendesse.

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“Eu era a única menina negra na escola e na minha turma da faculdade – em algumas etapas. Depois foram aparecendo essas pessoas [mais parecidas], mas tive uma existência solitária por um período”, diz.

“Construí minha [própria] percepção ao longo do tempo. E isso forjou o que eu sou. Não tive necessariamente experiências duras, de dor direta, de preconceitos. Percebi quem eu era a partir dos outros, que não eram como eu. E essa construção, esse privilégio de estar nesses lugares, do que represento numa sociedade como a brasileira, criou em mim uma hipersensibilidade. E é também uma marca do meu jornalismo.”

A virada para o jornalismo

Mulher sentada na borda de piscina em área externa de hotel.
Aline Midlej divide histórias de profissão entre jornalista e entrevistados em momentos de crise (Camila Tuon/CLAUDIA)

Por volta dos 15 anos, Aline ainda não sabia que profissão a guiaria pela vida. Mas a paixão pela leitura – um incentivo do pai – e pela escrita já dava sinais. Colocava no papel os causos de família e tinha sensibilidade aguçada para encontrar boas histórias. 

Uma delas ficou na memória. Era sobre o avô, um militar pernambucano da tropa de caça a Lampião. “Eu falei: ‘vô, como assim?! O Lampião! Você tem noção de quem é Lampião?’”, lembra. Aline escreveu aquela história e guardou. Anos depois, quando precisou entregar um texto jornalístico na faculdade, ela usou, quase sem retoques, o antigo rabisco. Tirou dez. 

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“Acho que o jornalismo sempre foi intuitivo para mim. Não era claro que eu faria isso, mas ele sempre me habitou de algum jeito, se manifestava em mim. Aos 17, entendi: eu só posso fazer jornalismo.”

Mulher apoiada em parapeito de prédio olhando para trás
A jornalista Aline Midlej compartilha história de vida e como suas experiências pessoais contribuíram para a formação da sua identidade (Camila Tuon/CLAUDIA)

Apaixonada pela escrita, a tevê não era a primeira escolha de Aline. Ela queria mergulhar em grandes reportagens, rodar o mundo escrevendo sobre realidades diferentes. No último ano do curso, se inscreveu em programas de trainee da grande imprensa: Globo, Editora Abril, Folha de S. Paulo etc.

Aprovada em todos, o pai a aconselhou: “Filha, precisamos achar um jeito de você entrar nesse mercado com força, porque o papai não tem esse lugar na sociedade, não tem contatos. Sou migrante. Você tem que ralar, treinar, se informar. E acho que a tevê pode te dar mais caminhos”. Aline concordou e escolheu a Globo. 

Dali saiu para a TV Record, onde ficou por três anos. Começou na produção de séries de reportagens e migrou para a reportagem. Passar dos bastidores para a frente da câmera fez bem — e abriu caminho para contar histórias sobre outras realidades, como sonhara na faculdade.

Descobrindo a África

Mulher de vestido branco e blazer cinza sentada com o rosto apoiado nas mãos em banca de jornal
O jornalismo foi um caminho natural para a âncora do Jornal das Dez, Aline Midlej (Camila Tuon/CLAUDIA)
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Aos 26 anos, em 2009, Aline recebeu um convite: trabalhar como repórter em um projeto batizado de Nova África, da TV Brasil. A ideia era viajar por diversos países e quebrar estereótipos sobre o continente africano. Não era um território marcado somente por crise e pobreza. Era um lugar rico e diverso em cultura. 

“O ecossistema hoje não é compatível com a mulher que quer ser emancipada e realizada para além da maternidade” -Aline Midlej

“A sorte caminha junto com a coragem. Tem essa coisa de estar nos lugares certos e uma convergência de situações viram oportunidades. Eles queriam uma repórter jovem, interessada e sem vícios.” 

Durante a viagem, Aline cobriu desde a Guerra Civil do Congo até a revolução tecnológica do Quênia. Entrevistou Wangari Maathai, primeira mulher africana a ganhar o Nobel da Paz, e Paul Rusesabagina, gerente de hotel que salvou dezenas de pessoas durante um genocídio, em 1994, e virou personagem do filme Hotel Ruanda.

“Fui conhecê-lo antes de ir para o Congo para entender sua perspectiva sobre o país, antes de chegar e ver a versão de quem estava no poder. Olha que sofisticação de jornalismo! Ali, eu virei repórter.”

Na África, ela também encontrou cenas raras no Brasil: restaurantes caros e shopping centers com maioria de pessoas negras. “Eu me vi em algumas mulheres — não em várias, porque tenho a pele mais clara. Mas vivi situações inimagináveis no Brasil.

Você anda no shopping e 95% das pessoas são pretas. Os restaurantes bacanas em Joanesburgo são cheios de gente preta. É muito diferente do Brasil. E isso abre um portal de incômodos, de violências, de consciência”, contou em entrevista à CLAUDIA, em abril. 

Além do trabalho

Mulher vestindo blazer cinza posando no meio da rua com motos em movimento.
Aline Midlej relata como sua experiência como repórter na África moldou sua identidade como comunicadora (Camila Tuon/CLAUDIA)

As vivências africanas ajudaram Aline no processo de amadurecimento intelectual – e de reafirmação de quem ela é e do que sua imagem representa. Depois de um período como repórter na Band e de apresentar o matutino Jornal com Café, retornou à Globo.

Há cinco anos, mudou-se para o Rio para ser a cara do Jornal das 10. Uma vez por mês, aos sábados, apresenta também o Jornal Nacional.

“Quando piso no estúdio, muitos brasileiros pisam comigo. Isso carrega uma força, uma beleza, do tamanho da responsabilidade.”

A âncora do último jornal do dia na Globonews – único que permanece desde a inauguração do canal, em 1996 – veste roupas brancas às sextas, dia de oxalá, sustenta o batom vermelho e exibe o cabelo cacheado solto. 

“Tudo comunica. A maquiagem, a roupa, o cabelo… Tem também os gestos corporais, o tom da voz, a forma de olhar para a câmera. Dou espaço para minha personalidade aparecer de forma orgânica. Quero comunicar que sou uma mulher independente, afetuosa, estudiosa, comprometida com a verdade, a justiça e dedicada a iluminar nossa humanidade para, quem sabe, ser possível um cotidiano que nos alegre mais e nos adoeça menos. Quando piso no estúdio, muitos brasileiros pisam comigo. Isso carrega uma força, uma beleza, do tamanho da responsabilidade.”

Fora das câmeras, Aline aproveita o tempo com a filha e o marido. O celular fica abandonado desde a hora que volta do trabalho até 9 da manhã do dia seguinte. Ela levanta, medita por uns cinco minutos, beija o marido e fica com Celeste até levá-la ao colégio, no início da tarde.

Entre uma brincadeira e outra, lê o jornal impresso – hábito que mantém desde a adolescência. Lá pelas duas da tarde, Aline treina na academia, enquanto escuta o podcast O Assunto, da colega Natuza Nery.

“Meu tempo é muito dedicado à Celeste. É uma escolha importante, mas também flexível. Durante a COP30, vou apresentar o jornal de Belém. Vou ficar 10 dias sem ver minha filha. Meu trabalho é uma das minhas prioridades. Acho que o ecossistema hoje, da forma como opera e se estrutura, não é compatível com a mulher que quer ser emancipada e realizada para além da maternidade”, diz.

“Muitas mulheres se sentem culpadas quando fazem ginástica e deixam de ficar com os filhos. Não é só sobre atividade física. Esses cuidados reverberam em aspectos que vão além da estética. Acho que as mulheres precisam ser mais generosas consigo e criar uma relação de amizade com a própria culpa.

Se o ecossistema não ajuda, Aline o desafia com maestria. Entre o jornal, a filha e os chás da madrugada, encontrou tempo para publicar o livro De Marte À Favela – Como a exploração espacial inspirou um dos maiores projetos de combate à pobreza do Brasil, em parceria com o empreendedor social Edu Lyra, da ONG Gerando Falcões. Os dois foram finalistas do prêmio Jabuti na categoria economia criativa.

O tempo atravessa e organiza a vida de Aline. Tempo de escuta, tempo de silêncio, tempo de presença. Em cada um deles, cabe o mesmo propósito: viver com sentido, contar o que importa e cuidar das pessoas que cruzam seu caminho. Em tempo, como ela repete, no ar, toda noite: “força e saúde pra gente!”.

Créditos

  • TEXTO Carol Castro  
  • FOTO Camila Tuon  
  • STYLING Luana de Sá  
  • BELEZA Roberta Silva  
  • DIREÇÃO DE ARTE Kareen Sayuri

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