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“Ter filhos não é para perfeccionistas”, afirma o escritor Andrew Solomon

Durante 11 anos, o americano Andrew Solomon conversou com mais de 300 famílias com crianças que, de alguma forma, não supriram a expectativa dos pais. Nesta entrevista, ele fala sobre sua sensível pesquisa, que rendeu o livro Longe da Árvore.

Por Redação M de Mulher
Atualizado em 28 out 2016, 00h26 - Publicado em 12 nov 2013, 22h00
Mariana Sanches, de Nova York
Mariana Sanches, de Nova York (/)
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“Tentar fazer os outros serem como você espera não é um ato de Amor, é autoritarismo”
Foto: Ilustração / Rodrigo de Oliveira

O pai da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), defendia que qualquer relação de amor mascara algum grau de ódio – e o ódio esconde traços de adoração. Baseado nessa premissa, o jornalista nova-iorquino Andrew Solomon entrevistou mais de 300 famílias de crianças diferentes dos padrões para entender como lidam com os sentimentos de estranhamento e aceitação. Por 11 anos, ele falou com pais e mães nos Estados Unidos, na Inglaterra, em Bali e Ruanda que criam filhos surdos, anãos, esquizofrênicos, autistas, criminosos, gays, transexuais e com síndrome de Down ou gerados em um estupro. O resultado está em Longe da Árvore (Companhia das Letras), considerado um dos dez melhores livros de 2012 pelo jornal The New York Times e lançado por aqui no mês passado. Parte da motivação de Solomon para escrevê-lo vem de uma experiência pessoal: a descoberta de sua homossexualidade na infância. Às vésperas de completar 50 anos, ele recebeu CLAUDIA enquanto seu pai, seu parceiro e seu filho, George, 4 anos, brincavam no cômodo ao lado. Como a maior parte das famílias do livro, a dele parece ter encontrado um jeito de viver bem, apesar das diferenças.

Por que decidiu escrever Longe da Árvore?

Há quase 20 anos, me pediram para fazer uma reportagem sobre surdos. Conforme eu entrevistava as pessoas e passava um tempo com elas, comecei a ver que tinham um estilo de vida atraente para mim. Fui a teatros de surdos, danceterias para surdos, ao concurso americano da miss surda. Percebi que havia ali um mundo de pessoas unidas pela sua experiência e pela linguagem. A maioria das crianças surdas nasce de pais que ouvem e se esforçam para inseri-las no mundo dos ouvintes. Com isso, muitas só descobrem na adolescência que existe uma cultura surda. Quando isso acontece, é uma libertação. O mesmo ocorre com filhos gays de pais heterossexuais. Essa era a questão que estava ali: pais considerados normais criando crianças consideradas anormais. Queria saber como as famílias lidavam com isso.

Como a experiência pessoal contribuiu para seu entendimento sobre a dinâmica em tais famílias?

Quando me dei conta de que era gay, isso pareceu a tragédia mais horrível que poderia me acontecer. Seria um desapontamento para meus pais, e eu acreditava que não teria filhos, que seria um homem solitário, com uma vida miserável. Mas hoje sou muito feliz com a vida que levo. E eu me perguntava como fiz essa transição. Isso não foi apenas uma superação pessoal, houve mudanças na sociedade. Passei anos tentando sair com mulheres, me odiando, pensando que teria de fazer uma escolha entre viver o que eu realmente era ou reprimir minha identidade para satisfazer aos padrões. Aos 23 anos, quando fui morar com meu primeiro namorado sério, contei a minha família que era gay. Minha mãe ficou terrivelmente triste e furiosa. Achei, então, que meus pais não me amavam. Demorei para entender que não era falta de amor, mas dificuldade de me aceitar como eu sou. Quando comecei esse livro, uma das coisas que queria fazer era delinear a diferença entre amor e aceitação. E todas essas histórias de surdos, anões, esquizofrênicos, criminosos me mostraram que os pais passam por um longo processo até chegar a aceitá-los de verdade.

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O processo de aceitação é o mesmo, independentemente do tipo de diferença que o filho tenha?

O processo pelo qual os pais passam é o de reconhecer a diferença, viver a tragédia, superá-la e, afinal, entender que não é o mundo ideal, mas que eles amam aquela criança que têm e não gostariam de ter outra no lugar. No fim das contas, as famílias acabam unidas à criança cujas condições as horrorizaram em um primeiro momento. Mas, claro, não é assim com todo mundo.  No livro, você conta o caso de Julia, mãe de um bebê com problemas cerebrais que chorava e gritava o tempo todo e acabou sendo dado para adoção. Ela vê a si mesma como uma mãe fracassada? Tento evitar qualquer tipo de julgamento. Não acredito nem que todo mundo deveria manter seu filho nem que deveria desistir dele. Julia enfrentou grande pressão social porque desistiu de sua filha. O livro tenta abordar o modo como pais de crianças diferentes conseguem se conectar a elas. Mas, às vezes, eles não conseguem, e é preciso admitir isso.

Como os pais podem compreender o que é possível mudar em seus filhos e o que é preciso aceitar?

Esse é o grande desafio. Há um ditado que diz: “Deus, me dê coragem para mudar o que deve ser mudado, me permita aceitar o que precisa ser aceito e sabedoria para diferenciar os dois”. Isso é um lema para a paternidade e a maternidade. É possível fazer a seguinte analogia: se você é mulher, há muitos momentos em que reconhece como a vida é muito mais fácil para os homens em uma sociedade machista. Mas você não pensa que é uma perda pessoal não ser um homem ou que deixaria de ser mulher se pudesse. Você é quem você é, e pronto.

"Ter filhos não é para perfeccionistas", afirma o escritor Andrew Solomon
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Solomon teve problemas com os pais quando revelou ser gay
Foto: Annie Leibovitz

Os pais se culpam pelas diferenças de seus filhos?

Historicamente, os pais se culpam demais. Há sempre teorias pseudocientíficas que afirmam que o autismo, a esquizofrenia ou a homossexualidade do filho foram causadas por falhas de nutrição, doenças na gravidez etc. Não há qualquer prova disso. Mas o legado de anos e anos de culpa acumulada continua muito forte, o que não é produtivo para melhorar a vida da criança nem a dos seus pais.

E quando é a sociedade quem culpa a família, como no caso dos pais de Dylan Klebold, um dos responsáveis pela tragédia da escola americana Columbine? Se pararmos de culpar os pais de crianças surdas, anãs e esquizofrênicas, passaremos também a não culpar os pais de crianças que cometeram crimes. Algumas desenvolvem um comportamento agressivo depois de ter passado por uma infância traumática. Nesses casos, é claro que é decorrência de uma deficiência da educação. O problema é assumir que, como existem pais cujas atitudes ajudam a desenvolver o potencial criminoso dos filhos, toda criminalidade é resultado do que os responsáveis pela criança fazem. Quando fui conhecer Tom e Sue Klebold, pais de Dylan, achava que conseguiria entender por que ele fez o que fez. A verdade é que, quanto mais os conhecia, menos compreendia o comportamento do menino. Muitos dos pais de criminosos que entrevistei eram essencialmente boas pessoas, sem passagem pela polícia nem histórico de violência. Apenas tiveram filhos diferentes de si mesmos.

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Como as mães de crianças geradas por um estupro conseguem amá-las e aceitá-las?

Em Ruanda, onde os estupros aconteceram em massa durante a guerra civil, essa é uma situação bem comum. A última mulher que entrevistei lá me contou toda sua dolorosa vida e, ao final da entrevista, me perguntou: “Você pode me dizer como amar mais a minha filha? Porque eu quero amá-la mais. No entanto, quando olho para ela, me lembro de tudo o que aconteceu comigo, e isso faz com que seja muito difícil”. Havia ali um esforço tremendo para amar mesmo quando esse sentimento parecia impossível.

Quando seu filho, George, nasceu, os médicos suspeitaram que ele seria incapaz de andar. Como você reagiu?

A pediatra disse que ele não estava mexendo direito as perninhas e poderia ter um problema no cérebro. Eu me senti desamparado. Seria irônico ter um filho assim enquanto estudava famílias de crianças diferentes. Pensei: “Ok, escrevi sobre a grande experiência que elas tiveram e o amor envolvido, mas não quero isso para mim”. Sabia que, se George tivesse alguma deficiência, seria parte da identidade dele e, portanto, parte da minha também. Mas queria poupar-nos dessa dor. Felizmente, depois de cinco horas de angústia, descobrimos que ele não tinha nada.

Você afirma que ter filhos não é para perfeccionistas. Por quê?

Não é mesmo. Antes de começar a escrever o livro, eu, que sempre quis ser pai, tinha a ideia de que meu filho seria uma criança muito bem-educada, que se destacaria na escola etc. Havia várias expectativas. Então, conheci todas essas pessoas cujos filhos simplesmente não eram o que elas sonharam. Isso me fez entender que tentar fazer os outros serem como você espera não é um ato de amor, é um ato de autoritarismo. Às vezes, é difícil não ser opressivo demais, e eu tenho um exemplo recente. Há duas semanas, George veio correndo do terraço e me chamou para ver algo. Pensei que queria me mostrar um inseto, uma flor… Mas, na verdade, era um desenho que ele tinha feito na cadeira. Imediatamente o repreendi dizendo que deveria escrever apenas no papel, não na mobília. O rostinho dele, que era pura excitação e alegria, adquiriu uma expressão de tristeza, e ele me disse: “Achei que fosse bonito e que você ia gostar”. Eu me senti mal. É claro que tenho de ensiná-lo a não rabiscar os móveis, mas poderia ter feito isso de maneira menos agressiva. Cinco minutos depois, ele já estava brincando de novo. Mas eu ainda me culpo por aquele episódio. Ter filhos é difícil. E gratificante.
 

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