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Valter Hugo Mãe: “Não há nada mais certo na vida do que o amor”

O autor português, que está lançando no Brasil o livro "Homens Imprudentemente Poéticos", escreve especialmente para a CLAUDIA

Por Valter Hugo Mãe
Atualizado em 31 dez 2016, 09h00 - Publicado em 31 dez 2016, 09h00
 (Reprodução/Reprodução)
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Meu amigo mais bonito diz coisas bem indelicadas às moças e elas, no entanto, sorriem. Acho muito injusto. Rapazes feios ficam medindo palavras com todo o cuidado e nem assim dá certo. Eu, que conheço a fealdade por uso continuado, sempre quis acreditar num amor todo interior, uma coisa feita de comunhão espiritual e entrega incondicional, mas a física é uma ciência meio imbatível. A física é uma ciência muito concreta, toda dona de evidências. Não dá para ignorar. A pessoa, na hora de nem pensar, escolhe alguém que fique lindamente nas salas, alguém com uma apetência decorativa assinalável. Eu, por norma, fico mal nas salas. Não sou embonecado, não tenho mais de um abdominal. Sou daquelas visitas que precisam lembrar sempre de encolher as pernas, arrumar o casaco, falar mais baixo, esperar. Usar a cabeça, pensar, defender a humanidade, ter um brilho nos olhos.

O meu amigo mais bonito entra deixando tudo pelo caminho, atravancando qualquer passagem e fala como se cada palavra contivesse um fiat lux imprescindível. As mulheres nem se lembram de mim. Dizem vagamente que gostam dos meus livros e perguntam: é seu amigo? E ele diz que gosta do amor à moda antiga, cheio de luta, muita caça. E elas sorriem. Já não reparam que sou um nada mais charmoso de barba, que sou romântico, ainda pago um jantar, fico à porta das lojas de roupa pacientemente. Exerço a paciência. Não tenho sequer outra hipótese senão ser assim. A minha paciência é por pura sobrevivência. Estratégia elementar.

Brigo muito para que o mundo seja todo cordial. Gosto da ideia das gentilezas e gosto das cartas escritas à mão, as flores nos beirais, os passeios, ficar vendo a chuva junto, ter arrepio junto, dizer palavras velhinhas como se fôssemos velhinhos porque somos só vulnerabilidade, fragilidade nas mãos um do outro. Claro que me intriga que as mulheres babem para meu amigo mais bonito e já nem escutem um verso, uma graça qualquer. Os meus gestos são impraticáveis no universo do desejo quando o corpo de ginásio aparece. Eu começo a não gostar de ginásios. Toda a gente concorre contra mim.

A última vez que fui seduzido até foi recente. Que maravilha. Chego a ter vontade de pedir autógrafo, perguntar por família, cão, modo de ver televisão, livro favorito. Ser seduzido é tão raro que vejo isso como a intermitência de ir ao Japão. Fui ao Japão duas vezes. Fiquei muito grato à senhora. Ela disse que a amiga dela me achava um gato e que me convidava para um café. Eu perguntei por que a amiga não mo disse diretamente. Respondeu que por timidez. Mas que poderia ir junto para desintimidar tudo. Fiquei comovido. Achei lindo. Não acontece muito e acho lindo.

Por ser noite de trabalho, fila de autógrafo sem fim, horas de avião, sono, abraços e beijos até de moços, eu neguei. Protestei contra a sorte, que me traz um qualquer amor ao lugar errado, ao tempo errado. Como se alguma coisa na nossa vida fosse mais certa do que o amor. É ultrajante.

O meu amigo mais bonito, contudo, não sei como, consegue sempre tempo. A beleza é um nojo. A beleza tem tudo. Chega a ser inteligente. Que raiva.

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